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Interesses políticos e lobbies podem dificultar tramitação do arcabouço

Texto do projeto com novas regras para substituir 'teto de gastos' será enviado ao Congresso na próxima semana, mas caminho para a aprovação deve ser longo

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 abr 2023, 09h56 - Publicado em 8 abr 2023, 08h00

O governo vai enviar ao Congresso na próxima semana o texto do projeto que estabelece as novas regras para substituir o chamado “teto de gastos”. Em linhas gerais, serão apresentadas as medidas que o Ministério da Fazenda pretende implementar para garantir o equilíbrio entre as receitas e as despesas — premissa essencial e urgente na busca da estabilidade econômica. Os mais otimistas consideram a possibilidade de o novo arcabouço fiscal ser analisado, votado e aprovado na Câmara dos Deputados até o fim de abril. Os mais realistas preveem um caminho bem mais longo pela frente. Isso porque a proposta envolve uma miríade de interesses — políticos, empresariais, corporativos e eleitorais. Até aqui, o projeto já dividiu o PT, provocou divergências dentro do próprio governo, mexeu com os brios do mercado, gerou uma intensa disputa de poder entre parlamentares e acelerou a pressão pela liberação de emendas e cargos federais. E é só o início.

O fato é que o presidente Lula chega aos 100 dias de governo numa situação bem distinta do clima de lua de mel que ele manteve com o Congresso no início dos seus dois primeiros mandatos. Sem uma base mínima de apoio, hoje o Planalto não tem, sequer, a garantia de que um aliado assumirá a relatoria do projeto. Os embates, entendimentos e desentendimentos começam a partir desse ponto. Há uma lista enorme de candidatos ao posto. O relator é uma espécie de “senhor do destino” de qualquer projeto. Cabe a ele elaborar o parecer que será votado no plenário, acatando ou não sugestões de mudança — no fim, a proposta pode ser apreciada sem alterações da versão original ou ter seu conteúdo parcial ou totalmente descaracterizado. Por conta desse poder extraordinário, relatores de projetos importantes ganham dimensão política e, consequentemente, tornam-se os principais alvos dos mais diversos lobbies.

OPOSIÇÃO - Ciro Nogueira: “Do jeito que está, será uma surpresa se for aprovada”
OPOSIÇÃO - Ciro Nogueira: “Do jeito que está, será uma surpresa se for aprovada” (Edilson Rodrigues/Agência Senado)

A escolha do relator do arcabouço fiscal cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que já avisou que a tarefa será designada a um deputado “equilibrado” — mas do seu partido, o PP, cujo presidente é ninguém menos que o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-chefe da Casa Civil de Jair Bolsonaro. Não é uma boa notícia para o governo. Entre os nomes citados até agora, o do deputado Claudio Cajado (PP-BA) é o que desponta como favorito. O motivo? Ele é um dos parlamentares mais próximos de… Ciro Nogueira, e chegou a assumir o comando do partido quando o senador ocupava o cargo de ministro. Os governistas, especialmente os petistas, se mostram pouco à vontade com a situação. Afinal, a sigla que se alinhava ao governo Bolsonaro até um dia desses será a dona da agenda econômica do país. Para se ter ideia do que está em jogo, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, definiu o arcabouço fiscal e a reforma tributária que virá na sequência, respectivamente, como as balas “de bronze e de prata” da economia. Os dois projetos ficarão sob a égide de Lira e Nogueira.

OS CANDIDATOS - Cajado e Mendonça Filho: disputa pela relatoria do projeto movimenta os partidos
OS CANDIDATOS - Cajado e Mendonça Filho: disputa pela relatoria do projeto movimenta os partidos (Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados; Billy Boss/Câmara dos Deputados)

A disputa pela relatoria começou muito antes de o projeto ser anunciado. Inicialmente, num acordo que envolveu o PP e o governo, chegou-se a cogitar para a função o deputado Mendonça Filho (União-PE), ex-ministro de Michel Temer. A indicação atenderia a duas necessidades: seria bem recebida pelo mercado e, ao mesmo tempo, serviria como um agrado ao União Brasil, que, apesar de já ter sido contemplado com três ministérios, reclama por mais espaço no governo. Mas não deu certo. Agora, os agrados precisarão ser feitos tanto aos parlamentares do União quanto aos do PP, que reclamam da demora na liberação de emendas e dos cargos no segundo e terceiro escalões. “Acreditamos que na pós-Semana Santa já haja a definição do relator pela Câmara para que a gente possa iniciar toda a tramitação dentro do Congresso Nacional do novo marco fiscal”, disse o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. Em uma conversa mais objetiva que teve com um parlamentar logo depois, o ministro prometeu que as demandas dos congressistas serão resolvidas até meados de abril.

