Na delação da Odebrecht, homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o senador José Serra (PSDB) é citado nos depoimentos de sete delatores da empreiteira. Os executivos reconstituem os bastidores de esquemas de corrupção em obras do governo de São Paulo durante a gestão de Serra, revelam os nomes dos servidores ligados ao tucano que achacavam a empreiteira e detalham repasses milionários via caixa dois para diferentes campanhas do atual senador. Em uma das operações, José Serra cobrou 15% de propina para liberar pagamentos atrasados da empreiteira junto ao governo de São Paulo. A Odebrecht concordou e repassou 23,3 milhões de reais ao PSDB em troca da liberação de pagamentos na gestão tucana.
Responsável pelos relatos mais contundentes, o executivo Pedro Novis revelou, por exemplo, que repassou a José Serra uma bolada de 6 milhões de reais por meio de depósitos em contas correntes mantidas no exterior pelo lobista José Amaro Pinto Ramos – conhecido operador tucano suspeito de pagar propinas no caso Alstom no Brasil e indiciado na Suíça por lavagem de dinheiro e corrupção. Os pagamentos foram ordenados quando Novis presidia o Conselho Administrativo da Braskem, uma das empresas do grupo Odebrecht. “Pedro Augusto Ribeiro Novis afirma ter realizado diversas contribuições em favor de campanhas do senador da República José Serra, objetivando manter boas relações com o agente político e almejando futuro auxílio em obras de infraestrutura, concessões na área de transporte e saneamento no Estado de São Paulo”, diz o texto redigido pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.
Além de repassar recursos para campanha de Serra, Pedro Novis revela que o próprio governador procurou a Odebrecht, em 2008, para solicitar um pagamento de 3 milhões de reais. Segundo Serra teria informado à empreiteira, o dinheiro seria uma “contribuição à Prefeitura de São Paulo”. No despacho de Edson Fachin, não fica claro se o pedido de Serra foi atendido pela Odebrecht. Novis conta, no entanto, que foi procurado no ano seguinte, em 2009, pelo então presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (morto em 2014), com um novo pedido de 3 milhões de reais. Dessa vez, a bolada serviria para “custear campanhas majoritárias, inclusive do senador José Serra à Presidência da República”, conta Novis.
É a partir dessa negociação que surge o pagamento, revelado por VEJA, de 23,3 milhões de reais em propinas ao PSDB. Segundo narra o delator da Odebrecht, a empreiteira tinha muitos contratos na gestão de José Serra e enfrentava dificuldades para receber os pagamentos do governo. Ao ser procurado para doar à campanha do governador, o executivo da Odebrecht condicionou o repasse ao recebimento de pagamentos atrasados no governo. Foi aí que Sérgio Guerra, segundo o delator, apresentou o achaque. A Odebrecht receberia todos os atrasados do governo Serra se concordasse em pagar ao PSDB um pedágio de 15% dos valores devidos à empreiteira.
“Sérgio Guerra, em contraproposta, teria afirmado que os atrasados seriam adimplidos, desde que 15% (quinze por cento) desses valores fossem transferidos ao próprio PSDB, avença que teria sido confirmada pelo então Governador José Serra. Assim, Pedro Novis teria autorizado pagamento na ordem de R$ 23.300.000,00, sendo que a contrapartida almejada foi efetivamente cumprida. Os pagamentos teriam sido tratados entre representantes do Grupo Odebrecht e Ronaldo César Coelho e Márcio Fortes, pessoas indicadas pelo Senador da República José Serra”, escreve Fachin na decisão de abertura de inquérito.
