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Senado mostrou maturidade ao aprovar união homoafetiva, diz Marta

Para senadora, votação unânime mostrou que sociedade assimila melhor a questão da cidadania do homossexual: 'Se fosse há dez anos, não teria sido aprovado'

Por Rafaela Lara Atualizado em 15 mar 2017, 15h16 - Publicado em 14 mar 2017, 16h57

No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, com 17 votos a favor e uma abstenção, o projeto de lei que pode alterar o Código Civil para reconhecer legalmente a união homoafetiva e permitir sua conversão em casamento. O projeto, que tramita no Senado desde 2011, é de autoria da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), que milita nesse tema há pelo menos 30 anos.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 612 quer transformar em lei um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, que prevê a união estável entre pessoas do mesmo sexo, para que os homossexuais possam ter segurança jurídica no momento em que decidirem estabelecer um vínculo conjugal.

Em entrevista ao site de VEJA, Marta afirmou que o Senado refletiu a maturidade da sociedade. Atualmente, o Código Civil entende como casamento a união de “um homem e uma mulher” – o projeto determina a substituição para a expressão “duas pessoas”. Segundo a senadora, hoje, não há tanta rejeição ao tema como havia décadas atrás. “O tempo muda convicções e deu para perceber pela votação que a sociedade está assimilando melhor a questão do respeito e da cidadania do homossexual”, afirmou.

Como a senhora avalia a aprovação do projeto na CCJ? Já esperava que fossem 17 votos favoráveis e uma abstenção?

Foi por unanimidade e eu não esperava isso. Nesta quarta-feira (dia 15), haverá a votação suplementar. Apesar de essa primeira votação ser em caráter terminativo (projeto não precisa ir ao plenário), essa próxima etapa é procedimental. O prazo para pedido de vistas já passou, mas ainda temos essa última votação antes de o projeto ser encaminhado para a Câmara dos Deputados. De qualquer forma, foi uma surpresa. O senador Roberto Requião (PMDB-PR), relator do projeto, me disse há dias atrás: ‘Vamos colocar isso em pauta’. Concordei e deu certo.

Esse projeto começou a tramitar em 2011 no Senado, mas é uma pauta da senhora desde 1995, quando era deputada federal. Agora, não teve nenhum voto contra. O que mudou?

Acredito que tenha sido uma demonstração da maturidade do Senado. O tempo muda convicções e deu para perceber pela votação que a sociedade está assimilando melhor a questão do respeito e da cidadania do homossexual. Foi muito gratificante perceber que isso já é mais comum na sociedade, como o recente casamento do prefeito de Lins (Edgard de Souza, do PSDB, que se casou com o empresário Alexsandro Luciano Trindade), no interior de São Paulo. Atualmente, os filhos têm mais facilidade para assumir a homossexualidade em casa do que há uma década. É importante que isso tenha chegado ao Senado.

Se fosse há dez anos, esse projeto não teria sido aprovado. Quando apresentei a proposta em 1995, não se podia nem usar a palavra ‘casamento’, usávamos ‘parceria civil entre pessoas do mesmo sexo’. Nós já discutíamos isso na TV Mulher [Marta apresentou um quadro sobre comportamento sexual no programa nos anos 1980], mas nunca como casamento e sim mostrando que não era uma doença. Certamente, essa discussão inicial lá atrás propiciou outras discussões em outras bases.

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‘Acredito que tenha sido uma demonstração da maturidade do Senado. O tempo muda convicções e deu para perceber pela votação que a sociedade está assimilando melhor a questão do respeito e da cidadania do homossexual’

Enquanto deputada, sempre que colocava esse projeto para votação em plenário, percebia que tinha um sério risco de não ser aprovado, então retirávamos para não ter de começar tudo de novo. Quando saí da Câmara dos Deputados para ser prefeita de São Paulo, não se tocou mais nesse assunto. Percebemos que as bancadas conservadoras ficaram muito mais fortes com o passar dos anos e essa discussão não teve mais espaço.

O fato de ter saído do PT e ter ingressado no PMDB gerou críticas de seu eleitorado tradicional. Diante da aprovação desse projeto, o que diria para eles?

Eu nunca me pautei pelas consequências políticas dos meus projetos, muito pelo contrário – batalhar pelos direitos das mulheres e dos LGBT era a garantia de que eu nunca conseguiria um cargo majoritário, só que na minha vida aconteceu o contrário. Eu me orgulho de ter levado esse tema para o PT e por ter sido uma das pessoas que mais levantaram essa bandeira dentro e fora do partido. Se eu me preocupasse com isso, jamais teria ingressado na política. Encontrei na política um meio de dar destaque a esses temas, que sempre foram do meu interesse.

