A mordaça sem disfarce
Manobra de Maduro enterrou de vez qualquer suposição de que houvesse na Venezuela algum resquício de democracia
Mais de 160 venezuelanos morreram e ao menos 2 000 ficaram feridos nos embates travados entre a população e as forças de repressão do governo de Nicolás Maduro em 2017. Os comandados do presidente abusaram de prisões arbitrárias, torturas, estupros e tiros de armas não letais a curta distância. Na lista dos feridos com maior gravidade está o universitário José Víctor Salazar Balza, de 28 anos, transformado em tocha humana após a explosão de uma motocicleta usada pela Guarda Nacional Bolivariana durante um protesto. Com mais de 70% do corpo queimado, Salazar Balza ainda encontrou forças para gravar um vídeo em que incentivava seus compatriotas a sair às ruas “em nome de toda a Venezuela”. A despeito do sofrimento dos manifestantes e da grita internacional em razão do aprofundamento da crise no país, Maduro levou a cabo seu plano de instalar, ilegalmente, uma Assembleia Nacional Constituinte, composta exclusivamente de aliados. O novo órgão retirou os poderes do Parlamento unicameral do país, o único espaço em que a oposição ainda tinha voz. A manobra enterrou de vez qualquer suposição de que houvesse na Venezuela algum resquício de democracia. Maduro passou a ser classificado por governos e por veículos de imprensa internacionais como ditador, sem meias palavras ou atenuantes.
Dividida, a oposição aceitou ir às eleições regionais de outubro e levou apenas cinco das 23 disputas locais, numa eleição mergulhada em denúncias de fraude. Em dezembro, nos pleitos municipais, partidos de oposição boicotaram a consulta popular. O futuro do país que tem uma das maiores reservas de petróleo do planeta é sombrio. Faltam medicamentos, e os venezuelanos convivem com a maior inflação do mundo, na casa dos 1 600% ao ano. Além disso, a Venezuela foi declarada “em default seletivo”, por não honrar suas dívidas com credores internacionais. Sem perspectivas, milhares de seus cidadãos fugiram para a Colômbia e para o Brasil.
J.N.
Publicado em VEJA de 27 de dezembro de 2017, edição nº 2562