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Temer: Bolsonaro vai bem na economia porque dá prosseguimento ao que fiz

Distante do Palácio do Planalto há onze meses, o ex-presidente se diz feliz com a manutenção de suas políticas para a área econômica por seu sucessor

Apresentado por Atualizado em 8 nov 2019, 10h12 - Publicado em 8 nov 2019, 06h00

As tardes plácidas do escritório de advocacia que o ex-presidente da República Michel Temer mantém em São Paulo ganharam súbita animação nas últimas semanas. O primeiro motivo foi a aprovação da reforma da Previdência, projeto que Temer afirma ter sido inspirado em outro, o dele próprio e de sua equipe. Do mesmo modo, a divulgação do recente pacote de medidas do ministro Paulo Guedes, levado ao Senado na última terça, 5, provocou outro surto de entusiasmo. O ex-presidente o qualifica como “prosseguimento” do programa Ponte para o Futuro, criado por sua gestão para estimular o desenvolvimento econômico. Aos 79 anos, Temer, nesta entrevista a VEJA, se diz reaclimatado à vida longe do poder e, mesmo sem disfarçar a indignação por ter sido preso duas vezes, não esconde o orgulho por sua curta passagem pela Presidência. “Se a economia começa a se recuperar, isso se dá em face das reformas que iniciamos lá atrás.”

Na última terça-feira, 5, tivemos o anúncio de parte das medidas que o ministro Paulo Guedes espera pôr em debate na agenda econômica. Como avaliou o pacote? A agenda reformista dá prosseguimento às diretrizes que listamos em nosso programa Ponte para o Futuro. As medidas de Guedes são úteis, mas há pontos complexos ali. Um dos mais polêmicos é a extinção dos municípios com menos de 5 000 habitantes e que não conseguem fechar suas contas. Não será fácil, e o presidente terá de trabalhar forte no Congresso Nacional para conseguir aprovar isso.

O senhor acha que o presidente Jair Bolsonaro vem realizando um bom governo? É preciso mais tempo para fazer uma avaliação mais apurada. Mas acho que ele vai bem, porque dá prosseguimento ao que fiz. A Previdência, por exemplo, é a continuidade do meu trabalho. Há um mal político no Brasil de destruir tudo o que o governo anterior fez quando uma nova gestão toma posse.

Recentemente, o presidente reagiu com indignação às notícias que ligaram o nome dele aos assassinos da vereadora Marielle Franco em um vídeo divulgado na internet. O que achou dessa resposta? Acho que ele falou com o coração, extremamente ofendido. Faço um registro como alguém da área jurídica: os inquéritos, por determinação do Código de Processo Penal, são necessariamente sigilosos — em favor não dos investigados, mas da própria investigação. Acho que a fala do presidente Bolsonaro traz uma indignação muito sincera. Mas a gente sabe como é o noticiário. Quando surge uma notícia dizendo que há uma desconfiança, o que fica para o grande público é a manchete, apesar de ele não estar no local no dia relatado.

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“O ex-presidente Lula tem uma liderança inegável, tem prestígio. Sua prisão aumentou esse sentimento entre seus apoiadores, que passaram a tratá-lo como uma vítima”

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendeu “um novo AI-5 caso a esquerda radicalize”. Na condição de ex-presidente e constitucionalista, como recebeu essa declaração do filho do presidente da República? Foi uma infelicidade da parte dele, por ele mesmo detectada, tanto que se desculpou. A reação da sociedade à fala, inclusive do presidente Jair Bolsonaro, revela a estabilidade das instituições. Não há sequer possibilidade de relembrarmos esse fato de nossa história.

Enquanto os resultados econômicos vão aparecendo, com a bolsa batendo recordes, a expectativa de melhora do PIB, os juros baixos, o presidente ensaia a saída do PSL, e a disputa dentro do partido se acirra. Os problemas políticos não podem prejudicar a economia justamente num momento em que começam a surgir sinais de recuperação? O diálogo é fundamental, principalmente do Executivo com o Congresso e a sociedade como um todo. A Presidência oferece a quem a ocupa um período de grande aprendizado. O que é preciso é o ajustamento político. O presidente tem duras críticas ao PSL, e o cargo envolve muito poder. Verifico que ele vem chamando deputados e senadores para conversar. A economia vai bem em face das reformas que iniciamos lá atrás.

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Passados onze meses do fim de seu mandato, o senhor sente falta do poder? Não. O fato de ter exercido a Presidência da República depois de passar por muitos outros cargos públicos me deixa pessoalmente enobrecido. Até porque, penso eu, com a modéstia de lado, fiz um governo útil ao país, embora curto. Na saída, é preciso se reaclimatar. E, nesse processo, pude conviver mais com minha família e retomar amizades antigas.

