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A farsa reformista

O pedido de pena de morte para uma mulher que participou de manifestações de rua mostra que a liberdade no reino sunita ainda é apenas uma miragem

Por Thais Navarro
Atualizado em 31 ago 2018, 07h00 - Publicado em 31 ago 2018, 07h00

Mais de 200 pessoas foram executadas na Arábia Saudita desde o início do ano passado. É um acontecimento rotineiro nesse reino governado com mão de ferro pela mesma família há mais de oitenta anos. Mas a última execução tem um traço novo. O Ministério Público saudita pediu a decapitação de Israa Ghomgham, uma jovem de 29 anos da cidade de Qatif. Se efetivamente condenada em outubro, ela será a primeira mulher a enfrentar a pena capital por protestar pacificamente no país.

Em dezembro de 2015, Israa foi presa com o marido em sua casa depois de participar de sucessivas manifestações a favor da minoria xiita e de publicar vídeos nas redes sociais. “Mesmo se ela for perdoada mais tarde, este é um sinal claro de que o príncipe Mohammed bin Salman (MBS), ao mesmo tempo que se diz reformista, continua chefiando um governo que decide quanto cada um poderá ter de liberdade”, diz o historiador americano Wayne Bowen, da Universidade Central da Flórida.

Em abril, MBS autorizou a abertura dos primeiros cinemas em 35 anos. Em junho, permitiu que as mulheres dirijam. Mas a iminência da morte da jovem saudita contrasta com a imagem de liberal e tolerante que o regente tem divulgado pelo mundo. Todas as suas concessões são limitadas e seguem razões que em nada têm a ver com direitos humanos ou igualdade de gênero. “O príncipe sabe que precisa diversificar a economia e que não pode fazer isso sem as mulheres. Além disso, ele não quer que seu país pareça parado no tempo, para que possa, assim, atrair investidores estrangeiros”, diz o libanês Bernard Haykel, da Universidade Princeton. Mas em momento algum cogitou-se mudar o sistema de tutela, em que as mulheres precisam da permissão de um homem para estudar, trabalhar ou viajar para o exterior.

Ainda que essas reformas sejam de enorme valia para as sauditas, elas estão longe de rivalizar em importância com as outras preocupações do príncipe. Da vertente sunita do islamismo, ele teme a ascensão regional do Irã, de maioria xiita. Além de Israa, quatro homens que estavam com ela nos protestos, todos xiitas, encontram-se no corredor da morte. Estima-se que 15% dos sauditas sejam xiitas. “A monarquia suspeita que eles estejam sendo influenciados pelo Irã e tenham afinidades políticas entre si”, diz a alemã Jennifer Eggert, especialista em Oriente Médio da Universidade de Warwick, na Inglaterra.

À ESPERA – Israa, que é xiita e pode ter a sentença de morte confirmada (//Divulgação)

A exemplo do que ocorre em outras ditaduras, qualquer grupo que se assemelhe a uma organização civil é cortado pela raiz. Foi o que aconteceu com algumas feministas que ganharam visibilidade nacional e internacional com o anúncio de reformas. Desde maio, treze feministas foram presas, acusadas de ser uma ameaça à segurança nacional. Elas protestaram de maneira pacífica, postaram fotos nas redes sociais e prestaram solidariedade publicamente a outras mulheres já presas. “Qualquer pessoa que tente criticar o príncipe é reprimida e detida”, diz a jordaniana Hiba Zayadin, da Human Rights Watch. Nove dessas mulheres permanecem atrás das grades. Se depender do príncipe, elas por lá continuarão.

No começo de agosto, a desproporção da repressão levou Chrystia Freeland, ministra de Relações Exteriores do Canadá, a pedir a libertação dessas presas nas redes sociais. Como resposta, MBS expulsou diplomatas e estudantes canadenses da Arábia Saudita. Ele também cancelou todos os voos para Toronto, congelou novos acordos comerciais e anunciou que todos os cidadãos sauditas em tratamento médico no Canadá serão transferidos para outros países. As mulheres sauditas podem comemorar a autorização de dirigir e ir ao cinema, mas para ter liberdade e democracia ainda falta muito.

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598

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