Os delatores da Odebrecht ainda narram em detalhes como funcionou o cartel de empreiteiras nas obras do Rodoanel Sul e revelam o pagamento de propinas a diretores da Dersa, a concessionária controlada pelo governo de São Paulo, responsável por coordenar as obras e manter as rodovias do estado. Todo o esquema parte de uma decisão administrativa de José Serra, em 2007. “Os colaboradores noticiam que, no ano de 2007, José Serra, então governador do Estado de São Paulo, publicou decreto impondo às empresas a renegociações de contratos mantidos com o poder público. Nessa ocasião, a Dersa seria dirigida por Paulo Vieira Sousa, conhecido como ‘Paulo Preto’, pessoa próxima ao então Governador José Serra. Após a repactuação em relação ao consórcio liderado pela Odebrecht, Paulo Vieira Sousa solicitou o pagamento de 0,75% do valor recebido por cada empresa, sob pena de alterações contratuais prejudiciais”, diz Fachin.
Segundo os delatores, depois de conquistar o lote dois da obra do Rodoanel, a empreiteira foi procurada pelo então diretor de Engenharia da Dersa, Mário Rodrigues Júnior, que teria solicitado o pagamento de 1,2 milhão de reais, sob a alegação de que tais valores seriam destinados ao custeio de campanhas eleitorais. Diz o despacho de Fachin: “No âmbito da Odebrecht, referida solicitação foi atendida, com pagamentos efetuados, na ordem de 2,2 milhões de reais, em favor da offshore Circle Technical Company Inc, que pertenceria a Amaro Ramos, supostamente conhecido operador do Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB). Os repasses teriam cessado após investigações implementadas pelo Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União, que concluíram pela ilegalidade das alterações contratuais.”
Confira as acusações feitas pelos delatores nos inquéritos abertos pelo STF e clique em leia mais para saber o que pesa cada um (a lista está sendo atualizada):
GERALDO ALCKMIN, GOVERNADOR DE SÃO PAULO (PSDB) – governador usava cunhado para receber propina (leia mais)
AÉCIO NEVES, SENADOR (PSDB-MG) – senador teria recebido mesada de até 2 milhões de reais (leia mais)
DILMA ROUSSEFF, EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA (PT) – ex-presidente teria recebido 150 milhões para campanhas (leia mais)
ROMERO JUCÁ, SENADOR (PMDB-RR) – senador recebeu propina para defender interesses da Odebrecht (leia mais)
RENAN CALHEIROS, SENADOR (PMDB-AL) – com Jucá, recebeu R$ 5 milhões para aprovar MP (leia mais)
EDISON LOBÃO, SENADOR (PMDB-MA) – senador levou R$ 5,5 milhões de reais da empreiteira (leia mais)
FERNANDO COLLOR, SENADOR (PTC-AL) – recebeu 800 mil reais na campanha eleitoral de 2010 (leia mais)
LINDBERGH FARIAS, SENADOR (PT-RJ) – recebeu 4,5 milhões de reais em propinas nas eleições de 2008 e 2010 (leia mais)
