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Os obstáculos para o partido Aliança se viabilizar em tempo recorde

Apesar do esforço para formalizar a sigla de Bolsonaro, é quase impossível que isso ocorra antes do prazo-limite para as eleições deste ano

Por André Siqueira, Edoardo Ghirotto, João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 mar 2021, 00h13 - Publicado em 17 jan 2020, 06h00

Teve início o capítulo mais importante da empreitada em que Jair Bolsonaro se enfiou desde que resolveu romper com o PSL, o partido que o abrigou na campanha de 2018. A tentativa de criar uma sigla, a Aliança pelo Brasil, entrará na sua fase decisiva com a realização de mutirões para coletar assinaturas em todo o país. Os primeiros grandes eventos ocorrerão em Brasília e João Pessoa, neste sábado, 18, e serão seguidos de atos espalhados por todas as capitais, incluindo uma coleta a céu aberto na Avenida Paulista, em São Paulo. É uma corrida contra o tempo para juntar, até o fim de fevereiro, as 491 967 assinaturas exigidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na avaliação dos conselheiros de Bolsonaro, se o total não for contabilizado até o dia 29 do próximo mês, o TSE não será capaz de cumprir o rito de fundação do partido até 4 de abril, data-limite para que o registro da Aliança esteja pronto a tempo de a sigla concorrer nas eleições municipais deste ano. Em outros termos: é uma missão praticamente impossível. Até a quinta-feira 16, a Aliança contava com 188 000 assinaturas.

Criados como atos políticos, os mutirões adotarão a fórmula pensada por André Fernandes (PSL-CE), um deputado estadual bolsonarista que organizou em Fortaleza, em 4 de janeiro, o primeiro evento do tipo. Os encontros começam com a execução do Hino Nacional, seguida por uma oração (um pai-nosso) e pela exibição de um vídeo institucional. Depois, as lideranças locais da Aliança falam ao público sobre a fundação do partido e tiram dúvidas relacionadas ao processo. Ao final, funcionários de cartório pegarão assinaturas para reconhecer firma nas fichas de criação (foram cerca de 2 000 em Fortaleza). Pela primeira vez na história política do país, esses profissionais vão fazer algo desse tipo. A iniciativa partiu de uma consulta realizada pela advogada do presidente, Karina Kufa, ao Colégio Notarial do Brasil (CNB), que publicou em seu site um texto de orientação para os tabeliães que trabalharão nas coletas. Partidos de esquerda acionaram o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que seja investigado o crime de improbidade administrativa, mas a medida tem baixa probabilidade de sucesso. “Não acredito que haja problemas”, afirmou a VEJA um ministro do TSE.

Além dos cartórios, a Aliança tem procurado entidades ligadas a policiais militares, bombeiros e membros da reserva e da ativa das Forças Armadas para angariar as assinaturas. Vice-­presidente da sigla e, na prática, o mecenas da Aliança, Luís Felipe Belmonte vem arcando com a maior parte dos custos e já aportou 110 000 reais no partido. Há também o apoio logístico de instituições como a Associação Comercial do Distrito Federal (ACDF), que disponibiliza equipamentos e espaços para os atos, e de empresários que atuam como “influenciadores”. No TSE, os ministros têm a percepção de que o carisma de Bolsonaro será capaz de viabilizar a coleta de assinaturas necessárias até abril. Eles admitem, no entanto, que haverá tempo hábil muito restrito para a sigla cumprir com o rito burocrático. “Ninguém deu certeza de que iria criar um partido em tempo recorde”, diz Karina Kufa, que mantém linha direta com Bolsonaro desde que atuou como artífice do rompimento do presidente com o PSL, em outubro do ano passado. “Não sei se os cartórios eleitorais terão condição de fazer o processamento todo”, concorda Belmonte. Bolsonaro, segundo pessoas próximas, é ainda mais cético. “Ele não alimenta esperança para a eleição municipal, sabe que não dá tempo”, diz um amigo.

O distanciamento do capitão, por sinal, vem incomodando deputados que lideram os mutirões em seus redutos eleitorais. Ele havia prometido que gravaria um vídeo para as redes sociais no qual conclamaria os eleitores a assinar a ficha de criação, mas até agora não o fez. Outra expectativa frustrada foi com relação à presença do presidente nos atos. O mais provável é que Bolsonaro envie vídeos previamente gravados ou participe de videoconferências quando a agenda presidencial lhe reservar tempo. No momento, ele só tem aprovado as diretrizes estratégicas para a criação da sigla que são apresentadas por Karina Kufa.

