Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Governador de RR: ‘Garimpeiros também são seres humanos, nossos amigos’

Antonio Denarium (PP) diz a VEJA que não compactua com atividades ilegais e que respeita os ianomâmis, mas que ‘existe desnutrição em todo o Brasil’

Por Victoria Bechara Atualizado em 16 mar 2023, 10h30 - Publicado em 15 mar 2023, 18h25

O governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), viu o estado que comanda envolvido em uma crise humanitária de repercussão internacional no início deste ano, quando o governo de Luiz Inácio Lula da Silva jogou luz sobre a situação dos indígenas ianomâmis, vítimas de desnutrição, doenças e violência após terem o território invadido por garimpeiros ilegais. O político — que na certidão de nascimento é Antonio Oliverio Garcia de Almeida (Denarium, que significa centavo em latim, era o nome de sua empresa) — estreou na política ao ser nomeado pelo então presidente Michel Temer como interventor federal do estado em 2018, em meio a uma crise de segurança pública. No mesmo ano, disputou as eleições pela primeira vez, pelo PSL, e foi eleito na onda bolsonarista que varreu o país. Em 2022, foi reeleito ainda no primeiro turno com quase 57% dos votos válidos.  Em entrevista a VEJA, o governador disse não concordar com o garimpo ilegal em território indígena, mas defendeu a busca de uma alternativa financeira para os garimpeiros e a legalização da atividade em áreas de propriedade do estado. “O garimpo é um dos fatores que levaram a essa crise, mas existe desnutrição em todo o Brasil”, declarou. Denarium também falou sobre a relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem era aliado, as conversas que teve com Lula e a chegada em massa de imigrantes venezuelanos ao Brasil pela fronteira de seu estado a partir da década passada. “Eles acabam tendo mais direitos que os brasileiros”, disse. 

Os governos estadual e federal eram alertados sobre a situação dos ianomâmis desde 2020. Por que a situação chegou a esse ponto? O Brasil não pode se esquecer que em outros momentos já se viveu a mesma situação: desnutrição, prostituição, drogas e exploração mineral. Me lembro quando cheguei em Roraima, em 1991, havia ações do governo Collor dinamitando as pistas de garimpo dentro de áreas indígenas. Eu não concordo com garimpo ilegal em área indígena, nosso governo não compactua com nenhum tipo de ilegalidade. Respeitamos todos os indígenas. Mas a guarda das áreas indígenas é de competência da Polícia Federal e da Funai, a parte ambiental é de responsabilidade do Ibama e a saúde indígena é de responsabilidade do governo federal. A parceria com o governo é fundamental para que possamos melhorar o atendimento na saúde, na educação e infraestrutura. Temos 260 escolas estaduais em comunidades indígenas. Só na área ianomâmi são 36, os alunos recebem integralmente a merenda escolar. Dentro das escolas estaduais indígenas não há casos de desnutrição. Tem algumas escolas que estão em áreas isoladas, só se chega por meio de helicóptero. O governo do estado não tem helicóptero e avião. Quando precisa, é sob locação, mesmo assim, fizemos o atendimento. 

Mas o senhor não foi avisado sobre essa situação de emergência na saúde, com vários casos de desnutrição severa e doenças dentro do seu estado? Isso é recorrente em Roraima há mais de 30 anos, passou por todos os governos, do Collor, do Fernando Henrique Cardoso, Itamar, Temer, Lula, Dilma e Bolsonaro. Quem faz o atendimento dentro da área indígena é o governo federal. Para entrar lá, tem que pegar autorização da Funai, do Exército. Ou seja, eu não tenho acesso livre às áreas ianomâmis. Em todas as idas, tem que ter autorização da Funai. E eu só faço uma ação dentro do território indígena se houver concordância e a solicitação da comunidade. Nós mandamos merenda escolar para as comunidades indígenas por meio aéreo e temos também agora a compra do Programa de Aquisição de Alimentos para entregar aos alunos. 

O senhor se sentiu constrangido com a repercussão internacional das cenas de ianomâmis doentes e desnutridos vivendo dentro das reservas do seu estado? A gente fica chocado com situações como essa em qualquer lugar do Brasil, não somente na área indígena. Em qualquer lugar deixaria a gente muito triste. O Brasil é um país tão grande, com um potencial tão grande na agricultura, é inadmissível ter pessoas abaixo da linha da pobreza. Temos que trabalhar em conjunto com o governo federal para melhorar a segurança alimentar através da agricultura familiar indígena, também temos um projeto de produção de grãos, avicultura e incentivo à pesca. 

Continua após a publicidade

Considera que o governo Bolsonaro foi omisso na crise? Todos os governos passaram pela mesma situação. Todos têm a sua cota de responsabilidade e a sua cota de omissão por não fazerem o atendimento da forma correta lá. O garimpo é um dos fatores que levaram a essa crise, mas existe desnutrição em todo o Brasil, na Bahia, no Ceará, em São Paulo, no Rio Grande do Sul. Outras comunidades indígenas não têm garimpo, mas tem desnutrição. Isso é recorrente. 

