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Brasília, capital pós-política

Incapaz de conter a violência, o país vive uma crise de mediações

Por João Cezar de Castro Rocha
Atualizado em 13 abr 2018, 06h00 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00

– Em seu clássico estudo O Processo Civilizador, Norbert Elias assinalou a importância da introdução de talheres nas refeições. Agora, entre a comida preparada e os dentes afiados, estabeleceu-se uma mediação temperada. Civilização é o conjunto de mediações que contém a violência.

– Alberto Mussa reúne há décadas mitos que relatam a apropriação humana do fogo e, sobretudo, o desenvolvimento de uma elaborada técnica para sua conservação. Dominá-la foi um passo decisivo no longo processo de hominização.

– A novidade das redes sociais não foi devidamente apreciada. Ela nada tem a ver com a deselegante palavra mágica “interatividade”. Ora, alguém conhece uma máquina interativa mais poderosa do que a ficção?

O Cru e o Cozido: título que inaugura a monumental série das Mitológicas, de Claude Lévi-Strauss — seus termos retomam o tema da mediação. Cozinhar os alimentos não somente facilita sua digestão, mas também favorece uma ingestão mais eficiente de proteína, fundamental para o crescimento do cérebro do Homo sapiens. Da carne crua à cozida, um conjunto de mediações torna-se indispensável.

– Hegel dedicou boa parte de sua obra à elaboração do conceito de Vermittlung, isto é, mediação. De outro modo, como construir pontes entre a parte e o todo, o indivíduo e o Espírito Universal?

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– O pensador francês Jean-Pierre Dupuy sublinhou a ambiguidade do verbo conter, pois, quando se diz que a cultura contém a violência, um paradoxo domina a cena. Conter a violência: impedir sua explosão ou tê-la dentro de si? As duas opções — simultaneamente.

– Alberto Mussa concebeu um projeto fascinante: contar a história da cidade do Rio de Janeiro por meio de crimes-sintoma. Em sua pentalogia, Totem e Tabu dos tristes trópicos, o escritor esclareceu o elo que geralmente recusamos: a violência se encontra nas origens da cultura.

– O ineditismo das redes sociais reside numa alteração radical das formas de apreensão do tempo. Hoje, no calor abrasante da hora, que sempre parece desatualizada, um “fato” ocorre e de imediato é transmitido em escala planetária no momento de sua ocorrência. E, acredite se quiser, ele é “interpretado” por opinionistas (bela palavra inventada pelos italianos!), que não se pejam de mudar de juízo ao sabor de novos “fatos”.

– O universo digital é uma guerrilha anti-hegeliana. Seu alvo: apagar do disco rígido dos internautas o conceito de mediação.

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– Na pólis pós-política, os partidos aboliram a mediação: não mais representam os eleitores, porém seus interesses pecuniários nada republicanos. Na corte palaciana, a única mediação do presidente e seus cúmplices é um espelho machadiano, que lhes devolve imagens turvas, oblíquas e dissimuladas. Fotografias — diriam os maledicentes.

– A crise de nossa ágora pós-política é bem esta: sem mediações, a violência não pode mais ser contida no dia a dia; pelo contrário, ela explode a cultura desde dentro. Salvo engano, o estado das coisas no Brasil dos extremismos acéfalos.

Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578

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