O semipresidencialismo que une um ministro de Bolsonaro a Gilmar Mendes
Na proposta do novo regime, o primeiro-ministro teria entre suas funções a elaboração de políticas econômicas e a articulação com o Congresso
Constitucionalista, o advogado José Levi Mello do Amaral Júnior reservava até pouco tempo espaço na agenda para debater com o ministro Gilmar Mendes, de quem é próximo, a adoção do semipresidencialismo no país. Por ironia do destino, o teórico que discutia aspectos jurídicos sobre um futuro regime de governo em que o presidente da República tem poderes diminuídos em favor de um primeiro-ministro é agora o chefe da Advocacia-Geral da União. Como auxiliar de Bolsonaro, Levi tornou-se responsável por defender as contendas do governo. Coube à AGU, até há pouco comandada pelo atual ministro da Justiça, André Mendonça, argumentar na Justiça, que Bolsonaro, ainda no regime presidencialista, teria poderes como o de determinar regras de flexibilização do isolamento social ou nomear quem bem entendesse para a diretoria-geral da Polícia Federal.
Com o esgarçamento do cenário político, nas últimas semanas o ministro Gilmar Mendes encaminhou a deputados e senadores que o procuraram uma antiga proposta sua em que defende a regime semipresidencialista. O texto prevê a figura de um primeiro-ministro, que passaria a ser o chefe de governo e teria entre suas funções, por exemplo, a escolha dos ministros de Estado, a elaboração de políticas econômicas e a articulação com o Congresso Nacional. Em cenários turbulentos, defende Mendes, o sistema semipresidencialista permitiria que primeiros-ministros pudessem ser destituídos se perdessem apoio político, sem provocar prejuízos à chefia de Estado, que continuaria a cargo do presidente, e sem a necessidade de vincular a queda de um governo ao cometimento de crime de responsabilidade, como é hoje nos processos de impeachment.
Por ora, a ideia de Gilmar Mendes é que o tema não seja apresentado para voto porque poderia indicar uma retaliação ao presidente da República. O ministro defende que o semipresidencialismo, se um dia for discutido a fundo, só seja implementado após o fim do mandato de Jair Bolsonaro. Chamado de primeiro-ministro por colegas deputados, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também diz que qualquer mudança de regime de governo só deve ser debatida depois de superada a pandemia do novo coronavírus.
Maia ressalta ainda que, se um projeto for votado, deverá deixar claro que o novo sistema só começará a valer depois de encerrado o ciclo presidencial de Bolsonaro. Ou seja: valeria a partir de 2023, se ele não for reeleito, ou de 2027, caso Bolsonaro conquiste um segundo mandato. Com essas regras, Maia quer impedir que o presidente use o debate do semipresidencialismo ou do parlamentarismo como prova de que há uma conspiração em curso contra ele.