Era abril de 2018 quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), pressionado pela impunidade de políticos julgados pelas cortes superiores de Brasília, começou a limitar o direito a foro privilegiado de deputados e senadores. A investigação contra o senador Flávio Bolsonaro por envolvimento em um esquema de rachadinhas começaria formalmente apenas no ano seguinte, mas o ministro Gilmar Mendes deu, naquele julgamento, as ferramentas com as quais o filho do presidente conta hoje para sepultar as acusações a que responde na justiça. Depois de 16 meses paralisado, será julgado na próxima terça-feira 30, na Segunda Turma do STF, o recurso em que o Zero Um questiona a validade de investigações feitas contra ele na primeira instância. A tendência no Supremo é de um veredicto favorável ao senador.
Ex-deputado estadual, Flávio Bolsonaro é acusado de embolsar parte dos salários dos funcionários de seu gabinete na época em que atuava na Assembleia Legislativa do Rio e lavar os recursos na compra de imóveis e em uma loja de chocolates. Hoje senador, ele alega que nunca poderia ter sido investigado na primeira instância e apresentou sucessivos recursos judiciais para anular quebras de sigilo e relatórios de movimentação financeira que poderiam implica-lo do caso das rachadinhas. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já proferiu uma sequência de decisões favoráveis aos argumentos do Zero Um, que praticamente levaram as acusações para a estaca zero. O julgamento da próxima terça no STF é o capítulo final para Flávio considerar enterradas as acusações.
Na época do primeiro julgamento sobre foro, ainda em 2018, o Supremo concluiu que políticos só têm direito ao benefício por prerrogativa de função se o crime dos quais forem acusados tiver sido praticado no exercício do mandato e for relacionado com a função pública. Para Gilmar Mendes, relator do caso Flávio na Corte, a tese é vaga demais. O magistrado acredita que há pelo menos 13 situações para as quais o tribunal não tem respostas claras sobre foro privilegiado, incluindo duas que hoje se amoldam à perfeição ao caso envolvendo o filho do presidente: uma investigação de lavagem de dinheiro, iniciada pela constatação de movimentação de patrimônio incompatível com a renda pelo agente público, seria conduzida em qual instância? Qual o foro quando o acusado tem uma sucessão de cargos públicos? Será a partir da resposta para essas duas perguntas que Mendes definirá o foro do senador.
Diante da demora do STF em definir onde Flávio deveria ser julgado, o Ministério Público estadual do Rio de Janeiro chegou a apresentar denúncia contra o senador pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas trechos importantes da acusação, como relatórios que mostram saques em espécie do ex-faz-tudo da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz, acabaram anulados exatamente porque o STJ considerou que as investigações ocorreram no foro errado.
A família presidencial sempre alimentou a esperança de que partiria dos tribunais de Brasília uma solução para os problemas jurídicos de Flávio Bolsonaro. Depois das recentes decisões do STJ, ele conta agora com o julgamento no Supremo para corroborar a tese.