Estilo discreto de Dilma é desafio para comediantes
Reportagem de VEJA desta semana mostra que, apesar dos traços caricaturais carregados, humoristas não fazem imitações agressivas da presidente
Irritada com a inflação mensal, que passou de 6%, Dilma Rousseff telefona para o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Não satisfeita em cobri-lo de palavrões, a presidente ainda faz ameaças: “Eu sei onde você mora”, diz. E, em seguida, diante da reação do interlocutor: “Guido, engole esse choro. Você não tem que chorar, tem que resolver”. A cena aparecia, em 2010, em um vídeo amador com um tosco cenário caseiro que tentava reproduzir o gabinete presidencial. Bastou para popularizar, ao estilo viral típico da internet – primeiro pelo YouTube, depois no site de humor Kibe Loco -, um comediante mineiro até então conhecido só em bares de Juiz de Fora, onde fazia shows de stand-up com imitações das cantoras Ana Carolina e Maria Bethânia. “Sempre gostei de imitar mulheres bem femininas”, ironiza Gustavo Mendes, 23 anos. Alçado ao elenco da Globo, o ator trabalhou na novela Cheias de Charme e no Casseta & Planeta Vai Fundo – no qual fez sua versão da presidente, batizada de Dilmandona. Na televisão, Mendes abandonou a linguagem chula que tornava seus esquetes na internet impagáveis. Mas abusa da expressão “no que se refere” e do jeitão duro e direto (ele diz ter se inspirado no Capitão Nascimento, o truculento anti-herói de Tropa de Elite, para compor a personagem). Apesar dos traços caricaturais carregados, não é uma imitação agressiva. Mendes e os outros três humoristas retratados nesta reportagem – dois comediantes televisivos e um satirista das redes sociais – mostram, na verdade, simpatia pelo alvo da paródia. O traço mais enfatizado por eles, aliás, é percebido como qualidade por grande parte do eleitorado: o perfil de mulher austera, durona, que não transige com desvios.
“O fato de Dilma ser discreta facilita a imitação. Há uma curiosidade do público para saber quem é a mulher que está no poder”, afirma Mendes. O contraste com o predecessor, nesse ponto, não poderia ser maior. “Lula, o próprio, era nosso maior competidor”, diz Claudio Manoel, do Casseta & Planeta. Apesar disso, a imitação de Lula por Bussunda – morto em 2006 – era memorável. As melhores paródias dos presidentes anteriores também foram do Casseta: o Viajando (ou, nos momentos acadêmicos, Divagando) Henrique Cardoso, interpretado por Hubert, e o Devagar Franco, por Reinaldo. Hoje, com Dilma no Planalto, há uma concorrência humorística mais renhida. Márvio Lucio, 36 anos, intérprete da Dilma do Chefe, no Pânico na Band, também faz o gênero durona – embora talvez com mais escracho. Sua personagem já passou até cantada no tucano Aécio Neves (não um comediante que imitava Aécio, mas o próprio senador). Ao contrário de Mendes, que considera o estilo low profile da presidente uma chance de maior liberdade interpretativa, Lucio, que também já imitou Lula, se angustia com a circunspecção da mandatária: “Dilma não sai da toca e não se mete em confusão. Lula me dava um leque maior de pautas. Eu fazia a festa com tanto escândalo”, diz. Sua personagem é calcada no período em que Dilma foi ministra de Minas e Energia: “Já estava claro que ela era uma general”. Já Fabiana Karla, 36 anos, a Dil Maquinista do Zorra Total, na Globo, baseou sua imitação na observação atenta de Dilma durante a campanha eleitoral. Dos debates, a humorista absorveu a postura severa, com as mãos cruzadas para trás, e o cacoete de molhar os lábios com a língua. A única comediante mulher a retratar Dilma se diz uma adepta do caco – os momentos em que o humorista improvisa suas falas. No entanto, para fazer Dil Maquinista, atém-se rigorosamente ao texto, pois receia interpretações políticas indesejáveis. “Qualquer palavra ou entonação diferente pode dar outra conotação, pela qual não quero ser responsável”, diz. A personagem de Zorra Total é a mais suave das Dilmas televisivas. Fabiana já mandou flores ao Planalto, pelo aniversário de Dilma Rousseff – e a presidente retribuiu com mais flores e uma cartinha de Natal para a atriz.
Dilma Bolada
Jeferson Monteiro, com 75 000 seguidores no Facebook e 62 000 no Twitter
Criado por um estudante de administração de 22 anos, esse perfil social não oficial apresenta uma Dilma brincalhona (#dilmoleka é sua hashtag favorita) e muito, muito convencida. “Sou linda, sou diva, sou Presidenta. Sou Dilma!”, diz, na apresentação de sua página no Facebook. Adora esnobar a colega Cristina Kirchner, da Argentina
A versão cômica mais original está não na TV, mas nas redes sociais. O estudante carioca de administração Jeferson Monteiro, 22 anos, criou a Dilma Bolada, seguida por mais de 100 000 pessoas no Facebook e no Twitter. Por “bolada”, entenda-se cheia de si: na contramão do estilo reservado, essa falsa Dilma adora contar vantagem. Pontua seus textos — todos muito breves, como manda a etiqueta das redes sociais — com exclamações do tipo “Eta presidenta maravilhosa!”. Dilma Bolada tem um cachorro, Boladinho, e transformou Marcela Temer — a estonteante mulher do vice, Michel Temer, que roubou a cena na posse presidencial — em sua doméstica. O sucesso do perfil ajudou Monteiro a conseguir um emprego em uma produtora de filmes, na função de agitar as mídias sociais. Mas ele ainda parece dispor de muito tempo livre: acompanha de forma exaustiva a agenda presidencial. O autoelogio hiperbólico de Dilma Bolada até funciona como crítica ao pendor promocional dos governos petistas, com seu “nunca antes neste país”. Mas ainda é, no fundo, humor a favor. “Tento passar o lado gestora da Dilma e deixá-la mais simpática e popular”, diz Monteiro. Dilma é diva.