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Hugo Chávez vem ao Brasil em momento ruim – para ele e para Dilma

Encontro entre os presidentes do Brasil e da Venezuela seria em maio, mas foi remarcado um dia antes da divulgação de dados sobre as Farc

Por Adriana Caitano
4 jun 2011, 06h39

Na segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff recebe a visita de um vizinho incômodo: o coronel Hugo Chávez. O presidente-ditador da Venezuela acaba de ter suas ligações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) descortinadas pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês). E tudo o que Dilma não precisa neste momento – em que enfrenta a pior crise de seu governo por causa da mal explicada multiplicação do patrimônio de seu ministro da Casa Civil, Antonio Palocci – é que as ligações dos narcoguerrilheiros também com figuras do seu partido, o PT, fiquem ainda mais em evidência. O primeiro encontro político com Chávez, portanto, deverá dar o tom de como Dilma vai tratar o caudilho venezuelano em seu governo – se com a mesma reverência que seu antecessor, o ex-presidente Lula, ou com um distanciamento crítico.

O visitante falastrão sempre teve ideais, no mínimo, ousados. Desde que assumiu o comando da Venezuela, em 1999, Chávez tenta se colocar como uma liderança capaz de mobilizar todos os governantes da América Latina a seguirem seu modelo de política, o que ele chama de “socialismo do século XXI” ou “Revolução Bolivariana”. Em nome da união dos países vizinhos, ele queria implantar a igualdade social e a democracia moderna.

No entanto, a versão chavista da romântica ideologia de Simon Bolívar, assim como a original, ficou só na utopia. E ele acabou se aproximando mais da figura de um fascista. “Chávez é hoje o Mussolini tropical”, comenta Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, estudioso da América Latina que viveu seis anos na Venezuela.

Utopia – Em termos práticos, a intenção do coronel sempre foi se manter no poder ad eternum, manobrando as massas com medidas populistas – como a transferência direta de renda – e exterminando, literalmente, qualquer reação contrária, seja da imprensa ou de oposicionistas. Tudo com democracia, ele garante.

Em busca de seu ideal bolivariano, o coronel passou a ser o maior palpiteiro das Américas. Em toda eleição presidencial dos países latinos, ele aparece em público apoiando ostensivamente o candidato que mais contempla seus interesses, como foi o caso do Chile, do Peru e até do Brasil. Em 2008, tomou as dores de seu amigo Evo Morales, presidente da Bolívia, que estava ameaçado por manifestantes oposicionistas amparados pelos Estados Unidos: expulsou da Venezuela o embaixador americano e ofereceu apoio armado ao país vizinho.

Mesmo com todas as investidas, o caudilho manteve a seu lado de fato somente quatro dos 20 países da América Latina: Nicarágua, Equador, Cuba e Bolívia. Em outros três – Argentina, Paraguai e Uruguai -, algumas práticas chavistas chegaram a ser incorporadas em alguma medida. A presidente argentina Cristina Kirchner, por exemplo, adotou recentemente o modelo de mercados populares com venda de produtos diretamente ao consumidor e com preços tabelados pelo governo, para amenizar os efeitos da inflação no bolso dos mais pobres. Mas nenhum desses três países se diz abertamente a favor do questionável chavismo.

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Para o especialista em América Latina e integrante do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint-USP), Alberto Pfeifer, o desejo do ditador de ser o grande herói da região, porém, sequer passou perto de ser concretizado. “Chávez não é uma liderança crível, seu posto de líder regional nunca existiu de fato, ele é que se apresentou como tal, mas nunca granjeou apoio suficiente”, comenta. “Ele hoje está mais próximo de ser um sheik do Oriente Médio, já que não vive sem petróleo, do que um líder latino americano”.

Farc – No último mês, a divulgação da análise do material apreendido com o ex-líder das Farc conhecido como Raúl Reyes, morto em 2008, não só confirmou o espírito intervencionista de Hugo Chávez, como destacou sua falta de limites para conseguir o que quer. O governo colombiano encara os narcoguerrilheiros como terroristas que já provocaram a morte de milhares de pessoas e os combate há décadas. Os arquivos demonstraram, porém, que o presidente da Venezuela, desde o seu primeiro mandato, incentivava às escondidas financeira e politicamente as ações armadas do grupo, enquanto publicamente oferecia-se como mediador de conflitos.

