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A mais infeliz das famílias

Os Turpin passaram anos acorrentando e maltratando os treze filhos dentro de casa, em um bairro de classe média da Califórnia. Nenhum vizinho desconfiou

Por Lizia Bydlowski
Atualizado em 31 jan 2018, 15h55 - Publicado em 19 jan 2018, 06h00

As linhas inaugurais do clássico Anna Kariênina, de Liev Tolstói, estão entre as mais conhecidas da literatura universal: “Todas as famílias felizes se parecem, mas as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Infelicidade como a dos Turpin, do sul da Califórnia, é difícil de atingir. David, de 56 anos, e Louise, 49, têm treze filhos. Moravam em uma casa térrea confortável, de quatro quartos, como a de todas as outras famílias de Perris, a 100 quilômetros de Los Angeles. Na frente dela, estacionavam três carros e uma van, em bom estado. Na sua página no Facebook, postavam fotos de viagens à Disneylândia e a Las Vegas, aonde o casal foi três vezes para renovar seus votos de casamento com um oficiante vestido de Elvis Presley, acompanhado da filharada (dez meninas e três meninos), que usava roupas idênticas. No domingo 14, pela primeira vez a polícia entrou na residência dos Turpin. Descobriu que, da porta para dentro, nada era normal. O interior era escuro e malcuidado. Em um quarto imundo encontrou crianças e jovens malnutridos, famintos e sujos, três deles acorrentados a camas. O lar dos Turpin era uma prisão.

O alerta foi dado por uma filha de 17 anos que fugiu pela janela às 6 da manhã. Munida de um celular que os pais não usavam mais, desativado, mas que permite chamadas de emergência, a garota ligou para o 911. A polícia foi ao seu encontro, ouviu sua história e viu fotos que ela havia tirado. Confirmado o relato, liberou o que pareciam doze crianças pálidas e raquíticas — para surpresa geral, sete tinham mais de 18 anos; o mais velho, 29. A própria adolescente que deu o alarme, à primeira vista, “parecia não ter mais de 10 anos”, disse a polícia. Louise demonstrou surpresa com a batida policial; David não esboçou reação. Nenhum dos dois “foi capaz de dar uma explicação lógica” para o estado dos filhos. O casal foi preso, acusado de maus-tratos e tortura, sob fiança de 9 milhões de dólares. Os irmãos foram alimentados e hospitalizados.

Outros pais torturaram filhos durante anos e acabaram expostos. O austríaco Josef Fritzl encarcerou a filha Elisabeth num porão e a estuprou por 24 anos. Teve com ela sete filhos, e o caso veio à tona em 2008, quando uma das crianças adoeceu. Fritzl cumpre prisão perpétua. No ano passado, os japoneses Yasukata e Yukari Kakimoto foram presos após a morte por congelamento da filha que mantiveram trancafiada por mais de quinze anos. Ela tinha 33 anos e pesava 19 quilos. Mas nunca tantas crianças juntas foram vistas sendo torturadas por pai e mãe.

De tudo o que se descobriu sobre os Turpin — e muita coisa ainda tem de ser esclarecida —, o que mais deixou os moradores de Perris estarrecidos foi que ninguém havia notado que aquela casa não era igual às outras. Agora, alguns vizinhos do bairro de classe média dizem ter estranhado o fato de as crianças raramente aparecerem na rua ou no quintal e serem excepcionalmente pálidas e arredias. Eles haviam notado, mas não quiseram se meter na vida dos outros. David Turpin, atualmente sem trabalho, teve bons empregos, mas pediu falência pessoal duas vezes, a mais recente em 2011. “Eles pareciam pessoas normais endividadas por causa da quantidade de filhos”, descreveu seu advogado no processo, Ivan Trahan. “Eram simpáticos e falavam com orgulho das crianças.” Em 2014, Turpin registrou no seu endereço uma escola, a Sandcastle Day School, que o tinha como diretor e seis dos filhos como alunos — o que é permitido na Califórnia. O Departamento de Educação nunca fiscalizou nem as instalações nem as aulas.

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Afastados havia anos do resto da família, pai e mãe — nunca as crianças — falavam por telefone com alguns parentes. Segundo a avó Betty Turpin, que não os via fazia “quatro ou cinco anos”, ambos eram “bastante protetores” e muito religiosos. A educação era “rígida” e os filhos, todos com nomes começando com J, “de Jesus ou José”, tinham de decorar longos trechos da Bíblia. “Eu queria poder explicar como isso aconteceu”, disse Greg Fellows, porta-­voz da delegacia local, em uma coletiva. Até agora, ninguém pôde.

Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2018, edição nº 2566

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