O senhor foi procurado pelo governo Bolsonaro para tratar da situação dos ianomâmis em algum momento nos últimos quatro anos? No ano passado nós recebemos uma força-tarefa de médicos para fazer um mutirão de atendimento e cirurgias nas comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol e São Marcos, mas nunca teve uma procura específica para fazer um trabalho nas comunidades ianomâmis. 

O senhor disse em outras entrevistas que o garimpo não é o responsável pela crise de saúde dos ianomâmis, mas há relatórios que mostram que a situação se agravou por causa da presença dos garimpeiros ilegais no território, principalmente nos últimos quatro anos, com a contaminação de indígenas por mercúrio, situações de violência e abuso. Não acha que deve haver responsabilização? Eu falei que não é só o garimpo que é responsável pela desnutrição, mas é um dos fatores que podem estar influenciando. Todos que cometeram abuso sexual devem ser responsabilizados, qualquer tipo de violência contra indígena ou não indígena tem que ser punida com o rigor da lei. Nós temos a Operação Êxodo, da Polícia Militar, que faz o controle da saída de garimpeiros e crimes que estão sendo praticados. Também fizemos uma ação da Polícia Civil e prendemos alguns agentes que estavam envolvidos no garimpo, tinha servidor do estado envolvido com comercialização de ouro, segurança de garimpeiro e passando informações. Isso é uma amostra de que nós não concordamos com práticas ilegais e não temos medo de cortar pela raiz. 

Continua após a publicidade

Como avalia a postura do governo Lula e as ações recentes na Terra Indígena Yanomami, como as operações do Ibama e da PF para combater o garimpo ilegal na região? Muito positiva, mas tem que ser uma ação permanente. Se fizer por dois meses e parar, os garimpeiros vão voltar para o território indígena. Cadê o trabalho da Funai nos últimos 30 anos para proteger os indígenas? Quem faz a defesa da área é o Exército e a Defesa, como é que deixaram invadir? Então, tem que haver uma proteção permanente. 

O MPF abriu um inquérito para apurar a responsabilidade do governo de Roraima após algumas falas do senhor sobre os ianomâmis, como a de que “os indígenas não podem mais ficar no meio do mato, parecendo bicho”. Se arrependeu desses comentários? Eu nunca comparei indígena com bicho. Eu estava em um bate-papo informal com o jornalista e usei um termo na hora – até por não conhecer muito de antropologia. Eu disse que temos 80 a 90% dos índios “aculturados” com a população, e esse termo não se pode utilizar. Os indígenas querem melhorar de vida, querem produzir, todos eles têm celular, querem carro, moto, televisão, as mulheres querem maquiagem, roupa nova. E eu falei que eles não querem ficar no meio do mato, parecendo bicho. Foi apenas uma força de expressão para dizer que eles querem melhorar a vida deles. Não tive intenção de fazer nenhum tipo de comparação. Eu não deveria ter utilizado aquele termo, não usei como forma de discriminar. Eu respeito os indígenas, visito as áreas, janto com eles, danço, abraço. Para mim eles são iguais a nós, não tem diferença nenhuma. Estou convidando todas as lideranças indígenas do estado de Roraima para me ajudar a escolher o secretário titular do índio, quero colocar um indígena. Mas temos muita dificuldade aqui com algumas lideranças que são muito radicais, se negam a conversar. 

“Os indígenas querem melhorar de vida, querem produzir, todos eles têm celular, querem carro, moto, televisão, as mulheres querem maquiagem, roupa nova. Eu falei que eles não querem ficar no meio do mato, parecendo bicho. Foi apenas uma força de expressão para dizer que eles querem melhorar a vida deles.

Continua após a publicidade

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, disse que o governo de Roraima e o governo federal articulam uma ação conjunta para gerar renda para os garimpeiros que estão sendo retirados da terra ianomâmi. Quais alternativas estão sendo consideradas? Os funcionários do garimpo são pessoas de baixa renda que não tiveram oportunidade de emprego e acabam indo trabalhar para alguém no garimpo. Nós temos que dar um auxílio para essas pessoas por um período determinado, cerca de seis meses, até aquela pessoa arrumar um emprego. Nós podemos até dar um benefício, uma cesta de alimentos nesse período. Também temos que ajudar esses garimpeiros que estão lá dentro da mata, em péssimas condições, com dificuldade para sair. Sugeri ao governo federal que desse condições para o garimpeiro sair da área indígena. Ele poderia fazer um termo de acordo com o governo do estado para receber um benefício e, em troca, se compromete a não voltar mais para aquele território. É um problema social. Assim como os venezuelanos e os indígenas, os garimpeiros também são seres humanos, nossos amigos, nossos irmãos. 