O projeto pode sofrer resistência na Câmara. O que a senhora espera nessa próxima fase?

Hoje, nós temos uma parcela de parlamentares na Câmara que representa um setor mais conservador, mas, ao mesmo tempo, dentro dessa parcela conservadora, temos pessoas que entendem o que é uma determinação do Supremo Tribunal Federal, que, por sinal, foi dada em 2011. Então, o que estamos fazendo agora nada mais é do que tornar lei um direito de cidadania concedido pelo Supremo e defendido brilhantemente pelos ministros com discursos de apoio belíssimos. Os parlamentares contrários vão se posicionar para o seu eleitorado porque, na realidade, eles sabem tão bem quanto eu o que é uma determinação da Corte Suprema do país.

Como a senhora encara as críticas ao projeto de parte da sociedade que não concorda com o casamento gay?  

Eu tenho uma certa dificuldade de entender. A minha cabeça está muito distante desse tipo de pensamento. Tenho uma formação democrática e de respeito às divergências, mas sinto que as posições estão mudando. Quando vejo pessoas que não entendem essa situação, eu fico chocada. Em 1980, quando começamos a discutir esses temas na TV, ainda se falava da importância da virgindade, que masturbação dava pelo na mão e que homossexualidade era doença. Hoje, isso não é aceitável de jeito algum.

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A mudança aconteceu muito rapidamente e, com as redes sociais, será ainda mais rápido. O feminismo também mudou, houve uma mudança muito rápida trazida pelas redes sociais. A palavra feminista também já passou por vários rótulos e hoje ela volta como algo inerente à luta pela liberdade e pelos direitos da mulher. Anos atrás, nenhuma revista feminina queria falar sobre feminismo, hoje isso é capa. As mulheres estão nas ruas, querem respeito e direitos e, pela primeira vez, houve uma manifestação no mundo inteiro, ao mesmo tempo, pelos direitos das mulheres – o Trump, de certa forma, está ajudando nisso.

A senhora considera o Congresso machista e homofóbico?

É paradoxal. Na época em que fui deputada, essa onda conservadora e o machismo eram muito fortes. Acredito que essa configuração mudou. As novas gerações já estão muito avançadas em questões de gênero e homossexualidade. E, consequentemente, temos como resposta um setor da sociedade que se tornou ainda mais conservador e fez o movimento contrário ao avanço. O que eu vejo dentro do Congresso é um esforço ferrenho para que não se perca poder masculino.

Então, apesar da aprovação desse projeto, há uma onda conservadora no país? 

A sociedade não está mais conservadora, foi justamente o contrário. Ao longo dos anos, tivemos uma ampliação enorme de direitos. O que estamos vendo, na realidade, é uma reação a essa autonomia feminina e aos direitos individuais.

O direito do homossexual e o direto individual das mulheres estão fortemente relacionados. Ainda há muito machismo e conservadorismo querendo impedir o avanço do país para uma sociedade mais democrática, que terá direitos individuais mais sólidos. Mas não mais que nas décadas passadas.

‘O que eu vejo dentro do Congresso hoje é um esforço ferrenho para que não se perca poder masculino’

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A senhora acredita que, incorporando o projeto ao Código Civil, o comportamento homofóbico vai diminuir?

Lei não muda comportamento, mas fará milhares de cidadãos mais felizes e com sua cidadania plena o que, certamente, acaba tendo consequências positivas.

O projeto não interfere em questões religiosas. A senhora acredita que isso possa mudar também com o passar dos anos e a igreja passe a considerar essa união?

Sim, o próprio papa Francisco pode abrir esses caminhos. Todos os anos observamos um passo à frente (do papa), mas a igreja também se rebela internamente contra ele. Se pegarmos os discursos do papa, nós vemos posicionamentos diferentes dos papas anteriores. A fé católica não admite o casamento homossexual, mas o papa já tem uma fala muito mais acolhedora e espirituosa. Então, a igreja já está se abrindo mais à ciência, ao respeito dos direitos individuais e ao mundo moderno.

A sociedade não tem mais volta nos direitos individuais, mas sempre haverá o contraponto de pessoas que perdem o seu espaço, perdem o seu poder dentro de casa, no trabalho, na sociedade como um todo. Todos têm de aprender a conviver. Não há transformações em curto prazo.

Se, na prática, o Supremo Tribunal Federal já autorizou o casamento gay, qual a importância desse projeto?

É pela segurança jurídica da resolução dada pelo STF. Em 2011, o Supremo entendeu que haveria a união estável entre pessoas do mesmo sexo em qualquer cartório do país. Foi quando voltei a protocolar o projeto no Senado, instigada por essa decisão. Precisamos que essa resolução ganhe forma de lei, afinal, resolução se muda e é justamente por isso que o projeto se mostra importante. Tivemos casos de cartórios que se recusaram a promover um casamento homoafetivo e isso não pode acontecer.

