Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O prefeito ‘hipster’ que tirou o PT da periferia

Obras da gestão Haddad que beneficiariam diretamente a população mais pobre mal saíram do papel. E o petista é hoje rejeitado no tradicional reduto eleitoral do partido

Por Carolina Farina 7 nov 2015, 15h52
  • Seguir materia Seguindo materia
  • “Um homem novo para um novo tempo”. Foi esse o mote da campanha que elegeu o petista Fernando Haddad em São Paulo há três anos. De fato, não foram poucas as novidades dessa gestão: nunca antes um prefeito da capital paulista pintou tantas faixas de ônibus e bicicletas sem o planejamento adequado. Ou gastou tanta energia em discussões sobre o fechamento da Avenida Paulista para carros aos domingos. E nunca antes um prefeito do Partido dos Trabalhadores esteve tão perto de perder uma eleição na periferia. Tradicional reduto petista, as ‘franjas’ paulistanas não parecem ter sido a prioridade da Haddad. Levantamento do site de VEJA com base em dados da própria prefeitura revela que boa parte das obras para melhorar o atendimento de saúde e educação em bairros pobres sequer saiu do papel (confira no mapa ao final da página).

    Publicidade

    O abandono ajuda a explicar a rejeição de Haddad pela população de baixa renda: o prefeito tem apenas 12% de aprovação entre os mais pobres, contra 23% entre os que têm renda familiar acima de dez salários mínimos, segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta semana. A situação é reflexo do foco da gestão do petista nas regiões centrais e em temas de maior ressonância. Para se ter uma ideia, enquanto a meta de implantação de faixas de ônibus foi atingida e superada (259,6%) e 260 quilômetros de ciclovias foram concluídos, nenhum dos três hospitais cuja construção foi prometida foi entregue. Para o cientista político Rui Tavares Maluf, o quadro é resultado da busca do prefeito por visibilidade. “Temas como as ciclofaixas acabam adquirindo uma dimensão muito grande, enquanto pontos mais relevantes para a mobilidade urbana, caso dos corredores de ônibus, são negligenciados. E são justamente esses que fazem uma grande diferença para a população”, avalia.

    Publicidade

    A pesquisa Datafolha tornou pública uma preocupação de parte dos aliados do prefeito. Diante desse cenário, há pouco mais de dois meses a gestão Haddad lançou um vídeo publicitário que tenta massificar a ideia de que há máquinas trabalhando nas regiões periféricas. As imagens, contudo, não conseguem esconder o fato de que muitas das construções mal saíram do chão. “São Paulo está em transformação, com obras para garantir saúde e educação onde a cidade mais precisa”, diz a propaganda. Ao fundo, correm imagens das obras do Hospital de Parelheiros, periferia da Zona Sul. Ou melhor, de um terreno onde os alicerces sequer foram erguidos – e que pode não ficar pronto antes das eleições do ano que vem. Procurada, a prefeitura informa que a previsão de entrega do hospital é no segundo semestre de 2016.

    Continua após a publicidade

    O quadro é melhor do que no bairro de Brasilândia, na Zona Norte, onde o terreno que deveria abrigar um hospital municipal ainda está em fase de terraplanagem. O Hospital Alexandre Zalo, na Zona Leste, é apenas um projeto – ainda não finalizado – no papel. Já o Santa Marina, na Zona Sul, comprado pela prefeitura e que será operado em parceria com o Albert Einstein, ainda está em reforma. Em situação semelhante estão as Unidades Básicas de Saúde (UBS) prometidas pela prefeitura: apenas quatro foram entregues, das 43 que constam no plano de metas, segundo dados da administração municipal. Outras dezesseis estão em obras.

    Publicidade

    “O Hospital da Vila Santa Catarina terá a reforma finalizada até o primeiro trimestre de 2016, e a maternidade já está em funcionamento. O novo Hospital Brasilândia está em obras, com previsão de ativação dos serviços até o final do ano que vem”, afirma, em nota, a administração municipal. “Duas Unidades de Pronto Atendimento foram entregues (UPA Vila Santa Catarina e UPA Campo Limpo) e treze estão em obras”, informou a assessoria de imprensa da prefeitura.

