Jair Bolsonaro foi a resposta que as urnas deram aos anos de governo petista, marcado por escândalos de corrupção e pela maior crise econômica do país. Trata-se de uma versão com sinal trocado de Lula, que também alimentava um discurso extremamente sectário, perseguia adversários políticos, atacava a imprensa e utilizava adversários imaginários para justificar os próprios fracassos.
A direita chega ao poder com um representante que nem sequer conhece o conceito de “direita”. Defensor de uma política econômica nacionalista e intervencionista, Bolsonaro nomeou uma equipe liberal para o Ministério da Economia por puro pragmatismo, assim como Lula assinou a Carta aos Brasileiros para acalmar o mercado.
Além disso, apesar de ser frequentemente rotulado pela imprensa de “conservador” — a péssima qualidade do jornalismo e a falta de preparo de alguns jornalistas mereceriam outro artigo —, Bolsonaro está bem longe de respeitar o princípio mais caro aos conservadores: a prudência. Um conservador respeita as boas tradições e os principais frutos delas: as instituições. Isso inclui o Parlamento, o Judiciário, a imprensa, a Polícia Federal etc. Bolsonaro sempre faz questão de deixar claro que não tem o mínimo apreço por nenhum desses órgãos.
Durante a reforma da Previdência, a principal bandeira do governo, o presidente sumiu do debate público e só apareceu no final para defender uma medida que desidratava a proposta e contrariava o ministro Paulo Guedes: o destaque que garantiu privilégios aos policiais federais.
Além disso, o presidente, numa tentativa cada vez mais escancarada de proteger o filho, o senador Flávio Bolsonaro, de investigações que envolvem o desvio de salário de assessores, ataca cada vez mais a pauta anticorrupção. Nomeou um crítico da Operação Lava-Jato para a Procuradoria-Geral da República, vetou o Projeto de Lei Nº 2121/19 — que limitava o poder de decisões monocráticas proferidas por ministros do STF —, sancionou a emenda do deputado Marcelo Freixo que instituiu o chamado juiz de garantias e já sinalizou que nomeará André Mendonça, ex-assessor do ministro Dias Toffoli e atual advogado-geral da União, para o STF, descumprindo a promessa de indicar o ministro Sergio Moro para a vaga.
Com tudo isso em mente, vamos à triste realidade: Bolsonaro aposta na polarização mais superficial e radical possível para ir ao segundo turno com o PT novamente em 2022. Pior: mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, sua estratégia tem tudo para dar certo. Se o cenário de 2018 se repetir, organizações como o MBL serão obrigadas a declarar voto útil no presidente mais uma vez. Isso porque não há na direita nenhuma perspectiva de viabilizar outro nome para a Presidência da República.
“É um erro monumental viabilizar projetos de ‘centro’. O termo remete ao ‘Centrão’ fisiológico”
Em meio a esse tiroteio, alguns grupos políticos tentam viabilizar projetos de “centro”. É um erro monumental. Primeiro porque o termo remete ao “Centrão”, grupo de parlamentares fisiológicos que não debatem o país nem possuem grandes convicções, votando apenas de acordo com o número de cargos e a quantidade de emendas que conseguem liberar junto ao governo. Parece-me pouco inteligente, do ponto de vista da propaganda, utilizar um nome extremamente vinculado à corrupção. Segundo porque ninguém quer saber de político que fica em cima do muro. O eleitorado exige posicionamento, discurso claro, lado definido. Isso não significa polarizar de maneira radical e superficial, fechando-se ao diálogo com quem pensa diferente, mas ter pensamento e posições cristalinas, de modo que o eleitor identifique uma visão de mundo para se sentir representado.
Apostar as fichas em Bolsonaro novamente em razão da tímida recuperação econômica seria um erro fatal para a direita. Como já foi dito, ele não é um liberal convicto e, como constrói um projeto extremamente personalista, poderá dar um giro de 180 graus quando quiser, cedendo à sua ânsia intervencionista ao primeiro sinal de crise.
Além disso, seria abrir mão dos valores do liberalismo político. Assim como Lula sufocou concorrentes em seu espectro ideológico — Marina Silva e Ciro Gomes, por exemplo —, Bolsonaro utiliza seu microfone presidencial e toda a sua rede digital para assassinar a reputação de qualquer direitista que lhe teça críticas, seja do MBL, seja do Partido Novo, ou até mesmo a deputada Janaina Paschoal, apoiadora de primeira hora e filiada ao ex-partido do presidente.
Precisamos fugir dessa estratégia quase orwelliana de passar a mão na cabeça do governo para evitar o mal maior do PT. Não é porque as coisas estão razoavelmente melhores do que antes que devemos deixar de criticar Bolsonaro e seu projeto de poder personalista. Pelo contrário: é dever de qualquer indivíduo que se diga direitista ser extremamente cético em relação ao poder e aos poderosos.
Do mesmo modo que combatemos a patrulha petista, regada a dinheiro público e absolutamente intolerante a qualquer crítica ao ex-presidente Lula, devemos combater a patrulha bolsonarista. Chegamos ao cúmulo de ter uma militância direitista fanática o suficiente para censurar moralmente um humorista — Danilo Gentili — simplesmente por ele ter feito piada com o presidente da República. É praticamente a consolidação de uma espécie de “CUT azul”.
Como já disse Benjamin Franklin: “Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança”.
* Kim Kataguiri é deputado federal (Democratas-SP) e coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL)
Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674