Os e-mails encontrados nos computadores de Reyes e analisados pelo IISS indicam que Chávez, pessoalmente ou por meio de auxiliares, permitiu a utilização do território venezuelano pelos guerrilheiros como uma base de operações, ofereceu-lhes 300 milhões de dólares para dar suporte às ações armadas, pediu-lhes que treinassem guerrilheiros pró-governo locais e encomendou o assassinato de opositores.

As relações Farc-Chávez se concretizaram já no início do primeiro mandato do caudilho. Em setembro de 2000, ele teve um encontro particular com o líder do grupo terrorista dono do material analisado, Luis Edgar Devía Silva, o Raúl Reyes. Meses antes, o guerrilheiro enviou uma carta ao presidente reforçando o encontro futuro:

“Senhor Coronel Hugo Chávez Frías, recebemos com grande satisfação a boa notícia sobre o convite que faz seu governo às Farc para que visitemos a charmosa terra testemunha do nascimento de nosso libertador, hoje governada por um de seus melhores herdeiros. Queremos manifestar que preferimos fazer o encontro sem a presença de delegados do governo colombiano. Pensamos que haverá temas de interesse particular da sua e da nossa parte para tratarmos sem a participação de outras pessoas. Também porque nossa relação política com você e boa parte do atual governo da Venezuela conta com oito anos de vida e cada vez se fazem mais evidentes as coincidências nos objetivos devido às responsabilidades compartilhadas com nossos povos, no compromisso de continuar a inacabada obra libertária e emancipadora de Simón Bolívar, para o sucesso da segunda e definitiva independência”

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Campanha – No início do ano, Hugo Chávez elaborou uma agenda de visitas a seus vizinhos – oficialmente para estreitar laços comerciais, mas aproveitando para pedir apoio no momento em que perdia espaço para partidos de oposição no Congresso na proximidade das eleições presidenciais, marcadas para dezembro de 2012. Começou a odisseia por Uruguai, Bolívia, Colômbia e Argentina, onde até recebeu um prêmio dado àqueles que, “no âmbito nacional e latino-americano, contribuam para a comunicação popular, a democracia e a liberdade dos povos”.

Brasil, Equador e Cuba eram os próximos na lista de visitas. A reunião do coronel com Dilma Rousseff seria no dia 10 de maio e tudo estava preparado para recebê-lo. O relatório do IISS foi divulgado no dia 10 de maio, mas o material já era de conhecimento de governantes e veículos da imprensa nos dias anteriores. Curiosamente, na véspera de seu primeiro encontro político com a nova presidente brasileira, Chávez mandou avisar que não viria porque estava com um problema no joelho. Adiou também as viagens seguintes e se resguardou de enfrentar a repercussão dos dados das Farc pelo mundo enquanto cuidava da perna.

O encontro com Dilma foi remarcado para esta segunda, depois que a poeira levantada pelo relatório do IISS começou a baixar. Antes, Chávez conversou com Lula, na Venezuela. O assunto Farc, porém, será assunto proibido para ambas as partes. Entre os documentos que estavam nos computadores de Reyes, também havia referências a integrantes do PT que mantinham relacionamento próximo com guerrilheiros do grupo.

Portanto, para o conforto dos dois presidentes, as cerca de três horas que passarão juntos deverão ser protocolares e com um único tema: o comércio bilateral que, esse sim, vai bem – no primeiro trimestre de 2011, as negociações entre Brasil e Venezuela já superaram 1 bilhão de dólares. Também para o bem da coerência de seu discurso, Dilma manterá a sobriedade ao tratar Chávez de forma distante, mudando o tom da diplomacia brasileira dos tempos de Celso Amorim, o ex-chanceler brasileiro, e Lula, quando o caudilho venezuelano era tratado com afagos e tapinha nas costas.

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