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Casamento é habilidade

Ao tratar com humor e acidez as alegrias e os percalços da vida amorosa da mulher, a atriz Mônica Martelli leva milhões aos teatros e cinemas do país

Apresentado por Atualizado em 25 jan 2019, 07h00 - Publicado em 25 jan 2019, 07h00

A carreira andava a passos lentos. Após “interpretar” uma tartaruga na novelinha infantil Caça Talentos e fazer pontas no Zorra Total, Mônica Martelli, aos 35 anos, viu-se em uma encruzilhada: deveria arriscar uma guinada profissional ou aceitar-se uma artista de pouca expressão? Seguindo um conselho da mãe (“bota seu caixote na rua”), a atriz optou pela primeira via. Seu rasgo de ousadia: escrever uma peça sobre a vida afetiva e sexual da mulher adulta baseada nas suas próprias alegrias e frustrações. Os Homens São de Marte… e É pra Lá que Eu Vou levou 2,5 milhões de pessoas a teatros de todo o Brasil em doze anos. O sucesso transformou sua criadora em uma máquina de humor, risadas — e dinheiro. A peça se desdobrou em filmes, série de TV e um novo espetáculo bem-sucedido, que já rendeu outro filme arrasa-quarteirão: lançado no fim de 2018, o longa Minha Vida em Marte estreou em 800 cinemas e atraiu 4 milhões de pessoas em um mês. Mônica, 50 anos, dois casamentos e uma filha, expõe aqui sua visão sobre a vida amorosa feminina.

Fernanda, protagonista de suas peças e filmes, relata desejos, traições e outras dificuldades para manter um relacionamento. Você está entre os que consideram o casamento uma instituição falida? Não, mas é bom entender que casamento e amor são coisas diferentes. Quem casa quer que dure para sempre. Mas daí surgem as intolerâncias, a falta de desejo, o dia a dia. A rotina é simplesmente incompatível com a plenitude do amor. A paixão precisa de incertezas, de dúvidas. Mas, quando se está junto há certo tempo, a pessoa adia o afeto porque acredita que o companheiro permanecerá ao seu lado. Você vai dormir e deixa o sexo para o outro dia. Posterga entregar o presente na data do aniversário porque pensa que, se der dias depois, não será problema. Mas pequenos gestos são importantes. Casamento é mais habilidade do que amor.

Qual a habilidade central para manter um relacionamento vivo? Os planos em comum. Para um casal jovem, é ter filho e comprar uma casa, por exemplo. Depois de um tempo, com esses planos já concretizados, é preciso dar novo significado ao matrimônio, ter novos planos em conjunto. Até porque marido e mulher não são mais as mesmas pessoas de dez, vinte anos antes. É preciso refazer o contrato: o que buscamos para ser felizes? A relação que escolhemos hoje é possível para o homem e a mulher em que nos transformamos? A teoria é essa, mas na prática quase ninguém se senta e conversa.

A plateia dá risos nervosos e histéricos em suas peças. Como conseguiu essa identificação com a personagem? No Tibete, as pessoas evoluem meditando, mas no Ocidente a evolução se dá pelos relacionamentos. As dores do amor nos fazem crescer. Assim como eu, a Fernanda se joga verdadeiramente nos relacionamentos, com sonhos, expectativas, dores e lutos. Por exemplo: após uma separação, fiquei um ano sem dar beijo na boca, até entender o que havia acontecido e me fortalecer. As experiências vividas por mim são levadas ao palco. Há uma cena em que o marido chega em casa do trabalho e roça a perna da Fernanda, uma forma clássica de convidar a parceira para transar. A galera morre de rir porque viveu isso inúmeras vezes.

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“A rotina de um casamento é incompatível com a plenitude do amor. A paixão precisa de incertezas, de dúvidas. A pessoa adia o afeto porque acredita que o companheiro seguirá ao seu lado”

 

 

Sexo no primeiro encontro ainda é um tabu para as mulheres? Não é questão de puritanismo não ir para a cama no primeiro encontro, mas de olhar para o seu momento. Eu já não quis transar de cara por estar machucada de um relacionamento anterior. Iria sofrer se o cara não me ligasse no dia seguinte. Sabendo disso, evitei o sexo. A mulher deve fazer o que lhe dá segurança, mas isso só ocorre quando ela se conhece bem.

E o que é preciso para se conhecer bem? No meu caso, faço terapia há 25 anos. Isso me ajudou a tomar o caminho do autoconhecimento e a dar nome aos sentimentos. Quando se faz análise, não quer dizer que a pessoa não vá escorregar em cascas de banana. Vai, sim. Eu ainda brinco: “Amor, tem um buraco ali me chamando e vou cair dentro dele”. O que muda é ter consciência do que estou fazendo. A terapia é uma lanterna que ilumina seu túnel, o que não significa que você não vá tropeçar durante a caminhada.

Segundo sua personagem, a mulher se torna invisível após determinada idade. Por quê? Vivemos em um país machista, onde a juventude é cultuada. Quando uma mulher de 50 namora um cara de 25, ela vira a Fátima Bernardes e sai na capa de todas as revistas e jornais. Já o contrário parece tão natural que nem sequer é notícia. O homem de 40 fica com a menina de 20 e ninguém toca no assunto, até porque é regra não olhar para mulher da idade dele. Também pesa o término da fase reprodutiva. A mulher se torna imperceptível, e o medo de ficar sozinha faz com que não consiga sair de casamentos abusivos. Sem falar que somos mais cobradas para a relação dar certo.

