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Títulos de guerra

A quantidade de políticos ostentando-se como representantes de categorias armadas no Legislativo engrossa a já vistosa presença militar no Executivo

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 1 jul 2019, 17h17 - Publicado em 28 jun 2019, 07h00

Cabo Junio Amaral, Capitão Wagner, Capitão Augusto, Major Vitor Hugo, Coronel Tadeu, Coronel Chrisóstomo… A lista é longa. Não é que o Brasil tenha declarado guerra a um vizinho e essa seria a chamada dos convocados para a nobre missão. A lista é de deputados federais da Câmara e prossegue com Sargento Fahur, Subtenente Gonzaga, Capitão Alberto Neto, Capitão Fábio Abreu, Major Fabiana, Coronel Armando. Somados os militares e os policiais, temos dezenove deputados que se elegeram para a atual legislatura ostentando a patente ou o título na Polícia Civil. Há o time dos delegados: Delegado Antônio Furtado, Delegado Éder Mauro, Delegado Marcelo Freitas, Delegado Pablo, Delegado Waldir. Há a Policial Katia Sastre. E há a apoteose do Pastor Sargento Isidório, que casa o título militar ao religioso, e assim soma as duas atividades de maior prestígio no planeta bolsonarista.

Nessa conta só entram os deputados que se elegeram, e exercem o mandato, com o título acoplado ao nome. Pode haver na Câmara militares e policiais que não o ostentam. O próprio Bolsonaro não se apresentava como “Capitão Bolsonaro”, assim como, no passado, Getúlio Vargas não se inscreveu em listas eleitorais com o título de sargento a que fez jus em sua breve carreira militar, nem Juarez Távora ou Juracy Magalhães se inscreveram como generais. Os que se identificam como militares e policiais superam de longe os que se identificam como doutores/doutoras (oito), professores/professoras (sete) e pastores (cinco). Os identificados como pastores são menos do que se esperaria, mas é significativo que, contra os cinco, só exista um que se identifique como padre — Padre João, do PT de Minas. Outrora houve Padre Godinho, Padre Nobre, Padre Calazans — sem falar no Padre Feijó. O recuo católico e o avanço evangélico na vida parlamentar constituem outro fator que ganhou impulso com os ares bolsonaristas.

Entre os deputados federais eleitos em 2014, doze apresentavam-se como militares ou policiais. Já era um número expressivo. E entre os eleitos em 2010 eram menos da metade — cinco. Atente-se para as datas e se terá uma pista sobre as razões do impulso nesse tipo de candidato em 2014. A eleição de 2014 foi a primeira depois das manifestações de 2013, que tanto desafiaram os intérpretes, em sua fúria contra tudo e contra todos, mas cada vez mais se afigura como o ponto zero do fenômeno bolsonarista. 2013 foi contra “tudo o que está aí”, mas quem estava aí era, sobretudo, o PT, e na luta contra o PT o namoro com os fardados já se manifestava em embrião.

A Câmara tem hoje dezenove deputados ostentando no nome sua patente militar ou policial

Entre os militares e policiais da atual Câmara dos Deputados vence, sem surpresa, o PSL, partido de Bolsonaro — eles são dez, dos dezenove. Somente um é filiado a partido de esquerda — Subtenente Gonzaga, do PDT mineiro; os demais pertencem à geleia geral apelidada de “centrão”. No Senado os que se apresentam como militares ou policiais são apenas três — Capitão Styvenson, Major Olimpio e Delegado Alessandro Vieira. Na Assembleia Legislativa paulista, em compensação, a soma dos que se designam como tais perfaz dez dos 94 deputados — 10%, porcentagem maior do que na Câmara Federal. Na Assembleia mineira eles são cinco e, na fluminense, quatro.

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A considerável quantidade de políticos ostentando-se como representantes de categorias armadas engrossa, do lado do Legislativo, a já vistosa presença militar no Executivo, em tempos de Bolsonaro. Aos generais Mourão, Augusto Heleno, Ramos e Rêgo Barros, num lado da Praça dos Três Poderes, correspondem no outro lado Major Vitor Hugo, o líder do governo na Câmara, e Major Olimpio, campeão de votos no Senado (9 milhões). Fica faltando um ministro no Supremo, mas assessor de ministro já há; o presidente da Casa, Dias Toffoli, teve em seu gabinete o general Fernando Azevedo e Silva, e, quando este saiu para assumir o Ministério da Defesa, substituiu-o pelo general Ajax Porto Pinheiro. O panorama no centro do poder mostra a mancha bolsonarista expandindo-se pelo Estado brasileiro.

Apresentar-se com o título militar ou policial não é um ato inocente. É propaganda enganosa, em primeiro lugar. Ilude o eleitor ao chamar atenção para uma função que não mais é exercida pelo candidato. Em segundo lugar, e mais importante, ameaça simbolicamente essa característica fundadora da democracia que é a predominância do poder civil. A arte da política, base da democracia, foi inventada para dirimir conflitos de outra forma que não a armada. Desrespeita a democracia, e promove a deseducação cívica, quem entra na arena política brandindo títulos de guerra.

Publicado em VEJA de 3 de julho de 2019, edição nº 2641

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