“Medonho”, “desproporcional”, “pesado”, “antiquado” e, a pior das qualificações, com cara de “tênis de pai”. Esses são alguns dos adjetivos usados para descrever o objeto de desejo do momento: o calçado da Balenciaga chamado Triple S, cujo nome é uma referência às três camadas de sola de borracha. Lançada no segundo semestre de 2017, a geringonça tinha tudo para dar errado. Seu enorme solado deixa os pés exageradamente grandes, em evidente confronto com o restante do vestuário. E, salve o paradoxo, justamente por ser chamativo (como não olhar para ele?), virou objeto dos famosos ou quase famosos que só vão para a rua com um solitário e persistente propósito: causar. Parecem estar conseguindo.
“Esse tênis é horrível, mas isso não quer dizer que eu não vá usá-lo amanhã”, afirma a jornalista de moda Lilian Pacce. “A estética do tênis está ligada à cultura das ruas e ao movimento hip-hop.” O calçado passou a agitar o mercado de luxo desde que a Chanel pôs o tênis no desfile de alta-costura de janeiro de 2014. Aos poucos, o acessório foi ganhando novos terrenos, além da academia e das baladas. É um modelo onipresente em situações que exigem produção esmerada — combinando com vestidos curtos e longos, não há regra, tanto faz. “Hoje em dia não existe uma it-bag do momento, mas um it-tênis”, diz Lilian. É o artigo — a coisa, o “it”, do inglês — que o marketing tornou inescapável, necessário. E até acessível, ainda que filho do caríssimo mercado de luxo.
No caso em tela, porém, não tem nada de acessível. A Balenciaga cobra 895 dólares pelo tênis no exterior. No Brasil, onde a grife não possui loja própria, ele é comercializado pelo site Farfetch por 5 900 reais (o modelo de tecido) e 6 100 (o de couro). Nas mecas do contrabando e da contrafação de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, pode ser encontrado por 500 reais. O preço — do original, não da cópia xing ling — não espanta a clientela. A Balenciaga espera lucrar 1 bilhão de dólares em 2018, ancorada na nova estrela.
Esse número poderia ser ainda maior se a concorrência, para ficar com um termo da moda, não tivesse feito a devida apropriação cultural da criação primeva. Os preços das inspirações variam dos altos aos altíssimos. A Louis Vuitton fez um genérico por 4 100 reais, a Calvin Klein tem um modelo de 4 730 reais e a Supreme, marca-desejo de jovens fashionistas, avançou mais um dígito: cobra nada menos que 11 720 reais.
A peça-mãe da Balenciaga foi criada pelo estilista Demna Gvasalia, nascido na Geórgia em 1981, quando o país do Leste Europeu integrava a União Soviética. O designer revolucionou a história recente da moda ao fundar a Vetements, coletivo de sete estilistas que passou a desfilar em Paris em 2014. No ano seguinte, a marca faturou 100 milhões de euros. Ela mistura o rigor de um bom corte de alfaiataria com a silhueta folgada das peças de streetwear. A modelagem é sempre exagerada e longa. “O tênis encontra receptividade junto a esses artistas que idolatram o luxo e um monograma conhecido”, afirma o historiador de moda Marco Sabino. “A atual moda da ostentação, com etiquetas aparentes e brilhos reluzentes, é culpa da Kim Kardashian: ela transformou seu traseiro enorme e o visual extravagante em objetos de desejo em todo o mundo.” O tênis, dá para comprar. O outro acessório, bem, é DNA.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594