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Não saio de casa sem avaliar o risco, diz vereador do RS ameaçado de morte

Militante do movimento negro, Matheus Gomes (PSOL) registrou na polícia oito ameaças e diz que Porto Alegre se transformou em uma cidade bastante polarizada

Por Tulio Kruse Atualizado em 11 jan 2022, 13h15 - Publicado em 11 jan 2022, 12h43

O vereador Matheus Gomes (PSOL), de 30 anos, recebe ameaças desde o seu primeiro dia de trabalho na Câmara Municipal de Porto Alegre, em 1º de janeiro de 2021. Militante do movimento negro e líder estudantil na universidade, ele já enfrentou situações de intimidação e preconceito, mas as mensagens que recebeu nos últimos três meses são mais graves – o autor das ameaças demonstra conhecer os corredores da casa legislativa e menciona ataques a outras parlamentares. Após registrar oito denúncias por ameaças de agressão e até de morte, a rotina de Matheus já mudou, e ele não sai sozinho de casa e não vai a qualquer lugar sem fazer uma avaliação de risco dos lugares que visita. 

Há um ano, ele e vereadoras da bancada negra ficaram sentados e em silêncio durante a execução do hino estadual do Rio Grande do Sul. Eles apontavam conotação racista em um trecho da letra: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. As ofensas aos parlamentares foram imediatas. Desde então, episódios de racismo deixaram a população em alerta na capital do Rio Grande do Sul. 

Em abril, durante uma manifestação de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, um homem vestiu manto e capuz semelhantes às roupas usadas pelo grupo supremacista branco americano Ku Klux Klan (KKK) e encenou o enforcamento de um boneco negro no bairro Moinhos de Vento, na região central de Porto Alegre. Em outubro, o plenário da Câmara Municipal foi invadido por manifestantes que vestiam camisetas verde-amarelas e suásticas. Eles agrediram vereadores, que votavam a obrigação de se apresentar comprovantes de vacinação para frequentar eventos e locais públicos. Em dezembro, vereadores receberam ameaças de morte em mais de uma ocasião. 

“Porto Alegre foi pouco a pouco se tornando uma cidade mais conservadora, que abriga hoje movimentos políticos de extrema direita, neofascistas, que ganharam peso na cidade”, opina o vereador. “Criaram organizações para defender que a gente permaneça no lugar que sempre ficou, que é certamente uma posição subalterna”, completa.

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Ex-recenseador do IBGE, ele diz que a capital gaúcha é considerada a mais segregada racialmente no país: “Nós temos quase 100 bairros na cidade, e metade da população negra vive em apenas cinco deles”.

Os embates ideológicos marcaram o primeiro ano da nova legislatura da Câmara Municipal, que viu crescer tanto as bancadas de partidos de esquerda quanto de bolsonaristas.  Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Na sua opinião, por que os movimentos de extrema direita estão tão ativos em Porto Alegre? Essa é a contradição da minha cidade. Nós temos um dos movimentos negros mais organizados de todo o Brasil. Do outro lado, é também uma das capitais que mais apoiam Bolsonaro. Isso se explica pelo crescimento da desigualdade nas últimas décadas. A população negra está na base da pirâmide, tem os piores salários, as piores condições de vida, vive segregada em alguns poucos bairros. Ao mesmo tempo, temos locais nessa cidade com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) similar ao da Suíça e outros países nórdicos, onde 99% dos moradores são pessoas brancas com faixa salarial acima de dez salários mínimos mensais. E essas pessoas se organizaram politicamente. Criaram organizações para defender que a gente permaneça no lugar que sempre ficou, que é certamente uma posição subalterna. É um choque de classes sociais, de identidades raciais e de culturas, muito intenso. Esses sujeitos utilizam estratégias que, na minha opinião, não deveriam ser permitidos numa democracia.

O senhor se sente mais ou menos seguro hoje em relação à época em que não era vereador? Eu já não me sentia seguro. Em 2013, acabei sofrendo um processo de perseguição política muito intenso. Nós, que formamos o Bloco de Luta pelo Transporte Público para denunciar uma máfia que coordenava o transporte sem licitação e qualquer regulamentação, fomos acusados de ter formado uma organização criminosa. Eu vivi perseguição policial e diferentes formas de intimidação nas ruas, e felizmente fui absolvido em 2021. Então não me sentia seguro, mas ao entrar na Câmara Municipal e ter mais holofotes sobre a minha atuação política, nós acabamos atraindo também mais ódio desses grupos. Foram seis denúncias à Polícia Civil por ameaça de agressão, e duas de ameaça de morte, em 2021. Hoje, eu não posso sair de casa sem fazer uma análise de risco, é impensável estar na rua sem alguma forma de proteção. Isso já representou restrições à minha liberdade de ir e vir, eu era um cara que andava de ônibus por toda a cidade. 

Você é da segunda turma de cotistas da UFRGS. Como foi viver isso? Na minha primeira semana de aula na UFRGS, fui expulso da fila do restaurante universitário por um segurança que achava que eu não era estudante. Ele achava que estava ali para roubar alguém, para vender alguma coisa. Ele simplesmente me retirou à força da fila. Nos meus primeiros meses, fui barrado ao tentar entrar em biblioteca, a gente era intimidado pela segurança universitária. Não tenho dúvida em afirmar que a comunidade universitária não estava preparada para nos receber. Nós fomos sujeitos estranhos dentro da universidade, e ainda somos em certa medida.

 

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