A seu favor, o governo espera contar com a boa vontade de um Congresso mais reformista e que tende a priorizar a agenda econômica em detrimento das disputas partidárias e dos interesses individuais. O clamor nesse sentido é urgente. Uma pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que o pessimismo com a economia aumentou, atingindo 26% da população, que dizem acreditar que haverá uma piora nas contas públicas. A proposta do governo estabelece um novo desenho para as regras fiscais do país, com previsão de reduzir o déficit, estimado em mais de 100 bilhões de reais neste ano, a zero já em 2024. Ainda não está claro como isso será feito.

OTIMISMO - Simone Tebet e Haddad: romaria entre os parlamentares para explicar as linhas gerais da proposta
OTIMISMO - Simone Tebet e Haddad: romaria entre os parlamentares para explicar as linhas gerais da proposta (José Cruz/Agência Brasil)

Na apresentação da proposta, cujo detalhamento será encaminhado ao Congresso a partir da semana que vem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, garantiu que não haverá aumento de impostos. O equilíbrio entre as receitas e as despesas será atingido acabando, entre outras coisas, com “abusos” de grandes empresas. No desafio de aprovar sua regra fiscal, o ministro da Fazenda tem feito uma romaria entre os parlamentares para explicar as linhas gerais da proposta — uma sugestão do presidente da Câmara, que já avisou em alto e bom som que o governo não tem uma base robusta. Haddad já se reuniu com lideranças aliadas e de oposição para apresentar os pilares do projeto, que visa a ampliar a receita em até 150 bilhões de reais para atingir a meta de equilíbrio das contas públicas. A intenção do ministro, em linhas gerais, foi bem recebida pelos congressistas. A questão é saber de onde tirar o dinheiro — provável ponto de partida para outras dificuldades políticas que se apresentarão. O ministro antecipou que a ideia é dar andamento a um pacote de medidas que visa a taxar os sites de apostas eletrônicas, tributar empresas de e-commerce, principalmente as estrangeiras, que driblam as regras da Receita Federal — o que Had­dad chamou de “contrabando” — e alterar regras de incentivos fiscais dados pelos estados a empresas.

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Nada disso ainda está formalizado, mas só o anúncio sobre as intenções do governo já movimentou alguns setores. Na última semana, oito times de futebol, entre os quais gigantes como o Flamengo e Palmeiras, emitiram nota conjunta exigindo uma “participação direta” nas discussões sobre a regulamentação das apostas on-line, alegando um “risco de colapso” da atividade, já que o futebol é o esporte que gera o maior volume de transações dessas plataformas. Por questões eleitorais e mesmo clubísticas, há um bom número de deputados dispostos a defender os interesses dos grandes times. Além disso, empresários também já bateram à porta de deputados, advertindo que os números aventados pelo governo estão inflados e que as medidas anunciadas na prática significam um risco para a sustentação financeira das equipes e das empresas.

“CONTRABANDO” - Importações: pacote de medidas prevê taxação de empresas de e-commerce e sites de apostas
“CONTRABANDO” - Importações: pacote de medidas prevê taxação de empresas de e-commerce e sites de apostas (Matt Mawson/MOMENT/Getty Images)

Além dos lobbies como esse, que podem atrapalhar a tramitação dos projetos, há a preocupação de que os parlamentares incluam no pacote mecanismos que resultem em aumento de gastos, o que não é improvável. Do lado do governo, no entanto, a confiança é absoluta. “Eu penso que o Congresso Nacional está realisticamente otimista. Por que eu digo que é realista esse otimismo? Porque com quem você conversa, da oposição à situação, todo mundo fala: ‘Nós precisamos aprovar a nova regra fiscal e a reforma tributária. Isso não é o governo, é o estado brasileiro que está em jogo”, avalia Fernando Haddad. A realidade, porém, é menos fluida. Um dos cotados a assumir a relatoria das propostas disse a VEJA que, após o seu nome entrar no rol dos possíveis indicados, seu telefone não parou de tocar. Eram representantes de diversos setores da economia — todos se dizendo preocupados com o arcabouço e suas implicações. “Com certeza a gente vai propor muitos ajustes, pensando no país, na economia, na inflação. Do jeito que está, será uma surpresa para mim se a proposta for aprovada. Tem muita resistência”, disse a VEJA o senador Ciro Nogueira. Os percalços, de fato, serão muitos.

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836

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