A campanha do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) converteu o prosaico WhatsApp em ferramenta central de mobilização de eleitores e divulgação de ideias do candidato e críticas a adversários. O aplicativo de mensagens foi um dos – se não o principal – responsáveis pela tração à candidatura do deputado, que largou na disputa presidencial sem estrutura de campanha e partidária e é, a dois dias do segundo turno, o favorito para ser o próximo ocupante do Palácio do Planalto, como apontam pesquisas eleitorais Ibope e Datafolha.
Para o professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado, que tem entre seus objetos de pesquisa o WhatsApp, redes sociais e notícias falsas, o protagonismo do aplicativo na campanha de Bolsonaro será estudado por políticos do mundo todo e tende a ser reproduzido em disputas em outros países.
“O WhatsApp já tinha sido marginalmente importante em outras eleições, como na do México em julho, mas não estruturalmente. O fato de uma das campanhas estruturar toda sua estratégia em torno do WhatsApp é novo. Ninguém estava preparado para esse fenômeno. A campanha brasileira seguramente vai ser estudada no mundo todo e muita gente vai querer copiar a estratégia do Bolsonaro, sobretudo na América Latina”, diz Ortellado.
O empenho em bombardear com mensagens os grupos do “Zap” esteve para a campanha bolsonarista assim como a dedicação na busca por acumular o maior tempo de televisão possível esteve para a de Geraldo Alckmin (PSDB), que se aliou aos partidos do chamado Centrão para se tornar dono de cinco minutos diários no horário eleitoral no primeiro turno.
O senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidenciável, já disse participar de “milhares de grupos” no aplicativo de mensagens. Sua conta no WhatsApp chegou a ficar suspensa durante três dias por “comportamento spam”. Seu irmão Eduardo Bolsonaro, deputado mais bem votado da história do país, com 1,8 milhão de votos em São Paulo, integra quase 1.000 grupos.
Senador mais votado em São Paulo, com 9 milhões de votos, o deputado Major Olímpio (PSL) participava de 897 grupos no aplicativo no início da campanha e a terminou dentro de “mais de 1.000”, como contou em entrevista a VEJA. “Ele [Bolsonaro] ensinou que temos de responder aos grupos de WhatsApp e divulgar notícias para nos enaltecer ou nos defender”, relatou o pesselista.
Sinal dos novos tempos, Alckmin, senhor de um latifúndio na propaganda eleitoral, recebeu 5 milhões de votos, cerca de 10% dos 49,2 milhões de votos no capitão reformado do Exército, que passou ao segundo turno contra o petista Fernando Haddad.
O lado escuro
Potente instrumento de mobilização, o WhatsApp também é campo fértil para a disseminação de notícias falsas. Apesar de medidas como limitar a 20 o número de pessoas ou grupos aos quais a mesma mensagem poderia ser enviada e a indicação de conteúdo encaminhado, 51% dos eleitores reconhecem ter recebido fake news por meio do aplicativo e 13% admitem ter passado à frente conteúdos mentirosos, segundo pesquisa feita pelo Ideia Big Data a pedido de VEJA.
O uso obscuro do WhatsApp também é atribuído a apoiadores de Jair Bolsonaro. O jornal Folha de S. Paulo revelou que empresários bolsonaristas pagavam até 12 milhões de reais por disparos massivos de conteúdo contra o PT e Haddad. A pedido do partido, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) para apurar se houve abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
“O WhatsApp deveria ter restringido as suas funções de transmissão e reencaminhamento, essa capacidade de pegar uma mesma mensagem e mandar várias vezes. Sugerimos reduzir para cinco, que é o padrão utilizado na Índia, acabar com a transmissão e limitar o tamanho de novos grupos”, afirma Ortellado, um dos signatários de um artigo publicado no jornal The New York Times que cobra do aplicativo de mensagens medidas para conter o “alarmante nível de desinformação no processo eleitoral”.