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Tarcísio enfrenta teste de fogo com problemas na escalação do governo

Pouco experiente no jogo político, o governador eleito já descontenta policiais, bolsonaristas e antigos donos do poder em São Paulo

Por Reynaldo Turollo Jr. 18 dez 2022, 08h00

Estreante em um cargo eletivo e novato em São Paulo, o maior e o mais importante colégio eleitoral do país — ele nasceu no Rio de Janeiro e vivia em Brasília —, o ex-titular da Infraestrutura da gestão Jair Bolsonaro e governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos) começa a vivenciar as agruras de, com pouca experiência no jogo político, ter de montar um governo prometido aos eleitores como de renovação em um reduto administrado por trinta anos pelo mesmo partido, o PSDB, e onde as forças políticas estão bem consolidadas. Os primeiros passos resultaram em alguns tropeços, disparando o alerta de que o “batismo” do ex-ministro não será fácil.

A maior e a mais preocupante derrapada, por ora, se dá em uma das áreas mais sensíveis. Antes de assumir o mandato, ele já enfrenta um início de crise gerado pela escolha de seu secretário da Segurança Pública. O nome anunciado para a missão de reduzir a criminalidade é o do deputado federal Guilherme Muraro Derrite, conhecido como Capitão Derrite (PL-SP), um oficial da reserva da Polícia Militar que, embora tenha chefiado um pelotão da Rota (uma tropa de elite), de 2010 a 2013, jamais administrou uma unidade com efetivo, viaturas, equipamentos e sede, como uma companhia da PM.

RESISTÊNCIAS - Derrite: o futuro secretário da Segurança Pública é alvo de críticas nas duas polícias -
RESISTÊNCIAS - Derrite: o futuro secretário da Segurança Pública é alvo de críticas nas duas polícias – (André Ribeiro/Futura Press)

A escolha de Derrite teve um cálculo político de Tarcísio: agradar ao bolsonarismo, uma corrente forte em São Paulo e que lhe deu o triunfo nas urnas. A indicação, aliás, foi apadrinhada pelo filho Zero Três do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Derrite conseguiu o seu primeiro mandato na Câmara em 2018, na onda conservadora que elegeu Jair Bolsonaro, e mantém um perfil bem ao gosto da militância. Midiático, coleciona declarações polêmicas sobre a pauta de costumes, já minimizou homicídios praticados por policiais e espalhou suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral e a facada desferida por Adélio Bispo contra o presidente.

A resistência ao futuro secretário, no entanto, tem sido forte dentro das polícias, sobretudo na Civil. O primeiro motivo é óbvio: a histórica disputa de poder com os militares. Nesse contexto, ter um PM como secretário de Segurança, algo inédito, desequilibra o jogo de forças. Para fazer um aceno, Tarcísio anunciou na terça 13 que o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, atual chefe da Polícia Civil, será o secretário adjunto — o “zero dois” da pasta, como descreveu Derrite, aumentando a irritação de delegados com o emprego da expressão. Além disso, uma ala que se opõe à gestão de Nico Gonçalves se desiludiu com a escalação de Tarcísio por ela não representar a renovação prometida. “É mais do mesmo”, diz um delegado.

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arte Tarcisio de Freitas

Já na PM o burburinho vem de oficiais de alta patente, que têm a cultura da hierarquia muito enraizada. Como relatou a VEJA um coronel da reserva, é difícil imaginar um capitão de 38 anos como Derrite, que era tenente na ativa, dando ordens aos coronéis que estão na corporação há mais de trinta anos e ocupam o topo da hierarquia. Derrite minimizou. “É normal quando alguém assume uma pasta tão desafiadora. A integração entre as polícias vai começar de cima, servindo de exemplo”, diz, citando seu número dois. Derrite refuta a acusação de que não tem experiência administrativa com o argumento de que comandou dois postos dos bombeiros por quase quatro anos.