CIRO NOGUEIRA, SENADOR (PP-PI) – recebeu 1,6 milhão de reais nas eleições de 2010 e 2014 (leia mais)
EDUARDO CUNHA, EX-DEPUTADO (PMDB-RJ) – ex-deputado teria arquitetado plano para sepultar a Lava Jato (leia mais)
BLAIRO MAGGI, MINISTRO DA AGRICULTURA (PP-MT) – ministro recebeu R$ 12 mi para ajudar a liberar crédito da empresa (leia mais)
VICENTE CÂNDIDO, DEPUTADO (PT-SP) – deputado federal recebeu 50 mil reais para viabilizar Itaquerão (leia mais)
JORGE PICCIANI, DEPUTADO ESTADUAL (PMDB-RJ) – recebeu caixa dois da Odebrecht nos anos de 2010 e 2012 (leia mais)
PAULO HARTUNG, GOVERNADOR DO ESPÍRITO SANTO (PMDB) – recebeu 1 milhão de reais nas eleições de 2010 e 2012 (leia mais)
HÉLDER BARBALHO, MINISTRO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL (PMDB-PA) – recebeu 1,5 milhão de reais em três parcelas (leia mais)
RICARDO FERRAÇO, SENADOR (PSDB-ES) – executivos dizem que repassaram a ele 400.000 reais via caixa dois (leia mais)
ALDEMIR BENDINE, EX-PRESIDENTE DA PETROBRAS – ex-presidente do BB e da Petrobras, recebeu dinheiro para ajudar a Odebrecht (leia mais)
ALFREDO NASCIMENTO, DEPUTADO (PR-AM) – ex-ministro de Lula e Dilma, recebeu 200 mil reais via caixa 2 (leia mais)
JOÃO BACELAR FILHO, DEPUTADO (PR-BA) – recebeu 250 mil reais da Odebrecht para ajudar em MP (leia mais)
CELSO RUSSOMANNO, DEPUTADO (PRB-SP) – deputado federal recebeu 50 mil reais na campanha de 2010 (leia mais)
ZECA DIRCEU, DEPUTADO (PT-PR) – filho de José Dirceu teria recebido 250 mil reais para campanha (leia mais)
CARLOS ZARATTINI, DEPUTADO (PT-SP) – líder do partido recebeu propina para atuar em favor de MPs (leia mais)
PAULINHO DA FORÇA, DEPUTADO (SD-SP) – presidente da Força Sindical recebeu 200 mil para campanha de 2010 (leia mais)
ANTÔNIO ANASTASIA, SENADOR (PSDB-MG)
MILTON MONTI, DEPUTADO (PR-SP)
ALOYSIO NUNES, SENADOR (PSDB-SP)
ARLINDO CHINAGLIA, DEPUTADO (PT-SP)
ARTHUR MAIA, DEPUTADO (PPS-BA)
BRUNO ARAÚJO, MINISTRO DAS CIDADES (PSDB-PE)
CÂNDIDO VACCAREZZA, DEPUTADO (EX-PT-SP)
GUIDO MANTEGA, EX-MINISTRO DA FAZENDA (PT)
EDUARDO BRAGA, SENADOR (PMDB-AM)
OMAR AZIZ, SENADOR (PSD-AM)
CACÁ LEÃO, DEPUTADO (PP-BA)
CÁSSIO CUNHA LIMA, SENADOR (PSDB-PB)
DALÍRIO BEBER, SENADOR (PSDB-SC)
NAPOLEÃO BERNARDES, PREFEITO DE BLUMENAU (PSDB-SC)
DANIEL VILELA, DEPUTADO (PMDB-GO)
MAGUITO VILELA, EX-GOVERNADOR DE GOIÁS (PMDB)
DANIEL ALMEIDA, DEPUTADO (PCDOB-BA)
DÉCIO LIMA, DEPUTADO (PT-SC)
ANA PAULA LIMA, DEPUTADA ESTADUAL (PT-SC)
ELISEU PADILHA, MINISTRO-CHEFE DA CASA CIVIL (PMDB-RS)
MOREIRA FRANCO, SECRETÁRIO-GERAL DA PRESIDÊNCIA (PMDB-RJ)
FÁBIO FARIA, DEPUTADO (PSD-RN)
ROBINSON FARIA, GOVERNADOR DO RIO GRANDE DO NORTE (PSD)
ROSALBA CIARLINI, PREFEITA DE MOSSORÓ (PP-RN)
