Sob Lula, as bancadas ‘BBBs’ continuam a demonstrar força
Parlamentares planejam derrubar os vetos do presidente ao projeto de marco temporal e travam debates de temas como aborto e legalização da maconha
Uma reportagem da nova edição de VEJA conta como setores que ganharam musculatura durante o mandato de Jair Bolsonaro mantêm protagonismo no governo Lula, mostrando força no Congresso e influenciando ações do Executivo e do Judiciário. Entre eles, as chamadas bancadas BBBs, expressão pejorativa criada pela esquerda para se referir a ruralistas, evangélicos e armamentistas — ou boi, bíblia e bala, os três ‘bs’ da sigla.
Com 303 dos 513 deputados e 41 dos 82 senadores, a bancada ruralista já anunciou que tentará derrubar os vetos do presidente Lula ao projeto aprovado pelo Congresso que restitui o marco temporal. O governo sabe que a chance de ganhar a disputa no voto é mínima e, por isso, tenta uma solução negociada com os parlamentares, até para evitar que eles obstruam as pautas da Câmara e do Senado, impedindo a votação dos projetos considerados prioritários pelo ministro Fernando Haddad. Entre a agenda econômica e a defesa dos direitos dos indígenas, Lula opta, sem qualquer dúvida, pela primeira opção.
Pragmático, o presidente tem evitado se envolver com pautas progressistas que enfrentam resistência também dos evangélicos. Para não comprar briga com o grupo, Lula ordenou à ministra da Saúde, Nísia Trindade, que dissociasse o governo de uma resolução do Conselho Nacional de Saúde, aprovada em julho, que defendia a legalização do aborto e da maconha no Brasil. Esses temas, segundo ordem do petista transmitida a assessores, não são da alçada do Executivo, mas do Legislativo.
A força dos BBBs influencia até o Judiciário. Apesar de ser simpático à ampliação das hipóteses legais de aborto, o novo presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, assumiu com a cúpula do Congresso o compromisso de não retomar o julgamento desse assunto durante o seu mandato à frente do tribunal. O aceno de Barroso tenta atenuar um pouco a tensão do STF com o Senado, mas foi recebida por setores progressistas como uma espécie de rendição, que pode resultar, inclusive, em retrocesso.
Os progressistas argumentam que, ao pautar projetos que tentam alterar o funcionamento do Supremo e limitar a ação de seus integrantes, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, pode até conseguir aperfeiçoar o funcionamento do tribunal, mas, mesmo que indiretamente, reforça a pressão para que julgamentos e direitos consolidados sejam revistos. É o caso do casamento de pessoas do mesmo sexo. Há mais de uma década, o Supremo chancelou a união homoafetiva, que agora é contestada por bolsonaristas em projeto de lei aprovado recentemente por uma comissão da Câmara.