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#23 O ESPAÇO: A próxima odisseia

Depois dos passos iniciais do homem no solo lunar, não houve um salto na exploração do universo. A “privatização” do cosmo inaugura uma era

Por Filipe Vilicic Atualizado em 21 set 2018, 07h00 - Publicado em 21 set 2018, 07h00
TERRITÓRIO AMERICANO - Após Armstrong e Aldrin (na foto), só dez astronautas foram à Lua — todos dos EUA (Neil Armstrong-NASA/Handout/Reuters)

“Escolhemos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas (relacionadas à exploração espacial) não porque são fáceis, mas porque são difíceis, porque esse objetivo vai servir para organizar e medir o melhor de nossas energias, porque esse desafio é algo que estamos dispostos a aceitar, que estamos indispostos a adiar e que pretendemos vencer.”

O discurso do presidente americano John Kennedy (1917-1963), proferido um ano antes de sua morte, procurava convencer a população a apoiar o projeto Apollo, da Nasa, e evidenciar o esforço dos Estados Unidos em ultrapassar a União Soviética na conquista do universo — em 1961, os soviéticos tinham colocado o primeiro astronauta em órbita. Em 1969, a Apollo 11 cumpriu o que Kennedy anunciara. “Um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”, disse Neil Armstrong (1930-2012), ao pisar o solo lunar, às 23h56 do dia 20 de julho daquele ano.

O feito trouxe a impressão de que em breve voar pelo cosmo seria tão comum quanto cruzar os céus do planeta. Não por acaso, a ambição futurística era um dos motes da propaganda de americanos e soviéticos durante a Guerra Fria. Imaginava-se que no século XXI viveríamos como no filme 2001 — Uma Odisseia no Espaço, clássico do nova-iorquino Stanley Kubrick lançado em 1968, o mesmo ano em que a primeira edição de VEJA chegou às bancas. Contudo, desde Armstrong e seu companheiro de viagem Buzz Aldrin, apenas dez homens — sim, nenhuma mulher —, todos americanos, puseram os pés na Lua; o último, em 1972. Mas, se em meio século as jornadas tripuladas nas estrelas não evoluíram, a percepção atual é que está se iniciando uma nova, digamos assim, odisseia no espaço. Isso graças à “privatização do universo”.

Os anos de estagnação ocorreram por um motivo prosaico: falta de verbas. A partir da década de 80, os governos dos EUA e da URSS, que bancavam a corrida espacial, perderam o interesse em continuar torrando dinheiro na disputa — até porque ela parecia já ter sido vencida pelos americanos. Só o programa Apollo custara mais de 25 bilhões de dólares. Em valores de hoje, 110 bilhões de dólares. “O governo americano chegou a dedicar, nos idos de 1960, mais de 4% do Orçamento para a conquista do cosmo. A porcentagem caiu para 1% uma década depois, e hoje está abaixo de 0,5%”, explica o astrofísico brasileiro Nilton Renno, professor da Universidade de Michigan e pesquisador nas recentes missões da Nasa responsáveis por enviar sondas a Marte. Atualmente, a verba é inferior a 20 bilhões de dólares.

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É nesse cenário que o setor privado começa a fazer diferença — uma autêntica novidade. A entrada para valer de empresas particulares no mercado espacial teve início nos anos 2010. Depois da aposentadoria dos ônibus espaciais americanos, com um último voo do Atlantis para a Estação Espacial Internacional (ISS) tendo sido feito em 2011, a maior parte da tarefa de explorar o trajeto entre a Terra e a Lua transferiu-se para empresas como a SpaceX, do bilionário Elon Musk, dono da fábrica de carros elétricos Tesla, e a Blue Origin, de outro bilionário, Jeff Bezos, dono da Amazon e do jornal The Washington Post.

A entrada para valer de empresas particulares no mercado espacial teve início nos anos 2010

“Nas últimas décadas, a Nasa realizou um bom trabalho enviando satélites e sondas ao espaço, porém perdeu a mão na exploração focada no ser humano. Agora contamos com a ajuda da iniciativa privada para pensar em estabelecer colônias fora da Terra”, disse a VEJA o engenheiro aeroespacial americano Robert Zubrin, autor do livro The Case for Mars (1996). Na obra, ele discorre sobre como seria possível, hoje, do ponto de vista tecnológico, colonizar o planeta vizinho. Fundador da The Mars Society, organização que visa a incentivar tal conquista, o engenheiro é otimista em relação a essa e outras possibilidades de avanço na área em que atua. “A era de ouro da aventura espacial não ocorreu no passado. Na verdade, está prestes a começar”, diz. Segundo cálculos de Zubrin, compilados em um projeto enviado à Nasa, custaria em torno de 100 bilhões de dólares estabelecer uma base humana em solo marciano. Na conta, entretanto, não se considera que os colonizadores retornariam à Terra; eles aceitariam sucumbir a um inevitável câncer que seria causado pela radiação da atmosfera de Marte. Apesar disso, astronautas de várias nacionalidades já se mostraram dispostos a se lançar nessa viagem literalmente sem volta.

“A exploração espacial fortifica a união dos povos. Para chegarmos a outros planetas, teremos de somar esforços de nações, talvez em combinação com o de empresas, pois os custos envolvidos são altíssimos. Acredito que isso irá ocorrer pois a humanidade sempre demonstrou o ímpeto de explorar”, afirma a astrofísica brasileira Duilia de Mello, vice-reitora da Universidade Católica da América, em Washington, e colaboradora da Nasa. No que depender do setor privado, tal ímpeto não será frustrado. Nos últimos anos, coube a companhias particulares iniciativas como levar equipamentos para a ISS, resultado de contratos bilionários firmados com governos de diversos países. O.k., tecnicamente, nada evoluiu. Mas as empresas conseguiram baratear aqueles voos — reutilizando foguetes inteiros, por exemplo. Com isso, a Nasa passou a se concentrar em empreitadas mais ambiciosas do ponto de vista científico, como o envio de satélites para rastrear sistemas estelares em outras galáxias e sondas exploratórias para planetas de nossas cercanias.

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Em 2011, o então presidente americano Barack Obama prometeu: “Teremos novos avanços. Vamos crescer em conhecimento, educação e inovação. E eu dei aos homens e mulheres da Nasa uma missão: quebrar novos limites na exploração, culminando no envio de americanos a Marte”. Era como se Obama ecoasse a voz de Kennedy no início da década de 60. Cinco anos depois de seu pronunciamento, e pouco antes de passar o cargo a Donald Trump, o democrata estabeleceu uma data para efetivar seu projeto: a década que começa em 2030.

Dentro dos novos planos, e a agenda está mantida, a primeira colônia humana em Marte deve ser estabelecida em 2033. Uma das incumbências dos cientistas que toparem a aventura será procurar por vida nas águas dos rios e lagos marcianos recém-descobertos. A ideia é alcançar, enfim, uma antiga aspiração humana, assim resumida pelo célebre escritor inglês Arthur C. Clarke (1917-2008), autor do livro 2001: uma Odisseia no Espaço, que inspirou o filme homônimo: “Cedo ou tarde vamos receber provas de seres vivos”. A próxima odisseia da civilização é exatamente esta: encontrar vida fora do nosso planeta, ainda que seja vida incipiente.

Com reportagem de André Lopes e Sabrina Brito

(VEJA/VEJA)

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601 

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