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Caso de pedofilia em igreja de São Paulo chega ao Vaticano

VEJA revela uma nova denúncia de abuso de menor de idade por um padre

Por Rico Almeida
Atualizado em 30 ago 2019, 08h52 - Publicado em 30 ago 2019, 07h40

Aos 17 anos, Elissandro Nazaré de Siqueira, um jovem de Manaus que tentava a vida em São Paulo, conheceu a tradicional Paróquia Nossa Senhora de Monte Serrat, frequentada por gente da Zona Oeste paulistana. A igreja era tocada por Bartolomeu da Silva Paz, um padre enérgico que imprimiu carisma à missa e deu gás às obras sociais. O caminho dos dois se cruzou em junho de 2014, quando Eli, como é chamado, trabalhava em uma lanchonete e dividia um lar turbulento com o pai, que se afundava no vício em álcool e drogas. O padre logo se prontificou a ajudar o rapaz. Disse-lhe que arcaria com o aluguel de um quartinho nos fundos do terreno de uma fiel, onde ele encontraria paz. Eli ficaria encarregado de pequenos serviços na paróquia. Oferta aceita, ele virou uma espécie de faz-tudo do padre. E assim, relata, firmou-se um laço que soava como a salvação, mas que se tornou abusivo, deixou marca indelével e bateu às portas do Vaticano.

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Criado pelos avós, sem estudo nem perspectiva, Eli tinha como ambição ser guarda-vidas e, por isso, passou a ir à piscina pública colada à paróquia. Quando o padre lhe pediu que o ensinasse a nadar, sentiu-se envaidecido. Foram de carro para uma chácara em Caucaia do Alto, a 54 quilômetros de São Paulo, um imóvel da Associação Cultural e Beneficente para o Bem Estar do Idoso, que Bartolomeu presidia. Ali, a relação começou a mudar de figura. “Quando cheguei, vi que ele tinha comprado bastante uísque e vinho. Bebemos juntos”, conta Eli a VEJA, na primeira vez em que expõe publicamente sua dor. Naquele julho de 2014, deu-se início um pesadelo que se encerraria dois anos e dois meses depois, embora siga assombrando o rapaz.

Uma vez na piscina, o padre apalpou seu peito e tentou tocar suas partes íntimas. Eli esquivou-se, resistiu. Na mesma noite, ambos beberam e, segundo o jovem, ele ficou tonto, apagou e acordou só no dia seguinte. “Sentia fortes dores no ânus, e minha cueca estava manchada de sangue”, relembra. Perguntou então ao padre o que havia acontecido, e ele devolveu a dúvida com um ponto de interrogação: “Você não lembra?”. Eli ficou imóvel, devastado, e cogitou desaparecer. Afirma ter permanecido nos domínios de Bartolomeu por um misto de dependência financeira, falta de opção e medo. Revela que o padre mantinha no armário um revólver de calibre .38, que gostava de exibir como garantia de que seria satisfeito em seus desejos. Repetia a frase: “Na minha terra, a gente resolve tudo na bala” e arrematava: “Não pise no meu calo”. Eli conta que as manhãs de segunda e sexta-feira eram reservadas para um mesmo ritual nos aposentos paroquiais. Bartolomeu exigia que ele lhe massageasse as pernas, lixasse os calcanhares e cortasse as unhas. “Tudo terminava em sexo oral”, diz. Em trocas de mensagens às quais VEJA teve acesso, de maio a junho de 2016, o padre tratava de seus impulsos sexuais (“Você está a fim de dar?”) e sempre ordenava: “Apague”.

INVESTIGADO – A defesa do padre Bartolomeu: vítima de uma “trama ardilosa” (./.)

O caso virou fofoca na sacristia, mas a redoma que o envolvia só começou mesmo a se romper quando uma namorada que Eli arranjara enquanto ainda se relacionava com Bartolomeu o incentivou a denunciá-lo. O rapaz acionou uma advogada em janeiro de 2018, e aí a história foi ganhando envergadura. A denúncia de estupro e abuso sexual logo seguiu para o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, que instaurou uma comissão de investigação prévia, como reza o direito canônico, com o objetivo de apurar se as acusações eram plausíveis. A arguição dos clérigos deixou em três testemunhas ouvidas por VEJA a impressão de que eles queriam desacreditar a versão de Eli. “A denúncia de estupro ficou em segundo plano. Eles insistiam em perguntar se eu sabia se Eli fumava maconha ou tinha roubado dinheiro da paróquia”, confidencia uma delas. Em nota, a Arquidiocese de São Paulo reforça que a comissão agiu com “seriedade e imparcialidade”.

Para acelerar o que parecia emperrado, a defesa de Eli recorreu à Justiça Trabalhista, que abriu um processo no qual o rapaz relata seu drama e pede o reconhecimento do vínculo com a paróquia e 316 000 reais. Perdeu até agora em primeira e segunda instâncias. O segundo passo da defesa foi informar a Tutela dos Menores, comissão criada no papado de Francisco como parte de um conjunto de iniciativas para combater abusos que grassaram na Igreja Católica durante séculos de vista grossa. Daí o assunto seguiu para o Vaticano. Data: 12 de outubro de 2018. Exatos três dias depois, foi a vez de a arquidiocese enviar a papelada à Santa Sé. Há quatro meses, o Vaticano devolveu o caso à alçada de dom Odilo, com a recomendação de que continuasse com as investigações. Em paralelo, o Ministério Público Criminal estadual instaurou um inquérito próprio.

A mãe, Elizete, que acompanhava o calvário do filho a distância, de Manaus, apareceu na Catedral da Sé em São Paulo, em abril deste ano, durante missa celebrada por dom Odilo. Ela agitava a faixa: “Coloco no altar a dor de ser mãe de um filho estuprado por um padre da igreja Monte Serrat”. Foi afastada à força por seguranças. Procurado por VEJA, o padre Bartolomeu, de 51 anos, não quis se pronunciar. Em um dos processos, afirma ser vítima de uma “trama ardilosa” e diz ter sofrido chantagem do rapaz. Removido da Paróquia Monte Serrat quando o escândalo veio à tona, ele foi visto semanas depois exercendo o sacerdócio na igreja de Santa Cecília, no Centro, até ser afastado por pelo menos um ano de suas funções. Retornou à cidade natal, Limoeiro, em Pernambuco. Falam por lá que pode acabar se candidatando à prefeitura. Hoje com 23 anos e acolhido na casa de um fiel da igreja, Eli desenvolveu síndrome do pânico e mal consegue sair da cama.

Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650

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