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Regina Duarte desperta a ira dos olavistas e tem primeira crise no cargo

Ao tentar remover o lixo ideológico da Secretaria da Cultura, a atriz irrita os seguidores de Olavo de Carvalho e já tem sua cabeça pedida

Por Edoardo Ghirotto, João Batista Jr. Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h31 - Publicado em 13 mar 2020, 06h00
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  • Antes de Regina Duarte assumir a Secretaria da Cultura, as bolsas de apostas dentro do próprio governo colocavam suas fichas na possibilidade de que ela não duraria muito na pasta, um espaço estratégico de políticas de Estado tomado pelo mais rasteiro sectarismo ideológico desde a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder. A percepção cresceu já na posse, no último dia 4, depois de ela mostrar que, de forma correta e corajosa, se insurgiria contra esse tipo de aparelhamento ao demitir doze pessoas da secretaria, incluindo seis seguidores do autointitulado filósofo de direita Olavo de Carvalho, uma espécie de guru da família presidencial. A ação despertou a ira dele e de seus seguidores, os olavistas, mas a gritaria piorou muito após a entrevista que a atriz concedeu no dia 8 ao Fantástico, da Rede Globo. Sem citar os olavistas, ela afirmou que havia uma “facção” que já pedia sua cabeça. Também declarou que a permanência de Sérgio Camargo na presidência da Fundação Palmares, exigência de Bolsonaro, era um problema que ela teria de resolver ao longo da gestão. Camargo, um direitista que passou a contar com a simpatia do grupo olavista por defender posições como a de que a escravidão teria sido boa para os descendentes de negros, respondeu na manhã seguinte, pelo Twitter. “Bom dia a todos, exceto a quem chama apoiadores do Bolsonaro de facção e o negro que não se submete aos seus amigos da esquerda de ‘problema que vai resolver’ ”, postou ele, mostrando, além de insubordinação, o tamanho da encrenca que a atriz vai ter de enfrentar.

    O vereador Carlos Bolsonaro
    O PIT BULL VOLTOU - Carlos Bolsonaro: o vereador transformou a queda de Regina Duarte numa missão (Renan Olaz/CMRJ/Divulgação)

    Embora sóbrios e verdadeiros, os termos empregados na entrevista por Regina desagradaram também ao general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Ele condenou publicamente o uso da expressão “facção” e disse que ministros e secretários devem se moldar à orientação político-ideológica do presidente. Ramos teve um papel importante no “sim” da atriz. Regina já sofria com as milícias digitais bolsonaristas desde que teve o nome cogitado para o cargo. Duas semanas antes da posse, abalada com a pressão, pensou em desistir. Ramos entrou em ação: foi ao hotel onde ela estava hospedada em Brasília para pôr panos quentes e garantir que iria protegê-la do que chama de “rede”, os ataques coordenados na internet. Ele teve sucesso em garantir a posse de Regina, mas não conseguiu livrá-la do tiroteio, até porque a linha de frente do fuzilamento virtual da atriz tem as digitais de um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-­RJ), um dos mais raivosos discípulos de Olavo. Embora negue publicamente, o Zero Dois desde o início era contra a indicação de Regina para o cargo (na paranoia tosca e binária dessa turma, ela seria “comunista” por ter lutado contra a ditadura e, nas décadas seguintes, cometeu outro “crime” ao andar ao lado de tucanos como Fernando Henrique Cardoso). O próprio Olavo de Carvalho pôs mais lenha nessa fogueira da inquisição bolsonarista. Primeiro, garantiu nas redes sociais que teria sido consultado pelo presidente para chancelar o nome de Regina — e se mostrava arrependido do aval. Depois, no dia posterior à aparição da atriz no Fantástico, caprichou na grosseria, sua marca registrada. “Facção é teu c…, Regina”, escreveu.

    Mas não foi só o palavreado escatológico de Olavo que aborreceu a secretária. A atriz também ficou incomodada com o gesto de Bolsonaro de levar o humorista Márvio Lúcio, o Carioca, para distribuir bananas aos jornalistas no dia em que foi divulgado o pífio crescimento de 1,1% do PIB. Ela faria seu discurso de posse naquele mesmo dia e estava pronta para pregar a pacificação das relações com a classe artística, o que, no seu entender, abriria espaço para o diálogo com alas diferentes dos apoiadores do governo. Após o esquete do presidente, porém, ficou com receio de não encontrar mais clima para se aproximar de grupos não bolsonaristas.

