Depois de uma longa e tortuosa via-crúcis de 141 dias para ver seu nome sabatinado e aprovado pelo Senado, o ministro André Luiz Mendonça estreia oficialmente nas sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima semana. Aos 49 anos de idade, o ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça inicia sua trajetória no Supremo devendo participar neste mês de dois julgamentos sobre a pandemia que devem, mais uma vez, impor duras derrotas para o governo do presidente Jair Bolsonaro, do qual Mendonça fez parte até agosto do ano passado. No próximo dia 9, o plenário da Corte deve se debruçar sobre a exigência do passaporte vacinal para os viajantes que chegam ao Brasil.
Esse julgamento começou no plenário virtual da Corte (uma plataforma digital que permite a realização de julgamentos longe dos olhos da opinião pública) em dezembro e já contava com 8 votos a favor da exigência até o ministro Kassio Nunes Marques suspender a discussão e apresentar um pedido de destaque, o que trouxe automaticamente o caso para o plenário físico, nas sessões transmitidas ao vivo pela TV Justiça. Para Kassio, primeiro ministro indicado por Bolsonaro ao STF, o tema é relevante e traz nuances, o que justifica um debate mais aprofundado – na prática, o pedido de destaque impediu que a discussão fosse concluída em 2021 e arrastou Mendonça para o julgamento.
Também está na pauta da Corte, para o mesmo dia, o julgamento de uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso (um dos alvos preferenciais de ataques de Bolsonaro) que suspendeu uma portaria do Ministério do Trabalho que proíbe a demissão de quem se recusar a vacinar contra a Covid-19. A tendência da Corte é a de manter a decisão de Barroso, frustrando mais uma vez a postura negacionista do presidente da República. Interlocutores de Mendonça sabem que, independentemente da posição que vier a ser defendida em seu voto, o ministro estará sujeito a críticas.
Mesmo sendo chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) e ministro da Justiça de Bolsonaro, André Mendonça pode participar dos julgamentos que discutem temas da pandemia. Isso porque em 2019 o plenário da Corte analisou uma “questão de ordem” decidindo que não há impedimento nem suspeição legal de ministros no julgamento de “ações de controle concentrado” de normas, como é o caso das vacinas agora. A análise da questão permitiu que Dias Toffoli e Gilmar Mendes – ex-chefes da AGU nos governos Lula e FHC, respectivamente – participassem naquela ocasião de um julgamento sobre a validade da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“Dizia o ministro Moreira Alves ser inconcebível um dos onze do Supremo ser tido como suspeito ou impedido. Concordo com ele, ante a envergadura da cadeira. Supremo são as onze cadeiras ocupadas. Já disse serem inconfundíveis o auxiliar do presidente e o ocupante da cadeira. A envergadura desta não permite suscetibilidades aguçadas”, disse a VEJA o ex-ministro Marco Aurélio Mello, cuja aposentadoria em julho do ano passado abriu a vaga preenchida por Mendonça. O ministro pretende ter um perfil discreto, fazendo votos concisos quando for para concordar com os colegas, e se espelha na figura de Ricardo Lewandowski, que o acompanhou em um culto após ser empossado no STF.
A chegada de Mendonça ao STF incrementa o número de ex-chefes da AGU que compõem o tribunal. Com um gabinete formado por cinco ex-servidores da AGU, é de se esperar que em matérias de natureza econômica o ministro fique mais sensível aos apelos da União e aos impactos financeiros de decisões que podem onerar ainda mais os cofres públicos. Na pauta de costumes, o magistrado deve adotar um perfil conservador. Caberá a Mendonça dar, por exemplo, o voto de desempate se mulheres transexuais podem escolher cumprir a pena em presídios femininos. O julgamento, iniciado em setembro do ano passado, está empatado em 5 a 5. Em matérias penais, o ministro se apresenta como “garantista” e trouxe para o gabinete um exemplar de “Derecho y razón: teoría del garantismo penal”, livro clássico de Luigi Ferrajoli.
Na época em que chefiou a AGU, Mendonça despachava diariamente com Jair Bolsonaro – agora, os contatos ficaram mais escassos e pontuais. O ministro telefonou para Bolsonaro para prestar condolências pela morte de Olinda Bolsonaro, mãe do mandatário. Os 141 dias de espera de André Mendonça fizeram com que o Supremo funcionasse por quatro meses e meio com um ministro a menos, o que na prática levou os demais integrantes da Corte a receber mais processos. Agora, o gabinete do ministro chamado de “terrivelmente evangélico” por Bolsonaro, mas que está mais para “terrivelmente moderado”, vai passar por um processo de compensação, o que fará com que receba mais casos que os colegas. O efeito da compensação deve ser diluído ao longo dos próximos dois anos. É pouco tempo, considerando que André Mendonça poderá ficar no Supremo até 2047.