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Toffoli fez intervenção necessária em espinhoso tema fiscal

Se tudo que depende de autorização judicial puder ser feito administrativamente por órgãos como o Coaf, o direito ao sigilo bancário se tornará letra morta

Por Armando S. Mesquita Neto
Atualizado em 19 jul 2019, 14h04 - Publicado em 19 jul 2019, 13h02
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  • O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, com base em pedido formulado pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), determinou monocraticamente a suspensão da investigação que tramita em seu desfavor. Na ótica do ministro, o pedido possui fundamentação em dados bancários e fiscais do contribuinte obtidos pelo Fisco e compartilhados com o Ministério Público para fins penais, sem a devida autorização do Poder Judiciário.

    Além disso, por entender que os fundamentos de sua decisão transbordam os limites do caso envolvendo o filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, e por força do instituto da Repercussão Geral, ele estendeu os efeitos de sua decisão para todos os demais procedimentos atualmente em trâmite no país, sejam eles ações penais, inquéritos policiais ou procedimentos internos criminais do Ministério Público, conhecidos como PICs.

    Com isso, na prática, todas as investigações criminais que utilizem dados detalhados de órgãos de controle como, por exemplo, Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), Receita Federal e Banco Central, sem a devida autorização judicial, deverão ser paralisadas até 21 de novembro deste ano.

    A data em questão não é aleatória. É o dia para o qual está pautado o julgamento, perante o plenário da Suprema Corte nacional, do Tema 990 de Repercussão Geral, que trata exatamente dos limites de atuação investigativa dos mencionados órgãos de controle.

    Em julgamentos ocorridos no plenário, têm direito a voto todos os onze ministros que compõem o colegiado máximo da estrutura judiciária do país. É importante salientar ainda que apenas algumas matérias, de maior sensibilidade, é que são apreciadas por todos os integrantes da Corte.

    Neste espectro é que se enquadram os temas de repercussão geral. São aqueles que apresentam relevância social, política, econômica ou jurídica que transcendam os interesses subjetivos da causa – exatamente o que ocorreu no caso envolvendo Flávio Bolsonaro. Dias Toffoli conferiu efeito erga omnes a sua decisão por entender que suplantava os meros interesses das partes. Em Direito, o termo erga omnes, emprestado do latim, tem o significado de “para todos” e, portanto, a decisão do ministro produz efeito para todos aos quais se aplica.

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    Especificamente no que pertine ao Tema 990 de Repercussão Geral, é importante anotar que ele não é recente e muito menos teve início com o pedido formulado pelo filho do presidente da República. Data, na verdade, do ano de 2017, ocasião que o ministro Marco Aurélio Mello erigiu a questão relativa aos limites de atuação investigativa dos órgãos de controle a esse patamar, em sede do Recurso Extraordinário nº 1.055.941.

    Esse registro é importante para assentar que a decisão do ministro Dias Toffoli não é casuística, mas sim embasada em uma extensa discussão travada entre acusação e defesa na seara processual há mais de duas décadas – em verdade, pelo menos desde a criação do Coaf, em 1998.

    Nesse ponto, reputa-se acertada a (ainda que tardia) intervenção do STF a fim de suspender o andamento de todos os procedimentos em trâmite até que a Corte uniformize o seu entendimento acerca das limitações que devem ser observadas pelos órgãos de controle financeiro do Estado no campo das investigações criminais.

    Para além das questões legais, o afastamento da necessidade da autorização judicial para a quebra do sigilo bancário e fiscal do cidadão gera um cenário de ampla insegurança jurídica

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    Isto porque é evidente que, com maior ou menor extensão, algumas limitações deverão ser impostas à atuação dos referidos órgão de controle. Importante frisar que as funções originárias destes órgãos dizem respeito à aferição de transações financeiras suspeitas e não lhes cabe a investigação individualizada de um determinado CPF ou CNPJ.

    Se assim não fosse, não mais seria necessária a autorização judicial para nenhuma quebra de sigilo. Em outras palavras, se tudo aquilo que depende de autorização judicial para ser efetivado no instituto da quebra de sigilo financeiro puder ser efetivado administrativamente por meio do Coaf e afins, far-se-á letra morta da Constituição da República, que assegura o sigilo bancário de todos os cidadãos em seu artigo 5º, inciso X, ao tratar da intimidade e da vida privada.

    Ocorre que, para além das questões legais, o afastamento da necessidade da autorização judicial para a quebra do sigilo bancário e fiscal do cidadão gera um cenário de ampla insegurança jurídica, visto que não mais haverá um responsável pela relativização dos direitos individuais. Isso, na prática, permitirá um fluxo incontrolável de informações dessa natureza.

    Para tanto, vale recordar o caso do caseiro Francenildo, que teve suas informações bancárias devassadas e amplamente divulgadas, com a finalidade de lhe desacreditar o depoimento prestado na origem do caso mensalão.

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    Outro aspecto que não pode ser ignorado é que o crivo judicial para a obtenção das informações em comento garante à parte que teve seu sigilo quebrado o acesso aos documentos que foram produzidos, o que fatalmente não irá ocorrer se o procedimento for realizado às escondidas, em comunicações diretas e secretas entre órgãos de fiscalização do Estado e aqueles que compõem o braço acusatório do próprio Estado, o Ministério Público Federal. Este acesso é garantido pelo STF por meio da Súmula Vinculante 14, editada pela Corte.

    E mais, o alijamento do Poder Judiciário caracterizaria, inclusive, um grave golpe no sistema de freios e contrapesos efetivado pela tripartição dos poderes.

    Não bastasse isso, além dos evidentes prejuízos difusos já expostos, há ainda um manifesto desequilíbrio na esfera processual, ao passo que a defesa técnica só poderá exercer amplamente a sua função se estiver em pé de igualdade com o órgão acusatório, o que ocorrerá apenas se todas as partes dispuserem dos documentos pertinentes ao processo.

    Seguindo o raciocínio, esse equilíbrio processual, ao qual se dá o nome de paridade de armas, deverá ser garantido exclusivamente pelo juiz da causa. Ele, por sua vez, somente poderá cumprir sua missão constitucional de promover um devido processo legal se tiver conhecimento de todos os elementos de prova produzidos durante a persecução penal.

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    Portanto, diante de todos os aspectos que foram levantados no decorrer do presente texto, é importante exaltar a decisão do ministro Dias Toffoli, que serve como um marco de intervenção em um tema tão espinhoso e que há tempos tinha a análise postergada pelas mais altas instâncias jurídicas pátrias.

    Cabe agora ao plenário do Supremo Tribunal Federal, frente à ‘Maracanalização’ das decisões judiciais – que vêm sendo cada vez mais interpretadas sob o aspecto político –, analisar o tema com serenidade e salvaguardar apenas aos magistrados a competência para a adoção de decisões que possuem o condão de relativizar direitos individuais, a fim de manter hígido o texto constitucional.

    Armando S. Mesquita Neto é advogado criminalista e sócio da Leite, Tosto e Barros Advogados

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