Michelle Bolsonaro, envolvida em escândalo, decide partir para o ataque
Irritada com o envolvimento no caso das rachadinhas, a primeira-dama exige que o caso dos cheques seja esclarecido e quer processar detratores
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O cabelo repicado e na altura do ombro foi substituído por um long bob mais curto, ornado com um franjão lateral e pontas desfiadas. As luzes deram um ar mais jovial, mais moderno. Aos 38 anos, Michelle Bolsonaro também se submeteu a uma harmonização facial e contratou um assessor para melhorar sua performance durante as cerimônias de trabalho — muito tímida, ela ainda patina nos quesitos postura e oratória. Em eventos oficiais, as roupas mais justas começaram a ceder lugar a blazers bem cortados, assinados pelo estilista Ricardo Almeida, saias lápis acompanhadas de blusas de seda e vestidos longos e esvoaçantes. Para os comuns, cada peça dessas pode custar até 3 500 reais. Para a primeira-dama, nenhum centavo. O costureiro, que já foi responsável pelos ternos do ex-presidente Lula, diz que presentear autoridades com modelitos de sua coleção funciona como um senhor cartão de visita. “A Michelle é educada, bonita e elegante”, diz Almeida. “Não vejo a oferta das peças como cortesia, e sim como uma troca”, ressalta. A transformação da primeira-dama vai além da visual.
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Recentemente, Michelle apareceu como personagem lateral do barulhento inquérito que investiga um suposto esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Ao quebrar o sigilo bancário do ex-policial Fabrício Queiroz, apontado como o operador dos desvios, o Ministério Público encontrou depósitos feitos por ele e a esposa na conta da primeira-dama que somaram 89 000 reais. O episódio deixou Michelle indignada. A repercussão, especialmente nas redes sociais, provocou uma radical mudança de postura. A esposa passou a estrelar memes, foi alvo de xingamentos, recebeu ameaças e começou a ser chamada de “Micheque”. De acordo com um levantamento feito pela consultoria Quaest, o apelido foi replicado quase 9 milhões de vezes no Facebook, Twitter e Instagram entre os dias 22 de agosto e 21 de setembro. “A grande fragilidade de imagem do governo está associada à sua família. A campanha do ‘Micheque’ pegou e funcionou porque é produzida para a linguagem de internet, que é mais leve, simples e sarcástica”, afirma Felipe Nunes, cientista político e diretor do instituto.
Antes silenciosa, Michelle, desta vez, se prepara para uma guerra que pretende travar contra seus detratores virtuais. Assessores da família presidencial têm passado um pente-fino nas redes sociais montando um enorme acervo com todos os ataques que a primeira-dama sofreu nas últimas semanas. A ideia é gerar uma onda de processos. Até uma banda de rock está na mira. Logo depois da divulgação dos depósitos, o grupo Detonautas gravou uma sátira que já teve quase 700 000 visualizações no YouTube. Diz a canção: “Hey, Michelle, conta aqui para nós. A grana que entrou na sua conta é do Queiroz?”, enquanto o clipe mostra imagens de gado (como são chamados nas redes os apoiadores de Bolsonaro) e de laranjas. Os assessores da primeira-dama veem crime de injúria e difamação.
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O caso também provocou fissuras no Palácio da Alvorada. Dura com o marido, Michelle exigiu que ele tirasse o problema de suas costas. O presidente até chegou a ensaiar uma resposta no fim de agosto, quando listou entre os tópicos que abordaria em sua live semanal a explicação sobre os depósitos na conta da companheira. “Botar um ponto-final na questão envolvendo Queiroz e a primeira-dama”, previa o roteiro. Ao lado da ministra Damares Alves, o presidente falou por quase uma hora sobre os mais diversos temas, mas nem tocou no assunto dos pagamentos à mulher. A citação da primeira-dama no caso Queiroz também tira o presidente do sério. Recentemente, ao ser questionado por um jornalista sobre o motivo do pagamento a Michelle, Bolsonaro disse que tinha vontade de “encher a sua boca de porrada”. Se gostaria de manter a mulher longe dos holofotes, o presidente conseguiu o efeito contrário. Após a reação explosiva, uma publicação, repetida inclusive por celebridades, tomou conta das redes sociais: “Presidente, por que a sua esposa recebeu 89 000 reais de Fabrício Queiroz?”.
Um mês depois, Bolsonaro pretende esclarecer o caso. Nos últimos dias, o presidente e seus assessores fizeram uma varredura em extratos de suas contas bancárias. O esforço é para comprovar a versão de que os pagamentos da família Queiroz eram decorrentes de um empréstimo informal que o ex-assessor pediu a Bolsonaro. Essa foi a primeira explicação que o presidente deu quando a notícia sobre os depósitos iniciais veio à tona, em 2018. À época, sabia-se apenas de transferências de Queiroz para Michelle no valor de 24 000 reais. Bolsonaro, então, afirmou que o total era maior e que seria referente a um dinheiro que Queiroz lhe pediu emprestado. Interlocutores do presidente afirmam que “muito em breve” ele vai apresentar os comprovantes que sustentam a explicação original. Ao levantar extratos antigos, o presidente pretende provar que os 89 000 reais saíram de suas contas como empréstimo ao amigo Queiroz e a quitação da dívida se deu através da conta da esposa.
![Michelle-Bolsonaro](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2020/09/Michelle-Bolsonaro-1.jpg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Sempre discreta, Michelle se manteve praticamente invisível nos dois primeiros anos do governo. Mas isso também deve mudar. O maquiador uruguaio Agustin Fernandez se tornou um dos principais confidentes da primeira-dama. Influenciador digital, ele conta com quase 3 milhões de seguidores em uma de suas redes sociais e vem ajudando Michelle a definir agendas e estratégias que lustrem a sua imagem. Uma dessas incursões ocorreu neste mês, quando a primeira-dama visitou a Casa Rosa, uma instituição destinada a atender o público LGBT em situação de vulnerabilidade social e psicológica. “O Bolsonaro já se mostrou homofóbico e contra a causa gay. Tive de explicar aos nossos colaboradores o motivo de ter recebido a primeira-dama”, conta Marcos Tavares, fundador do local. A impressão que ele ficou de Michelle, diz, é diferente da que o marido carrega. “Ela conhece a causa e o movimento gay. Isso está no olhar dela, no jeito de falar”, afirma. Ao grupo, Michelle prometeu entregar mais de 1 000 cestas básicas até dezembro e fornecer cursos de capacitação e graduação. Também partiu de Agustin a ida de Michelle a um centro de adoção de cachorros de rua. A primeira-dama acabou levando para casa dois cães vira-latas — um aguardava adoção fazia quase um ano e o outro, cego, era tratado no abrigo como um que dificilmente ganharia um novo dono. O cão deve ser submetido a uma cirurgia para tentar reverter a cegueira nos próximos dias. Os dois já ganharam um perfil nas redes sociais. Durante a pandemia, Michelle também distribuiu sabonetes, alimentos e agasalhos a moradores de rua, visitou desabrigados em um hotel provisório, participou de uma campanha de doação de sangue e representou o presidente em eventos sociais — tudo devidamente fotografado, divulgado em redes sociais e acompanhado milimetricamente por institutos que medem o alcance e a popularidade de cada uma das postagens. A primeira-dama mudou.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706