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Os candidatos profissionais que estão em todas e nunca são eleitos

Um levantamento inédito aponta a existência de uma turma que se lança nos pleitos, jamais decola, mas segue recebendo verbas do fundo partidário

Por Jana Sampaio, Ricardo Ferraz Atualizado em 13 nov 2020, 09h13 - Publicado em 13 nov 2020, 06h00

O Ministério da Economia lista mais de 2 600 profissões em atividade no país. Delas não consta, no entanto, uma função que dá o ar da graça infalivelmente a cada dois anos, nos meses que precedem as eleições: a do candidato profissional, que entra em toda e qualquer disputa de votos sem nunca vencer. Um levantamento com base em dados da Justiça Eleitoral, realizado pelo Movimento Transparência Partidária e obtido por VEJA, identifica 639 pessoas inscritas para o pleito municipal de 2020 que concorreram em cada uma das três votações anteriores. Quase metade não ultrapassou a escassa barreira dos 300 votos. Mas insiste em ingressar no páreo, é aceita pelos partidos e recebe verbas eleitorais generosas diante de suas chances pífias nas urnas.

Candidatar-se em si não é ilegal — o que causa estranheza aos observadores é a reincidência dessa turma que só coleciona fracassos. “Critérios objetivos, como a proporção entre os recursos investidos e o número de votos e as altas cifras destinadas a figuras que nunca prosperam, são indícios de irregularidades”, diz Marcelo Issa, diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária. O.k., pode haver nesse bolo os que estão exercendo sua cidadania e pensando no bem maior do país. Mas um olhar mais detalhado sobre os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suscita inevitáveis suspeitas de que existam aí postulantes servindo de laranjas ou hubs, como são chamados aqueles usados apenas para abonar transferências internas de recursos do partido.

No contingente dos candidatos profissionais, o comerciante José Gonzaga de Souza, aspirante a prefeito da pequena São Geraldo da Piedade, em Minas Gerais, neste ano pelo PL, confirma sem meias-palavras que já foi, sim, laranja. Ele concorreu a vereador pelo Partido Verde em 2016 e arrebanhou cinco votos. Dois anos depois, lá estava ele batendo ponto novamente: na luta para ser deputado estadual dessa vez pelo Avante, levou 161 votos. “Foi tudo uma falcatrua e acabei sendo usado como laranja, uma vez que surgiu na prestação de contas do partido um dinheiro em meu nome que nunca vi”, conta. “É o tipo de situação em que, no TSE, tudo parece de acordo com a lei, mas contém alto risco de desvio do Fundo Eleitoral, constituído de recursos públicos”, frisa Cláudio Couto, professor de ciências políticas da FGV-SP.

Entre os não eleitos contumazes, uma das campeãs é a empresária Elizabeth Oliveira. Em 2018, candidata a deputada estadual pelo MDB do Amazonas, ela recebeu da legenda quase 100 000 reais para a campanha, sendo que 50% foram gastos em viagens pelo estado de avião fretado. Para nada: Elizabeth teve 164 votos, ao custo de mais de 600 reais cada um. Pode-se argumentar que o MDB apostou fichas nela porque achou que era boa de urna, mas seu histórico não sustenta a tese — presente em todas as disputas desde 2008, Elizabeth contabiliza um total de 416 votos na vida. Procurada, atribuiu a baixa performance à vontade do povo, fazer o quê? “Não perco a fé. Enquanto for viva, vou concorrer”, promete. No MDB amazonense, a secretária Geralda (que não quis dizer o sobrenome) afirmou que “a gente não tem de dar explicações” e que “quem vive do passado é museu”. Há nesse rol de candidatos os que nem se dão ao trabalho de conquistar eleitores. Veterana, a vendedora carioca Dianascente Sant’anna (PDT), que adota o nome Índia, pleiteia uma vaga de vereadora no Rio de Janeiro, mas prefere alavancar colegas mais promissores. “Esse merece o nosso voto. É o meu candidato”, postou sobre um companheiro de chapa, sem citar a si mesma. Na eleição de 2018, ela foi escolhida por minguadas 29 pessoas.

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Embora disponha de tecnologia para realizar eleições seguras e confiáveis, o TSE não usa esse recurso para fiscalizar a aplicação de verbas ou conferir se as candidaturas registradas efetivamente se esforçam para chegar lá — o que, como se vê, não é tão trivial quanto parece. Em Cuiabá, Mato Grosso, a dona de casa Santina Felícia (PTB) desta vez tenta a Câmara de Vereadores — com um cabedal de 125 000 reais despendidos e 614 votos recebidos desde 2012. Mesmo assim, o partido insiste. “Ela é um quadro assíduo. Não podemos cercear seu desejo de se candidatar”, defende Roberto Bezerra, tesoureiro do PTB no estado. Se os motivos para insistir nesses candidatos são duvidosos, bem mais fácil é encontrar uma motivação para os 160 funcionários públicos que constam da mesma lista: estando em campanha, eles têm direito a uma licença remunerada que vai de três a seis meses. “Mas punir quem se afasta para aproveitar a licença exige comprovação inequívoca de simulação de candidatura, o que é complicado”, explica Michel Bertoni Soares, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP. Sendo assim, os profissionais da urna nem precisam ficar tristes com a apuração deste domingo, 15. Em 2022 tem mais.

Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713

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