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Cronista da loucura americana

Morre, aos 88 anos, o jornalista e escritor americano Tom Wolfe

Por Da Redação Atualizado em 18 Maio 2018, 06h00 - Publicado em 18 Maio 2018, 06h00

Em 1970, a elite progressista dos bairros mais exclusivos de Nova York oferecia recepções luxuosas aos mais extremados movimentos sociais. O maestro e compositor Leonard Bernstein e sua mulher, Felicia, receberam, em sua cobertura de treze cômodos, o Partido dos Panteras Negras. Um repórter da New York Magazine estava lá, com seu indefectível terno branco e o lenço colorido impecavelmente dobrado no bolso, tomando notas. Escrito em prosa vibrante, com muita malícia e fino ouvido para gírias e coloquialismos, seu relato daquela noite expôs as dificuldades que a presença de militantes radicais negros impunha à alta sociedade — era preciso encontrar serventes brancos para fazer circular as bandejas de hors d’oeuvres — e consagrou a expressão “radical chique”. O repórter era Tom Wolfe, o mais ferino expoente do novo jornalismo, escola que conjugava técnicas de ficção com reportagem imersiva.

A crônica daquela recepção chez Bernstein foi só uma das muitas oca­siões em que Wolfe tomou o pulso dos Estados Unidos. Ele capturou o espírito da contracultura acompanhando as viagens de ônibus da turma de Ken Kensey, um guru do LSD, e retratou os primórdios do programa espacial em Os Eleitos. Estreou na ficção com um livro em que se sente o espírito inquisitivo do repórter — A Fogueira das Vaidades, de 1987, era uma radiografia social de Nova York nos anos de desvario financeiro do governo Reagan. Em quatro romances, Wolfe, inspirado em mestres do século XIX como Balzac e Thackeray, buscou sempre esse retrato realista do mundo contemporâneo.

Discreto na vida familiar — era casado e tinha dois filhos —, Wolfe comprazia-se com o escândalo que suas opiniões dissidentes causavam nos círculos nova-iorquinos dos quais era frequentador. Nas Páginas Amarelas de VEJA, em 2005, quando o romance Eu Sou Charlotte Simmons estava sendo lançado no Brasil, ele comentou o pasmo dos amigos jornalistas quando contava que havia votado no presidente George W. Bush: “Olhavam para mim como se eu fosse um criminoso, um molestador de crianças. Eu me divirto com isso”. Acompanhou décadas de turbulência política e social sempre de olho nas manifestações mais excêntricas da loucura americana. Amava o país cuja vida satirizou: disse que, nos Estados Unidos, o escritor devotado a descrever a “comédia humana” nunca fica sem assunto. Tom Wolfe morreu na segunda-feira 14, em um hospital de Nova York, onde se internara para tratar uma infecção. Tinha 88 anos.

Publicado em VEJA de 23 de maio de 2018, edição nº 2583

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