A terceira chance
Derrotada em dois pleitos, Marina ganha força como oponente de Bolsonaro e se projeta como alternativa de centro. Mas lhe faltam alianças e estrutura
A última pesquisa Datafolha pôs a pré-candidata da Rede, Marina Silva, de volta no centro do palco. Sem Lula no jogo, a ex-senadora e ex-ministra do governo Lula aparece como segunda colocada no primeiro turno, com 15% das intenções de voto, atrás apenas de Jair Bolsonaro, com 19%. Trata-se de um desempenho invejável, se comparado ao de veteranos de grandes partidos, como Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), esse último engessado em um único dígito. Mas foi a projeção de sua performance num segundo turno o que mais chamou atenção no levantamento: Marina se mostrou a única com musculatura para vencer Bolsonaro acima da margem de erro — ela teria 42% dos votos, contra 32% do deputado do PSL. Não é pouco — sobretudo para alguém de quem o eleitor se habituou a ouvir falar apenas a cada quatro anos e que tem mantido até agora uma quase silenciosa pré-candidatura.
Não é pouco, de fato, mas está longe de ser suficiente. “É justamente daqui para a frente, quando começa a campanha profissional, que as fraquezas da Marina ficam mais evidentes”, avalia o cientista político Fernando Schüler, do Insper. Ser líder de um partido nanico — que conta com apenas dois deputados federais e um senador no Congresso — não é o único obstáculo na campanha da ex-senadora, mas é um dos maiores. Se decidisse seguir sem o apoio de outras legendas, Marina hoje teria palanque insignificante nas capitais do país, miseráveis dez segundos diários de tempo de TV e minguados 10 milhões de reais do fundo eleitoral, a ser repartidos entre todos os candidatos da Rede. A título de comparação, Geraldo Alckmin terá 70 milhões de reais apenas para ele. A campanha de 2014 da própria Marina consumiu oficialmente 45 milhões de reais.
A Rede terá 10 milhões de reais do fundo eleitoral para todas as candidaturas do partido. Em 2014, só a campanha de Marina custou 45 milhões
Nos oito anos que separam a primeira tentativa da ex-senadora ao Planalto da atual, suas conexões partidárias minguaram. Ao mesmo tempo em que se distanciou do PT e dos partidos de esquerda — por apoiar a Lava-Jato, o impeachment de Dilma Rousseff e a candidatura de Aécio Neves em 2014 —, ela não se aproximou nem do centro nem da direita. Rompida com o Partido Verde, legenda à qual foi filiada até 2011, também despertou antipatia em setores do PSB depois de, ao fundar a Rede, apoiar candidaturas que concorriam contra a sigla que a acolheu em 2014. Atitudes como essa ajudaram a disseminar a percepção de que “é difícil fazer acordo com Marina”. A imagem de inflexibilidade, porém, pode ter apelo para a parte do eleitorado que, exaurida pelas denúncias de corrupção, nutre um sentimento de repulsa à política. De outro lado, a rigidez de Marina a fragiliza em relação a candidatos mais experimentados na arte de formar alianças. O apoio do PSB, partido que ela ainda quer atrair para sua base, está descartado. “A Rede rompeu com três governadores do PSB de forma unilateral. Tornou-se oposição ao PSB no Distrito Federal, Paraíba e Pernambuco. Por isso, uma aliança não passa de sonho”, diz o presidente do PSB, Carlos Siqueira, sem dissimular o ressentimento. A sigla é também alvo da cobiça de Ciro Gomes, cujo partido, o PDT, dispõe de muito mais palanques para oferecer a potenciais aliados.
Marina tem dito a interlocutores que, se permanecer sozinha, estará preparada para uma campanha franciscana. A ideia é utilizar o tempo de TV praticamente só para divulgar o endereço do seu site. Como exemplo da estratégia, Marina cita o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil , do PHS. Em 2016, ele usou seus exíguos vinte segundos no ar para afirmar que não se “venderia” a nenhum partido em troca de minutos de TV e para convidar eleitores a conhecer suas propostas pela internet. Ganhou no segundo turno, com 53% dos votos. Ocorre que Marina é mais forte, de acordo com o Datafolha, entre eleitores com renda de até dois salários mínimos, do Nordeste. Trata-se de um público mais suscetível a campanhas de TV do que às de internet. E, segundo pesquisa Datafolha de novembro de 2017, os eleitores de Marina seriam menos engajados no compartilhamento de conteúdo sobre a pré-candidata que os eleitores de Bolsonaro. Enquanto mais de 40% dos eleitores do deputado disseram compartilhar conteúdo sobre ele nas redes e no WhatsApp, no caso de Marina foram 28%.
A seu favor, ela tem dois ativos hoje raros: passou incólume pela Lava-Jato e é a única a ter disputado as duas últimas eleições, acumulando recall e um capital político de mais de 20 milhões de votos. No quesito política econômica, também sai em vantagem entre os três primeiros colocados. Enquanto, aos olhos do mercado, Ciro e Bolsonaro representam risco de ruptura, Marina promete a estabilidade. Desde 2010, adotou discurso liberal, lastreado sobretudo pelos expoentes da equipe que a acompanhou nos últimos pleitos e voltou a se aproximar dela agora: os economistas André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, e Eduardo Giannetti da Fonseca, professor do Insper. Num segundo turno contra Bolsonaro ou Ciro, esse traço torna Marina a opção mais palatável para o mercado.
O Datafolha ativou o gatilho para essa possibilidade — investidores e empresários começam a considerá-la uma possível saída de centro. A ideia ganhou corpo com a recente sugestão de Fernando Henrique Cardoso de que o tucano Geraldo Alckmin, atualmente rebaixado à categoria de nanico, deveria se aproximar da ex-senadora — proposta que ela rechaçou de pronto. Marina perdeu duas eleições, enclausurou-se depois de cada derrota, lidera um partido diminuto e é, em termos de alianças partidárias, uma ilha. O fato de estar em segundo lugar nas pesquisas mostra que um número razoável de eleitores, se não a considera a fada madrinha capaz de consertar o Brasil do atual desmonte, pelo menos acredita que ela tem o condão de afastar assombrações.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587