Mas nem só de questões corporativas é feito o tiroteio nos bastidores. O que mais tem causado críticas entre policiais é o emaranhado de relações entre Derrite e Tarcísio e os donos de uma empresa de segurança privada que, depois de doarem às campanhas, passaram a ter acesso a informações da Segurança Pública. O elo é Nelson Santini Neto, tenente da reserva da PM próximo de Derrite (trabalharam juntos e faziam lives na internet) e que agora integra o grupo de transição para a área de segurança. Tenente Santini, como é chamado, é irmão de Vicente Santini, ex-secretário da Casa Civil de Bolsonaro que foi demitido em 2020 depois de usar um avião da FAB para ir à Índia. Dono da empresa de segurança privada Autodefesa Brasil, sediada em Campinas, Tenente Santini doou 88 655 reais à campanha de Derrite para deputado (ele foi reeleito). Um dos sócios de Santini, Arnaldo Costa Vargas, doou 200 000 reais a Tarcísio. E um outro sócio, Leo­nar­do Nogueira Valverde de Morais, repassou 500 000 ao Republicanos. Morais já teve uma outra empresa (Global Segurança) investigada por suspeita de fraude em licitação do Detran em Brasília, mas o caso foi arquivado. O ponto crítico é que, como membro do gabinete de transição, Santini teria recebido informações sensíveis do governo, como o número de policiais nas ruas de determinadas áreas, o que pode servir para orientar a atuação de sua empresa e configuraria um potencial conflito de interesses. Em nota, a assessoria de Tarcísio afirmou que dados sigilosos não chegaram a Santini, pois são mantidos “apenas entre as autoridades nomeadas para futuros cargos da Secretaria de Segurança e o governador eleito”.

DESCONTRAÇÃO - Tarcísio e Moraes: foto em solenidade do STJ irritou militância bolsonarista e levou a uma “retratação” -
DESCONTRAÇÃO – Tarcísio e Moraes: foto em solenidade do STJ irritou militância bolsonarista e levou a uma “retratação” – (André Borges/EFE)

As críticas à montagem do governo não estão restritas à Segurança Pública. Para o Turismo, por exemplo, foi escolhido um pastor evangélico, o deputado Roberto de Lucena (Republicanos), que já defendeu a “cura gay” e criticou o reconhecimento da união homoafetiva pelo STF. Um dos principais eventos da pasta é justamente a Parada LGBTQIA+, que recebe turistas de todo o país e movimenta milhões de reais todos os anos. Também está na mira dos críticos a cessão de uma grande fatia do poder ao PSD de Gilberto Kassab, que será o titular da Secretaria de Governo e emplacou Guilherme Afif Domingos como chefe da transição e os titulares da Saúde (Eleuses Paiva) e Educação (Renato Feder), pastas que têm juntas orçamento anual superior a 70 bilhões de reais, mais que a receita do Paraná.

Enquanto isso, vão sendo deixados de lado aliados que até agora controlavam a máquina do Estado. Um deles é o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que, mesmo sob duras críticas de correligionários, anunciou “apoio incondicional” a Tarcísio e Bolsonaro no segundo turno. O PSDB esperava manter ao menos o comando local do Sebrae, hoje a cargo do presidente estadual do partido, Marco Vinholi, mas nem isso se concretizou. Na quarta 14, os conselheiros escolheram Nelson Harvey, apadrinhado por Afif, como superintendente. Vinholi ficou com uma diretoria técnica. Ainda assim, defende apoio a Tarcísio na Assembleia — a bancada do PSDB vai se reunir para debater o tema, o que mantém a negociação em aberto. Outro apoiador do segundo turno escanteado é o União Brasil, cujo líder, o presidente da Câmara paulistana, Milton Leite, é influente na política do estado. O seu grupo controlava a Secretaria dos Transportes, que Tarcísio extinguirá — a área será fundida em uma supersecretaria com Meio Ambiente e Infraestrutura. Somados, PSDB e União têm dezessete dos 94 deputados estaduais.

HOMEM FORTE - Kassab: secretaria poderosa e aliados em pastas importantes -
HOMEM FORTE - Kassab: secretaria poderosa e aliados em pastas importantes – (André Ribeiro/Futura Press)

Mesmo com todos os ataques que tem sofrido pela montagem do governo, no entanto, nada parece abalar mais Tarcísio quanto as críticas da militância bolsonarista. Ele bem que tentou manter distância razoável do antigo chefe — declarou à CNN Brasil nunca ter sido um “bolsonarista raiz” —, mas teve de se explicar depois de uma enxurrada de ofensas. O clima piorou depois de ele ter aparecido em uma foto, em solenidade no STJ, sorrindo ao lado do ministro Alexandre de Moraes, considerado “inimigo número 1” pelo bolsonarismo. Não demorou para que Tarcísio fosse às redes sociais declarar a sua “gratidão eterna” ao presidente. Suscetível a esse tipo de pressão e com várias frentes de desgaste abertas ao mesmo tempo, é grande a dificuldade que o novo governador de São Paulo enfrenta para botar o seu time em campo. E o jogo, como se sabe, ainda nem começou.

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Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

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