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Lula livre

A democracia brasileira merece procuradores menos afoitos e juízes imparciais

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 4 out 2019, 11h30 - Publicado em 4 out 2019, 06h00

O mundo gira, a Lusitana roda, e eis que nos últimos dias a turma do “Lula livre” se converteu ao “Lula preso”. “Não troco minha dignidade pela liberdade”, escreveu num bilhete o ex-presidente, rejeitando a libertação por ter cumprido um sexto da pena, ainda mais se vier com a imposição da tornozeleira eletrônica. A cúpula do PT fez coro. Em vez da soltura por progressão da pena, eles apostam na condenação do juiz Moro por suspeição, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, e na consequente anulação do processo sobre o tríplex do Guarujá. Lula ganhará de quebra, nesse caso, a ficha limpa que lhe permitirá concorrer em eleição.

Seja de uma forma ou de outra, e em que pese a esdrúxula campanha petista do “Lula preso”, soou a hora de o ex-presidente reganhar a liberdade. Lula é um travo engasgado na política, na imagem e na história do Brasil. Sua libertação é condição para começar a desengasgá-lo. Num primeiro momento as hostes do ódio gritarão, mas o rio da política será reencaminhado a um leito sem o incômodo desvio para um quartinho na sede da Polícia Federal em Curitiba, e, como mandam as regras, o jogo voltará a ser jogado com todas as peças no tabuleiro. Na frente externa a imagem do Brasil oferecerá uma face a menos a ser fustigada. E para o registro da história se abrandará a suspeita de que Lula inaugurou as investidas da Justiça brasileira contra ex-­presidentes por ser, entre eles, o de origem mais pobre.

“A democracia brasileira merece procuradores menos afoitos e juízes imparciais”

Lula tem outros processos a responder, e poderá vir a ser preso de novo. Mas que da próxima vez seja em processos com mais escrúpulos da parte de acusadores e julgadores e menos imbricação com o calendário eleitoral. O juiz Moro soltou a fita ilegal da conversa entre Lula e Dilma no auge do processo de impeachment, em 2016, e divulgou a delação do ex-ministro Palocci às vésperas do primeiro turno, em 2018. Com a contribuição do site The Intercept Brasil, só cresceram os indícios de uma condenação com provas de menos, partidarismo de mais e vícios no processo. A última evidência contra a equipe de Curitiba está no recém-lançado livro do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, Nada Menos do que Tudo.

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No capítulo com o sugestivo título “O objeto do desejo chamado Lula”, Janot narra a visita de cinco integrantes da força-tarefa, Deltan Dallagnol à frente, que vinham lhe pedir pressa na denúncia do PT como organização criminosa. Deltan tinha acabado de encenar seu bombástico número do PowerPoint, em que Lula estaria no centro de uma organização criminosa, culpado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ora, o caso de organização criminosa, envolvendo integrantes com prerrogativa de foro, cabia ao STF, não a Curitiba. A ação de Janot era necessária para embasar o conteúdo do PowerPoint, pois sem organização criminosa não poderia haver corrupção passiva nem lavagem de dinheiro, e a denúncia cairia no vazio. Janot negou-se a respaldá-los naquele momento; só o fez mais adiante.

O Ministério Público do Paraná, num gesto incomum, pede a execução da progressão da pena a que Lula tem direito. Pode ser sinal de sentimento de culpa. Não é só Lula que merece procuradores menos afoitos e juízes imparciais. É principalmente a democracia brasileira. Também é a democracia brasileira que exige disputas políticas decididas nas urnas, e não com o encarceramento preventivo de um ou mais competidores. A libertação de Lula nos devolverá um ambiente menos saturado de suspeitas e um país mais digno.

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No já histórico vídeo do “basta um soldado e um cabo para fechar o STF”, o deputado e eventual futuro embaixador Eduardo Bolsonaro baseia sua argumentação na ausência de apoio popular à Corte suprema. “Que é o STF?”, pergunta. “Tira o poder da caneta de um ministro, quem ele é na rua? Se prender um ministro do STF, você acha que vai haver manifestações populares, milhões na rua gritando: ‘Solta o Gilmar, solta o Gilmar?’ ”. Na segunda-feira 30, o ministro Gilmar Mendes suspendeu as investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro e seu parceiro Queiroz.

Bolsonaristas e lavajatistas já abraçaram a mesma causa. O enrosco de Flávio com rachadinhas e otras cositas provocou a cisão. Investigação é boa para a família dos outros. O alto patrocínio de Gilmar Mendes aos reclamos da defesa de Flávio impõe a correção da hipótese contida no vídeo de Eduardo. Vindo Gilmar a ser preso, prevê-se que os Bolsonaro encabeçarão o coro das multidões: “Solta o Gilmar!, solta o Gilmar!”.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

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Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2019, edição nº 2655

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