O garimpo acabou virando um motor importante para a economia dos municípios da região. Como é possível resolver a curto prazo o dilema de brecar a atividade ilegal e, ao mesmo tempo, oferecer alternativas de emprego e de renda para a população que acaba sendo direta ou indiretamente beneficiada pela mineração? Tem aproximadamente 50 mil pessoas em Roraima que dependem do garimpo. A gente tem que separar: existe o dono de garimpo, o comprador de ouro e os funcionários do garimpo, a cozinheira, o vigia, o cara que faz serviço geral. Nós aprovamos um projeto de lei aqui em Roraima para que pudesse ter mineração em áreas de domínio do estado, com licença ambiental e fora da área indígena. Assim a gente tem controle sobre a atividade. A gente tem que legalizar o garimpo dentro de área do estado. 

Em fevereiro, sua irmã, Vanda Garcia, foi alvo de uma operação da PF para apurar suspeitas de lavagem de dinheiro vindo do ouro ilegal. Isso não soa preocupante, em meio a uma crise com envolvimento do garimpo no seu estado? Quando eu soube de uma ação da PF na casa da minha irmã, eu tive uma surpresa muito grande. Eu não imaginava jamais que ela estaria envolvida em algum tipo de ilícito. Ela é uma senhora de 68 anos. Um sobrinho meu – não tenho relacionamento pessoal com ele – morava na Guiana. Em 2019 ele veio para o Brasil e pediu para a minha irmã que emprestasse a conta dela para ele receber um dinheiro. Ela emprestou, e ele utilizou a conta dela para receber um dinheiro da comercialização de ouro. Se eles cometeram qualquer tipo de irregularidade, a PF investiga e pune na forma da lei. Eu não tenho controle da vida dos meus irmãos e sobrinhos, tanto é que a investigação foi bem clara, não tem nenhuma referência a mim. 

Continua após a publicidade

Roraima recebe imigrantes diariamente em Pacaraima, que faz fronteira com a Venezuela. Como está a situação por lá? A situação é gravíssima. O venezuelano chega pela fronteira, ele autodeclara o nome e já tira a carteira de identidade, de trabalho e passa a conviver aqui em Boa Vista da mesma forma que o brasileiro. Nós nunca recebemos dinheiro do governo federal para ajudar na migração. Quando eles precisam de atendimento médico, escola, é o governo estadual que oferece. Quando eles saem do abrigo e cometem crimes, são as polícias Militar e Civil que fazem a abordagem. Quando é condenado, vai para o presídio do governo estadual. O governo federal tem deixado esse peso todo nas costas do governo do estado, os serviços ficam sobrecarregados. Eu tenho solicitado ao governo anterior e ao atual que a gente faça um acordo e o estado de Roraima possa receber o que é de direito no atendimento aos refugiados. O governo federal ajuda, mas dentro da Operação Acolhida. Tem que manter a operação e ajudar o governo estadual. Acredito que a lei de imigração brasileira deve ser discutida no Congresso Nacional e defendo que coloque mais regra. Eles entram no Brasil como refugiados e acabam tendo mais direito que os brasileiros. 

O senhor apoiou a reeleição de Bolsonaro e tinha uma boa relação com ele durante o governo. Conversou com ele após a derrota? Conversei com ele entre o primeiro e o segundo turno, em Brasília. Quando acabou a eleição, eu publiquei uma mensagem parabenizando o presidente eleito e reconhecendo a vitória dele nas urnas, da mesma forma que fui eleito pelas urnas e também tive o reconhecimento. A vontade popular é soberana, o voto é quem define quem vai governar. Eu respeito o resultado das eleições. 

Como está o seu diálogo com o presidente Lula? Muito bom. Temos que ter um bom relacionamento com o governo federal, estou tendo muito contato, já conversei com os ministros e tenho sido muito bem recebido. As eleições passaram, os palanques já foram desmontados. Temos que arregaçar as mangas e continuar trabalhando pelo povo de Roraima ao lado do atual governo, que é legítimo e ganhou as eleições. 

Continua após a publicidade

As eleições passaram, os palanques já foram desmontados. Temos que arregaçar as mangas e continuar trabalhando pelo povo de Roraima ao lado do atual governo [Lula], que é legítimo e ganhou as eleições”

O que achou da volta da Marina Silva ao comando da pasta do Meio Ambiente? Tranquilo, sem problemas. Visitei a Marina e disse a ela que temos que respeitar o Código Florestal, proteger o meio ambiente, não podemos esquecer da produção de alimentos, geração de emprego, mas temos que respeitar o meio ambiente. Na Amazônia, quem não cumprir a legislação vai ser punido. Combato com muito rigor o desmatamento ilegal.

Lula prometeu zerar o desmatamento da Amazônia. O senhor acredita que isso é possível? É possível, sim. Mas temos que separar o desmatamento ilegal e o desmatamento legal. Aqui na Amazônia nós temos de 23 para 24 milhões de habitantes e esse povo precisa de comida, precisa de segurança alimentar. Com licença ambiental, respeitando as matas ciliares, respeitando as encostas, o produtor pode utilizar 20% da sua área sem agredir o meio ambiente, essa é a diferença. No entanto, temos que combater o desmatamento ilegal, com fiscalização do Ibama e monitoramento dos territórios, não só em Roraima, mas em todo o Brasil.  

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.