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Os bastidores da guerra entre direita e esquerda pelos protestos de rua

Grupos de apoio e de oposição ao governo preparam manifestações em março para medir o tamanho da força que cada lado ainda tem

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 mar 2020, 10h14 - Publicado em 6 mar 2020, 06h00

Desde as megamanifestações contra o PT em 2015, março passou a ser conhecido como um mês tradicional de protestos no Brasil, assim como é lembrado pelas fortes chuvas que encerram o verão. Neste ano, a prática vai reproduzir nas ruas os (pouco produtivos e repetitivos) ares de polarização política do país. Movimentos de direita e de esquerda se preparam para inundar avenidas com gritos, cartazes e bonecos infláveis a favor e contra o governo de Jair Bolsonaro — aliás, ele foi o principal catalisador dos atos ao enviar vídeos, por meio do WhatsApp, com mensagens em que convoca os apoiadores a defendê-lo contra o Congresso. A visão distorcida é que os parlamentares interesseiros não deixam o capitão fazer o bem ao país. A iniciativa serviu como combustível tanto para a direita — que viu sua manifestação prevista para o dia 15 ganhar o apoio do líder — quanto para a esquerda, que se uniu contra a “ameaça” às instituições representada pelo presidente.

Só o tempo dirá se os atos levarão multidões às ruas e serão determinantes para impactar o cenário político — como foram em 2015 ao incendiar o clima para o impeachment de Dilma Rousseff. Até porque o acordo fechado pelo presidente com o Legislativo em torno da polêmica que envolve 30 bilhões de reais do Orçamento esvaziou bastante tal discurso (veja a reportagem na pág. 42). Mesmo assim, os grupos bolsonaristas continuam convocando manifestantes pelas redes sociais, agora em torno de uma genérica defesa do governo. Segundo análise do laboratório digital da FGV, houve um aumento de 550% nas citações à manifestação no Twitter nas 48 horas após a revelação de que Bolsonaro incentivava o protesto. Tais atos estão marcados em mais de 110 cidades em 26 unidades da Federação — a maior parte (trinta) no Estado de São Paulo. Só na Avenida Paulista, onde ocorrem geralmente as maiores aglomerações, há previsão de ao menos quatro trios elétricos. Como se vê, o Carnaval não termina no Brasil.

A movimentação da direita provocou a reação dos grupos de esquerda, que resolveram entrar de cabeça em manifestações já agendadas, numa tentativa de medir forças com o bolsonarismo. A atual onda terá ao menos uma novidade: os partidos, que antes ficavam acanhados em se apropriar dos atos, decidiram mergulhar na organização dos protestos. O PT, que lançou o país no caos econômico, e o PSOL, cujas defesas democráticas esbarram no apoio a regimes ditatoriais, passaram a divulgar cartilhas para organizar a militância nas capitais e cidades médias para os atos dos dias 8 (Dia Internacional da Mulher), 14 (em memória dos dois anos do assassinato da vereadora Marielle Franco) e 18 (movimento organizado por sindicatos e entidades ligadas à educação).

EQUILÍBRIO CASTIGADO – Boneco de Maia: criticado por direita e esquerda (Ricardo Moraes/Reuters)

A expectativa é replicar o que ocorreu em março de 2017 nos protestos contra as reformas previdenciária e trabalhista durante o governo Michel Temer, quando foram registrados atos em 130 cidades de 26 estados — foi a última manifestação na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de novo nas ruas após 580 dias preso pela Lava-Jato, compareceu e discursou. “O evento do dia 18 será o grand finale. O Bolsa Família e as aposentadorias diminuíram, o povo continua desempregado e a geladeira vazia começa a gritar. Nós entendemos que Bolsonaro não tem o mesmo apoio de quando foi eleito. E vamos medir essa temperatura agora com as manifestações”, afirma o líder do PT na Câmara, Enio Verri. Na terça 3, ele participou de uma reunião com mais sete siglas (PSOL, PCdoB, PSB, PDT, Rede, PV e até a novata Unidade Popular) para discutir os atos e selar uma união contra o que consideram “obscurantismo e autoritarismo” de Bolsonaro, ecoando palavras do ex-ministro e ex-­presidiário José Dirceu em artigo publicado nesta semana.