    Sérgio Camargo
    PRESTIGIADO - Camargo: críticas à própria chefe e apoio de Jair Bolsonaro (./Arquivo pessoal)
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    Do lado da administração federal, o balanço é que ela começou seu trabalho no governo com o pé esquerdo em termos de gestão. Demorou semanas para ingressar de forma oficial na secretaria e não conseguiu apresentar uma equipe no momento de sua posse. Com o objetivo de apressar esse processo, Bolsonaro chegou a telefonar para André Duarte, filho da atriz, e outras pessoas próximas em busca de nomes. Para piorar, a ala ideológica transformou em inimigos alguns dos preferidos dela para a pasta. Ex-presidente da Funarte no governo de Michel Temer, Humberto Braga fez até reuniões em nome de Regina na secretaria enquanto ela negociava o fim do contrato com a Globo. Mas sua nomeação como secretário adjunto esbarra na suposição das milícias bolsonaristas de que ele seria de esquerda. A rejeição parte principalmente de Carlos Bolsonaro. Na semana passada, durante a viagem do pai aos Estados Unidos, ele se aboletou no 3º andar do Planalto, de onde coordenava pessoalmente os ataques. O Zero Dois perdeu ao não evitar a posse de Regina, mas tem somado sucessivas vitórias ao barrar nomes como Maria do Carmo Brant de Carvalho Falcão, que teve a indicação para a Secretaria de Diversidade revogada por ser filiada ao PSDB. Outro triunfo foi a manutenção do próprio Camargo na Fundação Palmares. O presidente diz ter sido claro desde sempre: Regina não tem o poder de fazer o que quiser. Mas não pensa em demiti-la em razão do imenso desgaste que isso provocaria, já que a atriz tem muitos apoiadores, inclusive no mundo artístico.

    Curiosamente, os olavistas andavam meio em baixa até a declaração de guerra a Regina Duarte. Ainda que muito estridentes e próximos do clã presidencial, os membros da tropa que permaneceram no governo não conseguem formar um time de futebol. Os discípulos de Olavo foram alvo de um primeiro expurgo quando Ricardo Vélez Rodríguez foi precocemente demitido do Ministério da Educação, em abril de 2019, após um período de balbúrdia completa na pasta, em boa parte provocada pelo olavismo. A nova onda de demissões mostra que Regina tenta limpar os rastros deixados por seu antecessor, Roberto Alvim, exonerado ao plagiar, em lançamento de programa da pasta, o discurso do ministro nazista Joseph Goebbels. Sua queda foi um duro golpe para o olavismo, principalmente para o assessor especial para assuntos internacionais do Planalto, Filipe Martins. Considerado o aluno número 1 do escritor, ele cogitou até abandonar o cargo. Martins foi o maior responsável por transformar a retórica da “guerra cultural” contra a esquerda em política de governo. Mas a associação que Alvim fez entre essa teoria e o nazismo esvaziou o discurso ideológico e fortaleceu o pragmatismo dos militares, ala que se opõe fortemente ao olavismo nos embates internos. O próprio Ramos, ao lado do chefe da Casa Civil, o também general Walter Braga Netto, atua para diminuir o grau de influência dos radicais.

    Ex-assessor está preso desde a quinta-feira passada, 8, suspeito de ser o autor da minuta do golpe
    INFLUÊNCIA - Filipe Martins: ideólogo da “guerra cultural” contra a esquerda (Fundação Alexandre de Gusmão/.)
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    A pasta de Regina Duarte é considerada um posto-chave pela turma do guru devido à missão de conquistar mentes e corações por meio da cultura. “De onde vem a unidade da esquerda brasileira? Vem de obras de ficção produzidas desde os anos 30 por Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego”, declarou Olavo em uma entrevista recente ao canal de YouTube de Eduardo Bolsonaro. Na mesma ocasião, o escritor afirmou que tem recomendado ao “pessoal da direita” que escreva romances e peças de teatro para criar “a unidade de um sentimento comum”. Ele não é um exemplo isolado de como o bolsonarismo enxerga na cultura um palco preferencial para sua batalha ideológica. Já em junho de 2019 Roberto Alvim anunciou pelo Facebook que pretendia montar um grande banco de dados com artistas conservadores para criar “uma máquina de guerra cultural”. O próprio Bolsonaro disse, um mês depois, que a Ancine não bancaria mais filmes como Bruna Surfistinha, “em respeito às famílias”. Em agosto, o governo suspendeu edital para projetos audiovisuais com a temática LGBT. Apesar dos reveses da primeira semana e da certeza de novos ataques daqueles que temem perder a tal guerra cultural, Regina Duarte segue trabalhando, fazendo reuniões e projetando o futuro da pasta e de suas políticas. Por enquanto, ela resiste em meio ao serpentário — para usar uma expressão do general Ramos.

    Publicado em VEJA de 18 de março de 2020, edição nº 2678

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