    Haddad é ainda o prefeito que entregou menos CEUs: apenas um, dos vinte prometidos. Oito das obras estão ainda em fase de licitação. A prefeitura afirma que o quadro é decorrente da ausência de transferências federais e que as construções agora são custeadas pelo Tesouro Municipal. Outro ponto importante para a população de baixa renda, as creches foram basicamente ignoradas: das 243 prometidas, 33 foram entregues. Para 35 projetos, a prefeitura sequer encontrou terreno. Boa parte dos terrenos nas regiões em que as creches se fazem necessárias é irregular – e justamente por isso a prefeitura não consegue comprar locais para erguer as obras. A administração municipal alega que a fila para vaga em creches era de 80.000 crianças em 2014 e caiu para 47.000 neste ano em decorrência de convênios e parcerias com o setor privado. “Ele não tem um plano de governo, tem um plano de marketing”, critica o vereador Andrea Matarazzo, líder do PSDB na Câmara paulistana. “Haddad define prioridades de dentro do Edifício Matarazzo. Numa cidade como São Paulo, é preciso ouvir a população em cada lugar”, completa.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    As críticas ao prefeito não estão restritas à oposição. Desde que assumiu, Haddad enfenta problemas com o próprio partido. Em questões como priorização de investimentos, estratégias de comunicação e loteamento da máquina municipal, ele frequentemente adota posições que divergem da sigla – e irrita a bancada petista na Câmara de Vereadores. Não sem razão, a avaliação do prefeito na periferia preocupa os vereadores do partido. Afinal, lá estão a maioria dos votos que eles recebem nas eleições. A ‘Tattolândia’, região sob influência da família Tatto na Zona Sul, e a Guaianazes dos irmãos Moura, na Zona Leste, são claros exemplos da importância das franjas da cidade para a eleição de petistas no município. Não raro os vereadores do partido se queixam das reclamações que recebem em suas bases.

    A outra ponta do embate Haddad x PT se dá na relação com o governo federal. Para além da estratégia do prefeito de focar sua gestão no Centro, a situação das obras na capital paulista é reflexo do não-envio das verbas prometidas pelo governo federal. Haddad chegou a entrar com processo judicial pela renegociação da dívida do município com a União antes de chegar a um acordo com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O petista tem tornado cada vez mais frequentes suas críticas ao Planalto, que, diante da crise financeira, não libera o dinheiro acordado com a prefeitura. Somente do PAC de São Paulo, Haddad esperava 9 bilhões de reais do governo federal. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, só 5% desse montante chegaram à cidade. Em recente visita a escolas municipais na Zona Norte, o prefeito afirmou que o Planalto descumpriu por duas vezes o prazo de envio dessas verbas.

    Publicidade

    Colocada em segundo plano, a população de baixa renda adere à onda de descrédito que abala o PT na maior cidade do país. Região paulistana com maior número de beneficiários do Bolsa Família (115.401, segundo dados de janeiro de 2014), a Zona Leste é aquela em que Haddad tem menor porcentual de intenção de votos, segundo o Datafolha: 8%, ante 16% do Centro. Tradicional reduto eleitoral do PT, a periferia se tornou uma das maiores dores de cabeça para o partido em São Paulo. O deputado Celso Russomanno (PRB) e a senadora Marta Suplicy (PMDB) despontam como os pricipais herdeiros desses votos, segundo o Datafolha. Enquanto Russomanno é apresentador de TV e conta com uma exposição diária de 10 minutos, durante os quais conversa diretamente com o público, Marta é detentora de importantes marcas na capital paulista, como os CEUs e o Bilhete Único. “Acho pouco provável, diante desse quadro, que Haddad chegue sequer ao segundo turno em 2016”, afirma Tavares Maluf. O petista ainda tem pouco mais de um ano de mandato pela frente e oito meses até que a campanha eleitoral engrene. Desde já está claro que seu maior desafio é reconquistar a periferia. E que para esse eleitor as demandas vão além das ciclovias, da redução da velocidade de vias ou de tomar a Paulista um parque a céu aberto aos domingos.

    Continua após a publicidade

    Ilustraçao - Mapa de Obras Haddad
    Ilustraçao – Mapa de Obras Haddad (VEJA)

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.