Na terça-feira 30, o advogado Frederick Wassef, defensor da família Bolsonaro, esteve na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Sem máscara e carregando uma enorme pilha de papéis, ele logo foi reconhecido. Um homem pediu para tirar uma selfie, ele atendeu e, depois de se identificar na portaria, subiu até o 2º andar, onde funciona a Delegacia de Combate ao Crime Organizado. O advogado havia sido intimado a prestar depoimento na condição de vítima no inquérito que apura uma suposta ação ilegal do Coaf, o órgão federal de combate à lavagem de dinheiro. No ano passado, Wassef foi alvo de um relatório de inteligência apontando uma série de transações financeiras consideradas atípicas realizadas a partir de uma conta bancária vinculada ao seu escritório. De acordo com o advogado, o documento foi produzido de maneira clandestina, sem nenhum respaldo jurídico e com o objetivo de atingir, mesmo de forma indireta, o presidente da República. São suspeitas muito graves.
VEJA teve acesso à íntegra do depoimento. Em quatro horas de interrogatório, o advogado do presidente da República disse que o Coaf é comandado por uma “organização criminosa” e funciona como um “verdadeiro centro de espionagem”. Ao explicar essas afirmações, faz acusações de uma gravidade ainda maior. Segundo ele, os técnicos do órgão estariam vasculhando ilegalmente dados financeiros de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). “O Coaf vem agindo como órgão de investigação e espionagem contra o Poder Judiciário”, afirmou, sem, no entanto, apresentar provas. Essas investigações clandestinas, contou em conversas reservadas, teriam começado durante a Operação Lava-Jato, tornaram-se sistemáticas e passaram a mirar alvos definidos, especialmente os integrantes da família Bolsonaro.
O advogado já confidenciou a pessoas próximas ter absoluta convicção de que o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro estaria por trás da atuação do Coaf, mesmo depois de ter deixado o governo. Essa suspeita, inclusive, já foi levada ao conhecimento do presidente Bolsonaro. Moro, de acordo com Wassef, teria até hoje aliados dentro do Coaf cuja missão seria vazar dados e produzir relatórios com potencial de criar constrangimentos tanto à família presidencial como a adversários da Lava-Jato. O documento que deu origem à investigação mostra que o advogado teria movimentado 42 milhões de reais entre 2015 e 2020. Algumas dessas operações foram destacadas, classificadas como atípicas e encaminhadas ao Ministério Público e à Polícia Federal. “Jamais existiu qualquer movimentação atípica ou suspeita”, disse o advogado, que apresentou os extratos de suas contas bancárias ao inquérito e recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) questionando a legitimidade da ação do Coaf. A corte acolheu o pedido — e, numa reviravolta, ordenou à PF que suspendesse a investigação contra o advogado e passasse a investigar a atuação dos técnicos.
Essa troca de acusações é um desdobramento de um caso que começou há mais de dois anos, quando o Coaf enviou ao Ministério Público do Rio de Janeiro um relatório mostrando uma série de transações atípicas nas contas de servidores do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Com base nesse documento, os promotores puxaram o fio do novelo que levou à conclusão de que seus funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) devolviam ao parlamentar parte de seus salários, esquema conhecido como rachadinha. O filho do presidente foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. O processo, por enquanto, está parado aguardando uma decisão do STF sobre o foro adequado da investigação.
Flávio e Wassef não estão sós em relação às suspeitas sobre a atuação do Coaf. No início de março, o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), enviou um ofício à Receita Federal solicitando detalhes de eventuais investigações de políticos realizadas conjuntamente pelo Fisco e o Coaf. O órgão entrou na mira de autoridades em Brasília à medida que expandiu a sua base de dados, que hoje reúne mais de 26 milhões de comunicações de operações atípicas ou suspeitas. Muitos desses alertas já levaram o Ministério Público e a Polícia Federal a identificar esquemas de lavagem de dinheiro, desmascarar corruptos, prender traficantes e até desmantelar células terroristas. Agora, o Coaf passou de investigador a investigado.
Publicado em VEJA de 7 de abril de 2021, edição nº 2732