As divergências entre os vários presidenciáveis de centro que compõem o autointitulado Polo Democrático e as consequentes dificuldades para construir uma candidatura que faça frente a Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva devolveram protagonismo a dois velhos personagens da política, que vêm se dedicando, de forma discreta, a encontrar um caminho do meio. Um deles é o ex-presidente Michel Temer (MDB), que embarcou na construção de um programa de governo para subsidiar uma terceira via na disputa pela Presidência em 2022. Outro é o ex-ministro Gilberto Kassab (PSD), que tem atuado para expandir e fortificar os palanques nos estados com o objetivo de criar um cenário propício para lançar uma candidatura do seu partido ao Palácio do Planalto. Em comum, eles têm demonstrado disposição para fugir do embate entre o bolsonarismo e o lulismo. Ao menos por enquanto.
Temer vive uma espécie de ressurreição política após ser inocentado das acusações de corrupção envolvendo esquemas no Porto de Santos e na Petrobras, além da anulação de decisões em outros processos no Rio. Sem problemas imediatos na Justiça, o ex-presidente reuniu um time de especialistas de várias áreas para propor soluções ao país. A segunda versão do Uma Ponte para o Futuro, o documento de reformas que apresentou antes do impeachment de Dilma Rousseff, terá como motes o combate às desigualdades sociais e a melhora da gestão pública. Entre os nomes procurados por Temer estão Nelson Teich (saúde), Rubens Barbosa (relações exteriores) e Delfim Netto (economia). A redação final será do ex-ministro Moreira Franco, dono de enorme prestígio junto ao ex-presidente. O plano será apresentado ao candidato que se mostrar mais aberto ao conteúdo. No MDB, embora haja um grupo pequeno que defende a candidatura de Temer, o próprio não se mostra disposto a entrar na disputa. Aos 80 anos, tem dito que gostaria de ser um articulador na política e um “garoto-propaganda” no exterior, liderando uma ação para recuperar o prestígio do Brasil entre chefes de Estado e investidores.
A estratégia de Kassab é outra: em vez de articular com um programa em mãos, ele aposta na montagem de palanques que podem dar mais musculatura à pretensão nacional do seu PSD. Até aqui mantém uma agenda intensa de viagens para filiar quadros e construir alianças para a eleição de governadores e, com isso, colocar a sigla como a única com capilaridade para abrigar um projeto de terceira via. Um golaço foi trazer para a legenda o atual prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, potencial candidato ao governo de Minas no ano que vem. Para o plano nacional, o político ideal — de acordo com Kassab — é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM. Pessoas familiarizadas com as conversas, porém, dizem que o senador não demonstra muita disposição com a ideia e que, por ora, Kassab não tem nenhum plano B.
Políticos habilidosos, Temer e Kassab conduzem suas articulações no fio da navalha. Embora MDB e PSD não tivessem representantes entre os presidenciáveis que assinaram o manifesto do Polo Democrático — João Doria (PSDB), Eduardo Leite (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Luciano Huck (sem partido) e João Amoêdo (Novo) —, os dois partidos podem compor com algum deles. Por outro lado, as duas legendas estão na mira de Lula e de Bolsonaro — ambas já integraram gestões petistas e têm representantes no atual governo. A entrada mais incisiva de Temer no cenário eleitoral ocorre no momento em que Lula avança sobre antigas lideranças do MDB, como o ex-presidente José Sarney. Enquanto vê um pedaço do partido flertar com o petista, Temer também não fecha as portas a Bolsonaro, mas exige que o presidente se comprometa a mudar os rumos de seu governo.
Kassab, por sua vez, esteve recentemente com Lula, em Brasília, e se mostrou preocupado com a radicalização nas eleições. Se um nome de centro não decolar, o ex-ministro poderá decretar a neutralidade do PSD na disputa. Quem conhece o estilo de Kassab, no entanto, não descarta nenhuma hipótese. Ex-presidente do Banco Central na gestão Lula e secretário da Fazenda de São Paulo, Henrique Meirelles, do PSD, tem dito a pessoas próximas que o petista fez sondagens para tê-lo como vice. Esse jogo eleitoral está apenas começando, mas os movimentos nos bastidores de Temer e Kassab têm ao menos duas consequências imediatas: abrem uma nova possibilidade ao centro e dificultam a cooptação de duas grandes legendas pelos extremos — ambas importantes neste ensaio para a batalha de 2022.
Com reportagem de Victor Irajá
Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740