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As águas de Marte

A descoberta de um lago de 20 quilômetros de largura sob uma placa de gelo revela que o planeta pode suportar um tipo específico de vida

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 jul 2018, 07h00 - Publicado em 27 jul 2018, 07h00

Levou quinze anos para que a sonda Mars Express cumprisse sua principal missão em Marte, mas enfim o seu dia chegou. Lançado em 2 de junho de 2003, em uma parceria da Agência Espacial Europeia (ESA) com a Agência Espacial Italiana, o satélite tinha como objetivo descobrir evidências de água no planeta, em sua superfície ou debaixo dela. Na quarta-feira 25, um grupo de cientistas italianos, em estudo publicado na prestigiada revista científica Science, revelou a descoberta inédita e há muito aguardada: a existência de 10 bilhões de litros de água em estado líquido em um lago de 20 quilômetros de largura, escondido sob uma camada de 1,5 quilômetro de gelo e poeira no polo sul de Marte. Pelas dimensões, um semelhante marciano de lagos encontrados na Antártica e no Alasca. Na Terra, todas essas bacias subterrâneas são repletas de formas de vida. Agora, com o achado, a resposta para a dúvida se o mesmo acontece em Marte está mais próxima dos terráqueos.

(NASA/ESA/AFP)
(NASA/ESA/AFP)

Para chegar às evidências da presença de água líquida em Marte, os cientistas usaram um radar eletromagnético projetado por engenheiros italianos e americanos chamado Mars Advanced Radar for Subsurface and Ionosphere Sounding (Marsis, na sigla em inglês), que funciona como uma máquina de raios X. Enquanto orbita o planeta, ele envia em direção ao solo uma forte frequência de rádio que, ao ser ou não refletida, indica aos sensores do equipamento a natureza daquilo que as ondas encontraram no caminho. Na Terra, a técnica é utilizada para localizar água subterrânea, petróleo e carvão.

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“A série de medições coletadas pela sonda entre 2012 e 2015 mostrou claramente que ela deparou com substância líquida”, disse a VEJA o astrônomo Roberto Orosei, pesquisador que liderou a descoberta. Os dados obtidos até agora, porém, não são suficientes para precisar a profundidade do lago. “Os pulsos não atingiram mais que alguns centímetros do reservatório. Estimamos que ele tenha entre 1 e 2 metros de profundidade”, afirmou Orosei. Os pesquisadores não sabem se o achado seria um lençol freático uniforme ou uma sequência de canais interligados. O que sabem é que a água está extremamente fria. No fundo do polo sul de Marte, a temperatura da água é de 68 graus negativos. Mesmo assim, acredita-se que permaneça líquida por estar sob pressão e com alta concentração de sais que aumentam seu ponto de congelamento — compostos de magnésio, cálcio e sódio, conhecidos como percloratos.

E são os minerais presentes na composição da água marciana que podem esconder a capacidade do planeta de abrigar ou não vida na sua superfície. Uma equipe da Escola de Física e Astronomia da Universidade de Edimburgo, na Escócia, passou a estudar os percloratos depois que o satélite Mars Reconnaissance Orbiter, da Nasa, apontou em 2011 indícios da existência de água líquida na superfície do planeta durante o verão. Em laboratório, os pesquisadores recriaram o composto e estimularam o desenvolvimento da bactéria Bacillus subtilis. Comum na água da Terra, ela não resistiu em um ambiente que simulava o do planeta vermelho. A agravante: além da alta incidência de raios ultravioleta causada pela falta de atmosfera, outros dois compostos presentes em Marte — o óxido de ferro e o peróxido de hidrogênio — aumentam ainda mais a mortalidade das bactérias. A água na superfície de Marte é, literalmente, um coquetel antivida.

A esperança de vida no planeta reside na possibilidade de existirem organismos vivos debaixo de sua superfície, em locais ainda não alcançados pelas sondas já enviadas. Na Terra, existem bactérias que podem se desenvolver em ambientes semelhantes aos subterrâneos do planeta vermelho, com concentrações muito altas de sal e temperaturas muito baixas. A Psychromonas ingrahamii, por exemplo, consegue prosperar em temperaturas de apenas 12 graus negativos e concentrações de sal de até 20%. “Um lugar protegido da radiação ultravioleta marciana poderia manter condições suficientes para a vida”, afirma o astrobiólogo brasileiro Douglas Galante, pesquisador de astrobiologia no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron.

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A descoberta de água subterrânea em Marte, ainda que não seja prova taxativa da presente existência de alguma forma de vida, evidencia que o planeta já teve um passado “mais vivo”. Hoje, ele é frio, árido e deserto, mas estudos anteriores sugerem que já foi quente e úmido e abrigava muita água líquida — isso há pelo menos 3,6 bilhões de anos. Só ficou alaranjado, seco e, aparentemente, inabitável por culpa do Sol. A estrela literalmente varreu sua atmosfera com ventos solares que arrancaram 100 gramas de gases por segundo ao longo de milhões de anos. Na Terra, isso não aconteceu devido ao seu interior metálico e líquido. Ele cria um forte campo magnético que funciona como escudo contra ataques do Sol.

Alguns cientistas reagiram com ceticismo à descoberta, com o argumento de que outras detecções, feitas a partir de radares mais sofisticados que os da Mars Express, como o Shallow Radar (Sharad, na sigla em inglês), não obtiveram os mesmos resultados. “Não enxergamos o reflexo nem quando reunimos milhares de observações para criar análises tridimensionais”, disse o astrônomo Nathaniel Putzig, vice-líder da equipe responsável pelo Sharad, em entrevista à CNN. A hipótese da comunidade científica para esse argumento, porém, é que o Sharad não analisou a mesma região que a Mars Express. A equipe de Roberto Orosei pretende continuar a vasculhar o planeta. O primeiro lago encontrado em Marte pode ser só uma gota se comparado ao mar de novas descobertas que ainda podem surgir.

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Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2018, edição nº 2593

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