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Como assim? Até as gerações antigas, a mulher era treinada para conquistar, agradar e se casar com o melhor homem. Se a relação terminasse, fracassava todo um projeto de vida. Tenho 50 anos e vi isso mudar. Mas ainda convivo com amigas infelizes e sem coragem de encerrar um casamento por medo da solidão e do julgamento. Existe homem trocando fralda de criança e dividindo as tarefas da casa, mas isso ocorre mais no Leblon do que no restante do Brasil. Na prática, a mulher tem muito mais trabalho. A dinâmica pode ficar pior se ela não tem independência. Fui criada por uma feminista. Minha mãe (Marilena Pereira Garcia) foi eleita vereadora de Macaé em 1982. Não havia banheiro feminino na Câmara, então ela deixava um penico em cima da bancada como forma de protesto. Ela sempre explicou que a única possibilidade de a mulher ser livre é tendo independência financeira.

“Minha primeira vez foi um estupro. Eu tinha 15 anos. Só me dei conta há três anos, graças às discussões feministas. Hoje, vejo com clareza: só devemos fazer com nosso corpo o que queremos”

Como foi sua primeira vez? Minha primeira transa foi, na verdade, um estupro. Só me dei conta disso há três anos, graças à tomada de consciência trazida pelas discussões feministas. Nós estávamos na Praia do Pecado, em Macaé, em um luau. Fomos para um canto e ele forçou uma transa. Eu tinha 15 anos. Não o questionei no dia seguinte. Na minha cabeça, não queria transar, mas tudo bem. Afinal, eu estava na praia de biquíni. Fiquei mais dois anos com ele. O assédio fazia parte do dia a dia. Eu andava com casaco amarrado na cintura porque sabia que seria provocada na rua — aquilo era considerado normal. Toda garota passava por isso. Hoje, vejo com clareza: só devemos fazer com o corpo o que queremos. Mesmo que o marido queira, se a mulher não quer, é estupro.

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Afinal, para as mulheres, tamanho é documento? Esquece, essa é uma preocupação masculina. Não tenho grupo de WhatsApp trocando fotos de homem pelado, nem jamais presenciei uma amiga dizendo que determinado cara que entrou num lugar é bem-dotado. Nós queremos saber da performance. Não é necessariamente um pênis que nos dá prazer. A maioria das mulheres não tem orgasmo. Existe mulher que tem dois filhos e está casada há anos mas nunca chegou lá. O homem deveria se preocupar em conhecer melhor o órgão sexual da mulher. Sabendo trabalhar essa região bem, meu amor, está incrível. Agora, se o cara é bem-dotado, conhece o corpo feminino e manda bem…

Quantas vezes você se casou? Nunca me casei de papel passado, mas morei junto duas vezes. No momento, estou namorando e não penso em dividir o mesmo teto nunca mais. Mas mudar de ideia faz parte da vida das pessoas inteligentes, então posso querer dividir a casa no futuro. Respeito como cada casal se relaciona, mas casamento aberto para mim não rola. Meu maior luxo é o tempo. Não consigo dar conta de duas pessoas.

Um em cada três casamentos termina em divórcio no Brasil e, mesmo assim, os envolvidos e seus familiares sofrem demais com a separação. Por quê? A separação é sempre difícil porque são muitos os laços a ser desfeitos. Não nos afastamos apenas de uma pessoa: dizemos adeus a todo um futuro projetado a dois. É um baque reinventar a vida. No começo há o luto pela perda, e é duro reaprender a viver sozinho. Depois dessa fase, chega a libertação. Meu amor, separar-se é um ato de coragem. Já vi muita mulher dependente do marido que foi vender empada na praia para se livrar de uma relação fracassada. Os filhos podem sofrer no começo, mas não tem coisa pior do que ver os pais brigando.

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Faz sentido a opinião de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, de que “menina veste rosa e menino, azul”? Significa um retrocesso em muitas lutas e conquistas. Essa frase seria o equivalente a afirmar que menina não pode cursar medicina ou engenharia. Então vamos fazer apenas farmácia e pedagogia, profissões para cuidar do próximo? Há pessoas — mulheres inclusive — que dizem que o movimento feminista está muito combativo. Está mesmo, mas vejo isso como positivo. Não podemos perder direitos adquiridos.

Por que há mulheres machistas? Todo dia, quando acordo, penso: “Só por hoje, eu não serei machista”. É um mantra igual ao dos Alcoólicos Anônimos. Temos de nos vigiar para não escorregar, sobretudo na criação de nossas filhas. Sim, elas podem jogar handebol e fazer o que bem quiserem, e estará tudo bem. Nosso exercício é acolher a mulher machista, não brigar com ela, e tentar entender o ponto de vista e a forma como foi criada. Sabe o filme Beleza Americana, em que muita gente vive escondida atrás de um padrão? Com algumas mulheres casadas, é a mesma coisa. Tem esposa que chega para mim e diz: “Adorei sua peça, mas eu e meu marido temos o mesmo tesão de quando nos casamos”. A maioria delas se identifica com a personagem. Mas há quem negue que já tenha passado pelas mesmas situações.

Qual o segredo para levar 4 milhões de pessoas ao cinema em apenas um mês? O filme é um desdobramento de uma carreira que inventei para mim. Eu fazia pequenas pontas, sempre com a perspectiva de um dia chegar lá. Certa vez, fui chamada para participar de um karaokê de bichos na novela Caça Talentos. Topei. Me deram a tartaruga, com um casco enorme de espuma e uma pata com a qual eu nem sequer conseguia coçar o nariz. Naquele momento, disse ao meu amigo, que fazia o papel de pinguim: “Temos de repensar nossa carreira”. Tempos depois, eu e uma amiga montamos uma dupla sertaneja, a Tex & Ana. Fomos vaiadas em uma apresentação que antecedia a do Fábio Jr. em uma feira agropecuária. Pensei em abrir alguma franquia ou investir na carreira de maquiadora. Acabei não precisando.

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Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

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