FERNANDO BEZERRA, SENADOR (PSB-PE)
GILBERTO KASSAB, MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES (PSD-SP)
BETINHO GOMES, DEPUTADO (PSDB-PE)
JOSÉ FELICIANO, ADVOGADO
VADO DA FARMÁCIA, EX-PREFEITO DE CABO DO SANTO AGOSTINHO (PTB-PE)
PAULO ROCHA, SENADOR (PT-PA)
HERÁCLITO FORTES, DEPUTADO (PSB-PI)
HUMBERTO COSTA, SENADOR (PT-PE)
IVO CASSOL, SENADOR (PP-RO)
JOÃO CARLOS RIBEIRO, EX-SECRETÁRIO DE PLANEJAMENTO DE RONDÔNIA
JOÃO CARLOS BACELAR, DEPUTADO (PR-BA)
JORGE VIANA, SENADOR (PT-AC)
TIÃO VIANA, GOVERNADOR DO ACRE (PT)
JOSÉ CARLOS ALELUIA, DEPUTADO (DEM-BA)
ZECA DIRCEU, DEPUTADO (PT-PR)
JOSÉ DIRCEU, EX-MINISTRO-CHEFE DA CASA CIVIL
ZECA DO PT, DEPUTADO (PT-MS)
JOSÉ REINALDO TAVARES, DEPUTADO (PSB-MA)
ULISSES CÉSAR MARTINS, EX-PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO
RENAN FILHO, GOVERNADOR DO ALAGOAS (PMDB)
JÚLIO LOPES, DEPUTADO (PP-RJ)
JUTAHY MAGALHÃES JÚNIOR, DEPUTADO (PSDB-BA)
KÁTIA ABREU, SENADORA (PMDB-TO)
MOISÉS PINTO GOMES, MARIDO DA SENADORA KÁTIA ABREU
LÍDICE DA MATA, SENADORA (PSB-PE)
MARCO MAIA, DEPUTADO (PT-RS)
HUMBERTO KASPER, EX-PRESIDENTE DA TRENSURB
MARCO PRATES DA CUNHA, EX-PRESIDENTE DA TRENSURB
PAULO BERNARDO, EX-MINISTRO DO PLANEJAMENTO (PT)
MARCOS PEREIRA, MINISTRO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS (PRB-ES)
MARIA DO ROSÁRIO, DEPUTADA (PT-RS)
MÁRIO NEGROMONTE JÚNIOR, DEPUTADO (PP-BA)
VALDEMAR DA COSTA NETO, EX-DEPUTADO (PR-SP)
NELSON PELLEGRINO, DEPUTADO (PT-BA)
ÔNIX LORENZONI , DEPUTADO (DEM-BA)
PAULO HENRIQUE LUSTOSTA, DEPUTADO (PP-CE)
PEDRO PAULO, DEPUTADO (PMDB-RJ)
EDUARDO PAES, EX-PREFEITO DO RIO DE JANEIRO (PMDB)
RICARDO FERRAÇO, SENADOR (PSDB-ES)
RODRIGO MAIA, DEPUTADO (DEM-RJ)
CÉSAR MAIA, EX-PREFEITO DO RIO DE JANEIRO (DEM)
RODRIGO GARCIA, DEPUTADO (DEM-SP)
ROMERO JUCÁ, SENADOR (PMDB-RR)
EUNICIO OLIVEIRA, SENADOR (PMDB-CE)
LÚCIO VIEIRA LIMA, DEPUTADO (PMDB-BA)
RODRIGO JUCÁ, ADVOGADO E FILHO DE ROMERO JUCÁ (PSD-RR)
VALDIR RAUPP, SENADOR (PMDB-RO)
VANDER LOUBET, DEPUTADO (PT-MS)
VANESSA GRAZZIOTIN, SENADORA (PCDOB-AM)
ERON BEZERRA, MARIDO DA SENADORA VANESSA GRAZZIOTIN
VICENTINHO, DEPUTADO (PT-SP)
VITAL DO RÊGO FILHO, MINISTRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU)
YEDA CRUSIUS, DEPUTADA (PSDB-RS)
Fora do STF
Dezenas de outros inquéritos foram enviados por Fachin a outros tribunais porque os envolvidos não têm direito a foro no Supremo Tribunal Federal, como os governadores de estado, que têm de ser julgados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Nesta lista estão, entre outros, os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).
Na lista também está o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que precisam ser julgados na primeira instância, ou seja, pela Justiça Federal de São Paulo.