Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

De quem é a culpa?

O segundo acidente fatal com carros autônomos em menos de duas semanas levanta preocupações com a novidade. A principal: quem deve ser responsabilizado

Por André Lopes
Atualizado em 7 abr 2018, 06h00 - Publicado em 7 abr 2018, 06h00

“Não precisamos de sistemas redundantes de freios e direção. Precisamos é de um software melhor”, escreveu em janeiro de 2016 o então engenheiro responsável pelo desenvolvimento dos carros autônomos do Google, Anthony Levandowski, em e-mail destinado a Larry Page, um dos fundadores da companhia. “Para isso, deveríamos lançar os primeiros 1 000 carros quanto antes”, completou. Levandowski seguia um mantra do Vale do Silício, o princípio do “ande rápido e quebre coisas”. A ideia é errar, errar e errar, o decisivo atalho para o nascimento de grandes inovações atreladas à inteligência artificial. Costuma funcionar, e foi essa postura que ele levou para sua empresa de caminhões guiados por computadores, a Otto, que em 2016 foi adquirida pela Uber. Mas e se o “quebrar coisas” atingir também seres humanos, provocando mortes? De quem é a responsabilidade?

É a dúvida que brotou com estardalhaço depois de dois episódios recentes. Em 18 de março, um Volvo autônomo da Uber atropelou e matou a ciclista Elaine Herzberg em Tempe, no Estado americano do Arizona. Havia uma funcionária da empresa ao volante, para o caso de emergência, mas ela não teve tempo de reagir, de retomar o controle do veículo. No dia 30 ocorreu outro infortúnio com um automóvel sem condutor. Um Tesla Model X da empresa do sul-­africano Elon Musk, aquele que pretende nos levar a Marte, colidiu na Califórnia com um muro, matando o homem a bordo. Nesse caso, porém (assim como em dois acidentes fatais anteriores, em 2016), a falha não foi 100% tecnológica. O Tesla não era completamente automatizado como o carro da Uber, e o programa de computador emitiu barulhentos sinais de alerta para que o motorista assumisse o volante, o que ele não fez. Mas pouco importa: ainda que semiautônomo, o Tesla foi fazer parceria, na história da mobilidade do futuro, com o Uber destrambelhado que derrubou a bicicleta. São personagens das dores do parto de uma novíssima tecnologia.

Começam a brotar as primeiras e ainda incipientes respostas em torno das causas dos acidentes. A pressa, talvez. A economia indevida, muito possivelmente. Os engenheiros da Uber estipularam dois objetivos na largada de seus projetos. O primeiro: testar os protótipos nas ruas, o que garantiria visibilidade e bom marketing. O segundo: tinham de tornar a tecnologia barata o suficiente para que, já nos anos 2020, fosse possível pedir um autônomo da Uber pelo celular em qualquer metrópole. Para atingir essa meta, a Uber decidiu diminuir o número de radares do tipo Lidar — responsáveis pelo mapeamento dos arredores — em seus veículos de teste, que passaram de sete para apenas um, num corte estimado em 450 000 dólares por unidade (veja o quadro acima). Com os seis Lidar a mais, o modelo automatizado teria detectado a passagem da bicicleta em tempo de frear, e Elaine sobreviveria. O caso ainda está sendo investigado. Mas há uma unanimidade: se o veículo não economizasse em sensores, precaução seguida regiamente por rivais como o Google (cujo automóvel similar tem seis Lidar), o carro teria freado ou desviado.

Continua após a publicidade

A Uber admitiu o erro e firmou um acordo indenizatório — de cifras não divulgadas — com a família de Elaine. A Tesla se eximiu do delito, alegando que o Model X não é completamente pilotado por computadores. Contudo, há uma pergunta que não quer calar, e está na gênese da novidade: quando esses veículos se popularizarem, como se espera que ocorra na próxima década, de quem será a responsabilidade por acidentes? Dos fabricantes? Dos donos? É possível assegurar, por ora, que as duas alternativas estão corretas.

Seria insensato, porém, apoiar-se nas tragédias para impedir o advento da tecnologia. Quando o carro — o dirigido por humanos, este que conhecemos muito bem — começou a ocupar as vias urbanas, na virada do século XIX para o XX, causava estardalhaço qualquer acidente, por menor que fosse. Em 1896, testemunhas da primeira vítima de atropelamento na Inglaterra declararam que a máquina viajava em “ritmo imprudente”. O caso gerou comoção. Qual era a velocidade “imprudente”? Menos de 7 quilômetros por hora. Passado um século, todos os anos morre 1 milhão de pessoas em acidentes. Ninguém pensa em extinguir os carros, apesar da mortandade, porque são, sem dúvida alguma, necessários, representam um avanço da civilização. O futuro dos autônomos deve seguir a mesma estrada. Hoje, uma morte os põe em xeque. Daqui a um século, é muito possível que se confirme uma aposta atual: ao substituir motoristas de carne e osso, a tecnologia levará à redução de 90% nas fatalidades de trânsito.

Publicado em VEJA de 11 de abril de 2018, edição nº 2577

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.