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‘Nós somos laranjas’, dizem onze candidatas do PSL à Câmara do Rio

VEJA ouviu das postulantes que o partido não lhes deu um centavo e só as colocou na disputa para cumprir cota

Por Jana Sampaio, Ricardo Ferraz Atualizado em 7 nov 2020, 10h25 - Publicado em 6 nov 2020, 06h00

A medida tem um propósito nobre e correto, o de levar maior diversidade às urnas, mas, na prática, a instituição de cotas obrigatórias de mulheres (desde a eleição de 2018) e de negros (a partir da deste ano) entre os candidatos de cada partido vem tendo resultados pífios. Faltando poucos dias para a votação municipal, um levantamento com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral mostrou que, das 33 siglas no páreo, só duas, as nanicas PCB e PSTU, cumprem à risca os requisitos de divisão de verbas nas chapas para as câmaras de vereadores. Mas há partidos que aproveitam a brecha ao registrar candidaturas só para fazer número, na figura dos deploráveis laranjas. Essa irregularidade, que já pipocou dois anos atrás em uma penca de agremiações, volta a marcar presença no PSL do Rio de Janeiro, de acordo com a denúncia de uma ala de candidatas que se referem a si próprias como representantes do laranjal.

SÓ NA PROMESSA - A candidata Chris Alvarenga e a troca de mensagens com um dirigente do partido (à esq.): “Apostei minhas fichas, me endividei e o PSL me deu as costas”, dispara – (Reprodução/Instagram)

VEJA ouviu onze candidatas à Câmara carioca que, acolhidas com a promessa de receber recursos para pôr a campanha na rua e sem nunca ter visto um centavo sequer, decidiram falar: “Estamos sendo usadas. Somos laranjas”, dispara Ana Maria Pereira, 51 anos. A lei prevê que a distribuição do dinheiro do Fundo Eleitoral, que constitui a principal irrigação financeira das campanhas, seja proporcional à participação de cada grupo na chapa registrada pelo partido. No caso das mulheres, a cota mínima é de 30%. Sigla que saiu do nada para eleger Jair Bolsonaro (ele se desfiliou no ano passado), o PSL terminou a eleição de 2018 alçado à condição de segundo maior partido na Câmara dos Deputados, atrás apenas do PT, e conquistou o direito de administrar nada desprezíveis 199 milhões de reais do Fundo Eleitoral. Evidentemente, tornou-se um ímã para aspirantes a prefeituras e câmaras de vereadores em 2020. No Rio de Janeiro, lançou 78 postulantes a vereador, sendo 26 mulheres — até aí, dentro dos conformes.

Ocorre que, do 1 160 207 reais da verba dedicada ao Rio, exatamente 1 015 987 reais foi derramado sobre as candidaturas masculinas, restando 144 220 reais — meros 12,4% do total — para elas. E mais: das 26 candidatas, 21 não receberam um tostão. Vale lembrar que esse não é o primeiro enlace do PSL com candidaturas de fachada. No início do ano passado, Adriana Borges, derrotada no pleito para deputada federal pelo PSL de Minas Gerais, denunciou ter sido penalizada pelo partido por não aceitar se envolver em uma espécie de “rachadinha” do fundo partidário, em um esquema que envolveu assessores do ministro do Turismo, Marcelo Álva­ro Antônio, e respingou até no presidente do PSL na época, Gustavo Bebianno, que morreu em março, e seu sucessor, Luciano Bivar, que seria indiciado pela Polícia Federal por crimes eleitorais.

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ESTÁ ESCRITO – Ata do PSL nacional que trata da distribuição de verbas aos candidatos, de
30 de julho deste ano: a garantia do repasse de 30% às mulheres não foi honrada; até agora, apenas cinco das 26 postulantes à Câmara dos Vereadores do Rio foram agraciadas – (./Reprodução)

