A crise é Trump
As desordens provocadas pelo presidente americano têm alcance global pela razão elementar de que ele preside a maior potência econômica e militar do planeta
Sob certo aspecto, é bastante saudável a lição que o presidente Donald Trump está oferecendo aos eleitores de países democráticos, que dispõem do privilégio de escolher livremente seus mandatários. Trump está lhes ensinando, sem cobrar um tostão, o risco que se corre ao eleger uma figura belicosa e desarranjada para comandar o país. Só na semana que passou, Trump produziu um tremendo tumulto dentro e fora das fronteiras americanas. Dentro: pôs em prática, apenas para revogar depois, uma política cruel de separar filhos de pais imigrantes ilegais, ferindo a bela tradição humanista dos Estados Unidos (veja a reportagem). Fora: disparou os primeiros petardos de uma guerra comercial com a China cuja repercussão já derrubou as bolsas no mundo todo.
As desordens provocadas por Trump têm alcance global pela razão elementar de que ele preside a maior potência econômica e militar do planeta. Por isso mesmo, sempre se esperou dos presidentes dos Estados Unidos, democratas ou republicanos, que fossem capazes de dosar suas decisões e medir suas palavras de modo compatível com o tamanho do país. Definitivamente, Trump não preenche esse requisito. Seu desprezo pelo impacto do que faz e diz, inclusive para os próprios EUA e aliados, é olímpico.
No caso da guerra comercial com a China, os exportadores americanos que vendem para o mercado chinês já começaram a sofrer. As ações de grandes companhias americanas, como Boeing e Caterpillar, sentiram o baque. Entre os aliados europeus, a cena se repete. A Alemanha, a terceira maior economia exportadora do mundo, já revisou suas previsões de crescimento para 2018. A França também está refazendo os cálculos, estimando uma redução no avanço do PIB. (Leia a reportagem sobre o impacto no Brasil.)
É possível que Trump esteja apenas blefando para forçar Pequim a aceitar uma redução no seu monumental superávit comercial com os Estados Unidos. Afinal, é improvável que mesmo um presidente destemperado como Trump queira levar o mundo a uma guerra comercial total, o que seria, nas palavras de Lloyd Blankfein, cabeça do Goldman Sachs, “um pacto de suicidas”. Ainda assim, Trump já deu provas de que é capaz de provocar instabilidade, insegurança e medo — em suma, tudo aquilo de que o mundo não precisa, nem os Estados Unidos. É uma lição útil.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588