Lava Jato

 

Senador Marta Suplicy (PMDB-SP)

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Quando a senhora deixou o PT, fez duras críticas ao partido mencionando uma “desilusão” diante de todo esquema de corrupção revelado. Com o avanço da Lava Jato sobre figuras de seu novo partido, a senhora não teme se desiludir com o PMDB também?

Quando entrei para o PMDB, eu não estava sendo enganada ou ingênua. Sabia que havia pessoas sendo investigadas no partido, mas não tinha ideia das dimensões. Não me arrependo. Na minha decisão pesou o fato de eu ter de entrar em um partido grande, afinal sou senadora pelo estado de São Paulo. Para você ter um peso político, o seu estado é importante, mas o seu partido também é.

Os partidos maiores, tirando o PT, eram o PSDB e o PMDB. No PSDB seria uma longa viagem. Já o PMDB é um partido que tem um mosaico de representações onde vi que poderia caber. É um partido no qual as pessoas têm muita autonomia e eu teria espaço para levar adiante os meus projetos e relatar matérias importantes para o meu estado.

‘Quando entrei para o PMDB, eu não estava sendo enganada ou ingênua. Sabia que havia pessoas sendo investigadas no partido, mas não tinha ideia das dimensões. Não me arrependo’

No PSDB não haveria espaço para as pautas que a senhora defende?

Haveria, totalmente. Mas aqui em São Paulo, o embate do PT era diretamente com o PSDB, então, não dava para eu fazer esse voo naquela época. Tenho muitas afinidades com o PSDB, mas me sinto muito bem, tranquila e com oportunidades neste momento. No PMDB, tenho espaço garantido, o partido me dá oportunidades e posso seguir pensando e fazendo o que faço.

A senhora se considera uma pessoa de esquerda?

A questão de ser esquerda hoje mudou em relação ao que se considerava antigamente. Eu sempre me considerei uma pessoa de esquerda. Em relação a comportamento, por exemplo, eu sou muito mais próxima aos partidos ditos de esquerda, mas em relação a outros temas eu não sou mais. Eu não voto mais como vota o PT sobre, por exemplo, o pré-sal. Acho um equívoco. Eu me considero uma pessoa de esquerda, mas não daquela esquerda que eu era, eu mudei. Uma das coisas boas da vida é você ter a capacidade de renovação e o PT está um pouco atrasado nesse quesito.

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Lula já disse a aliados que pretende ser candidato em 2018. Como a senhora, que já apoiou a candidatura dele, avalia essa declaração?

O Lula é um dos grandes líderes do Brasil nas últimas décadas e continuará a ser. Se ele será candidato ou não, dependerá da Justiça.

 

Prefeitura de São Paulo

 

A gestão Doria é aprovada por 44% da população. Qual sua avaliação? 

As pessoas votaram no Doria porque ele representa o novo. O Doria está com uma mídia extremamente competente e favorável. Isso [índice de aprovação] vai se manter se ele levar mudanças concretas para a periferia, porque ninguém ganha só nos Jardins, por exemplo. Ele ganhou em quase todos os bairros e teve um voto muito forte na periferia – parte dos meus votos e do PT, de Fernando Haddad. A classe média está encantada com tudo o que está acontecendo e a periferia está com muita esperança também. Se chegar investimentos à periferia, se melhorar a qualidade de vida, a saúde e a educação, ele tem chances de caminhar muito bem. Vestir a roupa de gari é uma forma midiática de mostrar o prefeito na rua e considero isso positivo, mas senti falta de ele [João Doria] vestir roupa de bombeiro e ir até a favela Paraisópolis nesse segundo incêndio em menos de dez dias. E lá é para valer, não é para fazer marketing. É preciso olhar para Paraisópolis também.

‘Vestir a roupa de gari é uma forma midiática de mostrar o prefeito na rua e considero isso positivo, mas senti falta de ele [João Doria] vestir roupa de bombeiro e ir até a favela Paraisópolis nesse segundo incêndio em menos de 10 dias.’

No final da gestão Haddad, a senhora, então pré-candidata à prefeitura, classificou o governo dele como “beligerante” por colocar Uber contra táxi e carro contra bicicleta. Como a senhora vê a gestão Doria nas políticas contra pichadores, por exemplo? Torna-se beligerante também por colocar uma parcela da população contra a outra?

Acredito que poderia ser feito de forma mais suave. Não precisava ter comprado uma confusão deste tamanho e não acho que seja beligerante, afinal, a maioria da população achava a cidade muito suja e era claro que precisava colocar um freio nisso. Mas poderia ter sido feito de outra forma, com mais suavidade.

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