Nestas eleições municipais que se avizinham, as candidatas do Rio alegam que não lhes foi dado o básico para que concorressem para valer. Até santinhos e bandeiras, entregues aos demais em setembro, só chegaram a elas em meados de outubro. Eleitora de Bolsonaro, a técnica em TI Sabrina Martins, 40 anos, diz que escolheu o PSL para estrear na política porque acreditava em seu perfil “de direita e cristão”. “Não achei que seria vítima dessa patifaria”, afirma. Assim como ela, diversas candidatas se endividaram contando com recursos que nunca vieram. “Contratei motorista, coordenadora de campanha, assessor para as redes sociais e cabos eleitorais. Estou devendo 13 500 reais. Como vou fazer para pagar esse pessoal?”, pergunta a servidora pública Sandra Hernandes, 61 anos. A ausência de repasses contraria o que está disposto na ata da reunião em que o partido definiu a partilha do Fundo Eleitoral, onde são garantidos aportes do diretório nacional às candidatas. “Me disseram, em várias reu­niões e ligações, que eu receberia 60 000 reais. Imaginei que conseguiria fazer uma campanha decente, mas fiquei a ver navios”, relata a servidora pública Luciana Tamburini, 40 anos, que concorre pela segunda vez. Luciana foi uma das que denunciaram o descaso ao Ministério Público estadual. Também a advo­gada Glória Jean, 56 anos, procurou o MP para delatar a situação. “Depois que decidi concorrer, chegaram a me dizer um absurdo, que mulheres não têm verba porque não sabem gastar”, reclama.

As candidatas ouvidas pela reportagem de VEJA têm em seu poder trocas de mensagens em grupos de WhatsApp em que as promessas de dinheiro aparecem assertivas, sem dar brecha à dúvida. Em 14 de maio, um dirigente do partido escreveu à auxiliar de escritório Chris Alvarenga, 35 anos: “Seu nome está aqui na listagem para receber 50 000 reais”. Ela se entusiasmou, mas, com o andar dos meses, foi se indignando com o silêncio da cúpula. Para tentar apaziguar os ânimos que àquela altura já ferviam, o deputado estadual Alexandre Knoploch, chefe do diretório municipal do PSL, convocou uma reunião na sede do partido, no Centro do Rio, em 19 de outubro. Acabou elevando ainda mais a temperatura. “Ele falou: ‘Não vou dar dinheiro para mulher gastar em sacanagem’”, lembra uma candidata que prefere manter o anonimato. Na ocasião, ele informou que os repasses às candidatas seriam indiretos, na forma de contador, material gráfico e produção de chamadas do programa de TV.

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MANCHA DO PASSADO – O ministro Álvaro Antônio (à esq.) e Bebianno, morto em março, ex-membros da cúpula do PSL: enredados no escândalo do laranjal – (Marcos Corrêa/PR; Ricardo Borges/Folhapress/.)

A manobra é controversa e foi considerada ilegal por três advogados consultados por VEJA. Eles enfatizam que o caso pode até levar à impugnação da chapa. “O espírito da lei é garantir candidaturas competitivas com recursos eleitorais e não um monte de laranjas que sirvam apenas para cumprir cotas”, frisa o advogado Marcelo Issa, presidente do instituto Transparência Partidária. Procurado, o PSL nacional diz que “tem até o último dia das eleições para cumprir as metas de distribuição” e que “os trâmites burocráticos podem acabar atrasando o encaminhamento de recursos”. Na leitura dos três advogados, isso fere o princípio elementar de dar chances a todos. Knoploch, por sua vez, rebate o uso do termo “laranja”. “Não se aplica a elas porque demonstraram interesse na disputa”, argumentou em nota.

Entre as cinco felizardas que receberam dinheiro do Fundo Eleitoral estão Luciane Santiago e Priscila Amaral, ex-assessoras do deputado federal Rodrigo Amorim, o mais votado do Rio e amigo pessoal de Knoploch. Rogério Amorim, irmão de Rodrigo, ganhou 170 000 reais. Chagas Bola, próximo do senador Flávio Bolsonaro (hoje no Republicanos, mas que também se elegeu pelo PSL), teve direito a 300 000 reais. “De que adianta agitar umas vinte bandeirinhas se não posso pagar a diária de quem trabalha para mim?”, questiona a empresária Graça Lemos, 58 anos. Catorze candidatas enviaram carta ao diretório estadual aventando a possibilidade de debandar caso os repasses não fossem realizados. A resposta veio em tom de ameaça: “Ganha verba quem não se volta contra o partido”, esbravejou Sargento Gurgel, presidente da sigla no estado. Enquanto isso, o PSL conta os dias para colher os frutos eleitorais.

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Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712

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