Criada há dois meses como um dos últimos atos de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) antes de ser afastado do mandato e da presidência da Câmara, a CPI destinada a investigar o uso irregular de dinheiro público por parte da União Nacional dos Estudantes (UNE) segue paralisada – e caminha para terminar sem jamais ter saído do papel. O fim da comissão parlamentar de inquérito atende a diversos interesses e, em um movimento raro na política atual, reúne aliados e opositores do Palácio do Planalto.
A CPI da UNE foi proposta pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e autorizada por Cunha no dia 4 de maio. No requerimento de criação do colegiado, o parlamentar disse que era necessário investigar “atitudes suspeitas” por parte da entidade, entre elas a “aplicação dos 44,6 milhões de reais recebidos a título de indenização da União Federal pelos danos sofridos na ditadura militar”, a “associação da UNE com uma investidora suíço-brasileira para a construção de um edifício comercial de 12 pavimentos no Rio de Janeiro, em terreno de sua propriedade” e a participação da entidade no lucro desse investimento. A arrecadação e o destino da receita proveniente das carteiras estudantis também estão na mira da CPI.
Nos últimos dias, cresceu a expectativa de que o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), anule a criação do colegiado. A ação do deputado, fala-se nos bastidores, seria creditada a um pedido do governador do Maranhão, Flávio Dino, que é um dos principais articuladores do PCdoB, legenda que historicamente comanda a entidade. Partidos como o PT e o PSOL também são contrários à comissão de inquérito.
O próprio governo interino de Michel Temer também rechaça a investigação. Internamente, a avaliação é a de que neste momento de um mandato ainda provisório não valeria a pena o desgaste com estudantes e entidades ligadas ao setor. Parlamentares do DEM, partido que comanda o Ministério da Educação, relataram ao site de VEJA terem sido procurados pelo ministro José Serra (Relações Exteriores) e ex-presidente da UNE pedindo para que o colegiado não avançasse.
No entanto, como a criação da CPI se deu após a coleta de mais de 171 assinaturas de deputados, cumprindo o trâmite regimental para a instauração desse tipo de comissão, a revogação por parte da cúpula da Câmara seria vista como uma trapalhada similar à anulação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Técnicos da Casa afirmam que essa seria uma decisão inédita e que é necessário encontrar alguma irregularidade no ato de criação do colegiado para que ele seja anulado.
Em outra frente, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) ingressou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal pedindo a suspensão da instalação da CPI. Na ação, o parlamentar afirma que não é um acontecimento de interesse público e para a ordem constitucional saber como a entidade “aplica, gasta, investe e destina” seus recursos recebidos de “forma legítima” pela União. O ministro Gilmar Mendes é o relator do caso.
Uma outra saída, então, é simplesmente Maranhão não autorizar a instalação da CPI, fazendo com que ela se encerre sem jamais ter funcionado. A aliados, o presidente interino tem dito que a comissão “não interessa a ninguém”. Para fugir de bombardeios, ele pode, inclusive, criar barreiras a outras CPIs, entre elas a que trata da Lei Rouanet.
Membro da CPI da UNE e o deputado mais antigo no colegiado, Edinho Bez (PMDB-SC) tem a função de presidir a instalação da comissão, quando são eleitos o presidente e o relator. Ele justifica que o colegiado não foi instalado nos últimos dias por causa do “feriadão” concedido por Waldir Maranhão. “O único que poderá não autorizar a instalação da comissão é o presidente interino. E ele tem autonomia para isso”, afirmou Bez. “Há indícios de irregularidades e nós queremos apurar. Se alguém é contra isso, é conivente com a falcatrua”, continuou o deputado.