O que deu errado com sua proposta de reforma da Previdência se, como o senhor diz, ela era muito próxima da que foi apresentada e aprovada pelo governo atual? No meu caso, os mais privilegiados com o antigo modelo conseguiram vender a ideia de que aquela era uma reforma que propunha tirar dos pobres, quando na verdade era o inverso. Ainda assim, houve um momento em que contávamos 326 votos favoráveis na Câmara e iríamos colocá-la na pauta em maio. Foi quando saiu a tal gravação vazada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O senhor acredita então que houve uma ligação direta entre a divulgação do áudio e a derrota de seu projeto de reforma? Uma das intenções de Janot era evitar a aprovação. Acabamos perdendo dois anos com isso. Veja o prejuízo que se causou ao país. Além disso, o procurador tentava desmoralizar os nomes cotados para suceder-lhe na Procuradoria-Geral da República, e me incentivava a escolher alguém fora da lista tríplice — no caso, ele mesmo. Eu lhe disse: “Faça força para entrar na lista, e posso até nomeá-lo”.

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Janot apresentou duas denúncias contra o senhor. Houve absolvição em uma delas, mas o Ministério Público Federal recorreu. Por quê? O MPF fez aquilo que acredita ser o seu dever porque ficou a ideia daquele Michel Temer falso, que o ex-procurador Janot conseguiu divulgar. Examinando-se a sentença, verificam-se as barbaridades jurídicas que o MPF cometeu sob seu comando. Está evidenciada a armação da gravação com frases falsas. Sobre o “tem que manter isso”, a frase sucedeu à declaração de que o (Joesley) Batista estaria de bem com o deputado (Eduardo Cunha). O procurador-geral da República tem de ser uma figura exemplar. E o próprio Janot declarou que se armou para assassinar um ministro do Supremo. Isso é péssimo. Acredito que, se suas emoções o levaram a fazer tal coisa, as denúncias que ele apresentou contra mim também foram pautadas por esse sentimento passional.

O senhor teve duas prisões preventivas decretadas pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava-Jato no Rio. Como classifica esses episódios? Fui tão agredido sob o ângulo moral que quero fazer considerações — o que não deveria, já que o processo está em curso. Tenho currículo, não ficha corrida. Não houve respeito ao rito processual. Com todas as vênias, houve um excesso sobre o qual eu só me atrevo a comentar em face da desmoralização inadequada que esse gesto provocou. Tanto que o Superior Tribunal de Justiça acabou derrubando a decisão por unanimidade. Quando um processo desce do STF para a primeira instância, o que aconteceu quando deixei a Presidência da República, o rito exige que se complete a investigação para que o MPF decida se oferece denúncia. Se oferecer, caberá ao juiz recebê-la ou não, além de mandar ouvir o acusado. O que aconteceu nesse caso: os autos baixaram do Supremo para o tribunal do Rio, e não houve nada disso.

Como o senhor encara o frenesi que se formou em torno do julgamento pelo STF da prisão após condenação em segunda instância, principalmente no que diz respeito ao caso do ex-­presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Não podemos tomar uma questão jurídica e fulanizá-la, o que aconteceu de forma explícita nesse caso. Foi um equívoco trazer a figura do Lula para o centro dessa discussão.

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Como o senhor avalia a figura de Lula no cenário político atual? Ele tem uma liderança inegável, tem prestígio. Sua prisão aumentou esse sentimento entre seus apoiadores, que passaram a tratá-lo como uma vítima.

“A reação de Bolsonaro no caso Marielle traz uma indignação sincera. Mas a gente sabe como é o noticiário. Quando surge uma notícia, o que fica para o grande público é a manchete”

Em que medida seu governo foi afetado por essas circunstâncias? Sofri uma oposição ferocíssima por causa do impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff. E isso se refletiu, por exemplo, na tramitação da reforma da Previdência. A oposição serviu-se do apelo popular da matéria para combatê-la acidamente. A resistência ao projeto de reforma ficou, digamos, mais suave e, agora, para o governo Bolsonaro, já havíamos asfaltado o terreno.

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O ministro Edson Fachin negou, na terça-feira 5, o pedido da Polícia Federal para prender a ex-presidente Dilma Rousseff por uma suposta compra de apoio político do MDB nas eleições de 2018. Como o senhor avalia tal decisão? Houve prudência por parte do Judiciário. Se há dúvidas com relação aos investigados, que se investigue.

O senhor articulou para o impeachment da ex-presidente? Costumo brincar que o vice é sempre o primeiro suspeito. Quando começaram as discussões sobre o impedimento na Câmara, vim a São Paulo para evitar esse tipo de concepção e só voltei a Brasília quando se votaria o afastamento temporário da senhora presidente da República. Não participei minimamente do impeachment. Quando assumi, começaram a me chamar de golpista, o que não é verdade.

Atribui-se o fracasso eleitoral do PT e da esquerda ao fato de terem se apegado unicamente ao discurso de que houve um golpe contra Dilma e de que a prisão de Lula foi injusta. O senhor concorda? Sou contra rotulações. O eleitor espera resultados, tanto que ora põe Lula no governo, ora Bolsonaro. É preciso pacificar o país. Essa coisa do nós contra eles não é útil. É importante que haja oposição, para ajustar os ponteiros do governo, mas existem dois momentos: o eleitoral e o administrativo. Há ocasiões em que as votações no Parlamento não são bandeiras desse ou daquele governo, mas questão de Estado.

Publicado em VEJA de 13 de novembro de 2019, edição nº 2660

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