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Além da advogada e de Belmonte, o presidente conta com os trabalhos do ex-ministro do TSE Admar Gonzaga, especialista nos trâmites para criar siglas no Brasil, e do publicitário Sérgio Lima, que, em paralelo aos mutirões, ajudou a pensar a identidade visual e a estratégia digital da Aliança. Lima não só desenvolveu uma linha de comunicação voltada para pessoas simples e de direita, priorizando temas como família e patriotismo nas redes sociais, como também trabalhou num aplicativo para fazer a coleta digital de assinaturas. O mecanismo só não será utilizado porque o TSE não decidiu sobre sua legalidade e iria demorar a fazê-lo.

A ESTRATEGISTA - Karina Kufa: a advogada mantém linha direta com Bolsonaro
A ESTRATEGISTA - Karina Kufa: a advogada mantém linha direta com Bolsonaro (Reprodução/Instagram)

Bolsonaro também conta com a ajuda de aliados para viabilizar o projeto. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, vem se empenhando em conseguir o apoio do alto empresariado. À revelia do presidente, Skaf tem feito reuniões em que trata abertamente da necessidade de endossar a nova sigla. Seu objetivo é claro: deixar o MDB para disputar o governo de São Paulo pela Aliança em 2022 e conquistar a presidência do futuro diretório paulista, um posto até então destinado ao deputado-príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança.

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Embora o apoio de evangélicos seja considerado vital para a estruturação da nova legenda, esse tem sido outro ponto fraco da coleta. Expoentes da religião ofereceram a estrutura de templos para fazer os mutirões, como foi o caso do bispo Robson Rodovalho, cuja igreja Sara Nossa Terra tem 2 milhões de fiéis. Ele garante que só não pôs o movimento em prática porque não foi procurado por ninguém. “Eu me dispus a ajudar no processo, mas entendo que a estratégia é não me acionar”, diz. O deputado Silas Câmara (Republicanos-­AM), da Assembleia de Deus, também havia se interessado em auxiliar no negócio, assim como o apóstolo Renê Terra Nova, do Ministério Internacional da Renovação. Todos concordam que há falta de mobilização até aqui.

NAS REDES - Lima: comunicação digital para impulsionar coleta de assinaturas
NAS REDES - Lima: comunicação digital para impulsionar coleta de assinaturas (@sergiolima/Instagram)

A indefinição em torno da criação do partido para o pleito de 2020 arrefeceu o ímpeto de quem está de olho nas eleições municipais. O presidente afirmou na última semana que não vai se envolver nas disputas se a Aliança não conseguir o registro, mas tem feito acenos para virtuais candidatos que contam com seu apreço. Um deles é o deputado Otoni de Paula, que sonha em disputar a prefeitura do Rio de Janeiro. Conta pontos a seu favor o fato de ser um adversário de Wilson Witzel (PSC), governador fluminense que virou inimigo de Bolsonaro ao lançar sua candidatura para a Presidência em 2022. Aos demais aspirantes às eleições municipais, o capitão pediu que não haja envolvimento com siglas donas de um histórico de corrupção nem que sejam firmados compromissos. Ainda no Rio, negociações por um espaço no Republicanos envolveram o prefeito Marcello Crivella, que ofereceu a estrutura da Universal para coletar assinaturas para a Aliança. A impossibilidade de cumprir a promessa e a postura irredutível de Crivella em abrir mão da cabeça de chapa nas eleições fizeram com que as tratativas naufragassem. Hoje, o Patriota é o partido que tem a preferência dos bolsonaristas para ser uma “barriga de aluguel”. O presidente da legenda, Adilson Barroso, diz estar com as “portas abertas” aos interessados, mas ressalta que não servirá como trampolim. “Não pode vir para cá jurando parceria e sair”, afirma. No Congresso, alguns caciques torcem para que a Aliança não vire uma realidade a curto prazo. “Se o partido for criado, o envolvimento do presidente com disputas de poder municipais certamente atrapalhará o andamento da pauta econômica”, diz a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Nessa hipótese, a corrida contra o relógio da Aliança pode atrasar a vida do Brasil, tirando o foco do presidente de reformas fundamentais, como a administrativa. Com tantos desafios pela frente, inventar um partido logo agora é muita perda de tempo.

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Publicado em VEJA de 22 de janeiro de 2020, edição nº 2670

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