Do lado da direita, as manifestações contarão com a participação de um partido que nem foi homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral: o Aliança pelo Brasil, sigla criada pelo presidente, aproveitará o dia 15 de março para recolher assinaturas de apoiadores, que ainda estão bem aquém do mínimo exigido por lei. “Vamos fazer a coleta, sim, porque o ato é pró-Bolsonaro. Está tudo associado”, diz o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ). A própria ideia da manifestação nasceu em evento do Aliança, em fevereiro, segundo Edson Salomão, presidente do Movimento Conservador, um dos grupos que organizam a agitação bolsonarista (veja o quadro na pág. 39).

Após a repercussão negativa de cartazes digitais com mensagens ofensivas a líderes do Congresso, como Rodrigo Maia (DEM-RJ), e montagens incômodas, como a que trazia quatro militares com a inscrição “Vamos às ruas em massa, os generais aguardam as ordens do povo”, os movimentos começaram a baixar o tom. Mas o Parlamento e o grupo político de Maia continuam na mira. “Só queremos que o Centrão deixe o presidente trabalhar. Somos radicalmente contra qualquer pauta que sugira fechamento do Poder Legislativo e do STF”, afirma Ted Martins, líder do movimento São Paulo Conservador. Tão inevitável quanto os gritos de ordem contra Maia, Alcolumbre e ministros do Supremo Tribunal Federal, já vistos na última manifestação, em maio de 2019, será a aparição de seus bonecos infláveis (os famosos pixulecos). Maia, aliás, está injustamente numa posição de se­miuna­nimi­dade: ele é alvo também da esquerda, que é contra a agenda reformista da Câmara — paga-se um preço muito alto no Brasil de hoje por uma postura equilibrada.

GATOS-PINGADOS - Protesto de centrais sindicais em São Paulo contra a mudança na Previdência: derrota e baixo apoio (Zé Carlos Barretta/Fotoarena)

Embora as maiores e mais razoáveis organizações da direita, como o Vem pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL), não tenham anunciado a adesão ao protesto, os grupos menores contam com uma estrutura financiada por empresários como Otávio Fakhoury e Luciano Hang, que ajudaram a bancar os atos do impeachment de Dilma e as campanhas de bolsonaristas em 2018, para ir às ruas. Na esquerda, o apoio vem de velhas fontes: as centrais sindicais e os movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

Enquanto estimulam as manifestações abertamente, os principais líderes políticos de ambos os lados se mantêm reticentes em dar as caras nas ruas. Bolsonaro e seus filhos foram aconselhados por pessoas próximas a não ir aos atos, para evitar rusgas com o Congresso. Lula está na Europa, mas partiu dele a orientação para que o partido vá para as ruas, sem pedir o impeachment de Bolsonaro por enquanto. Ele deve ir ao protesto apenas se sentir que a mobilização será grande (algo difícil). Para especialistas, a estratégia de Bolsonaro é aquela que já se sabe: manter os seguidores em estado permanente de conflagração, com o objetivo de preservar a sua popularidade e continuar se apresentando como antipolítico. Segundo o diretor de Análise Política da FGV, Marco Ruediger, tal linha pode em algum momento “virar um tiro no pé”. “Ele mantém acesa a sua militância, mas também acende a do outro lado”, diz. O novo embate, enfim, busca testar o real apoio que cada um dos lados tem nas ruas. A direita mais radical quer mostrar que ainda tem musculatura e reforçar o seu compromisso com o bolsonarismo. A esquerda quer saber se tem tamanho para encampar uma guerra mais aberta contra os rivais no poder. Parafraseando o músico Antonio Carlos Jobim, são os protestos de março encerrando o verão. E abrindo a longa temporada eleitoral que só termina em 2022.

Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677

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