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Alta ansiedade

Coluna publicada em VEJA de 24 de outubro de 2018, edição nº 2605

Por J.R. Guzzo Atualizado em 19 out 2018, 07h00 - Publicado em 19 out 2018, 07h00

Muita coisa pode ser dita sobre a eleição presidencial que chega daqui a pouco ao seu turno decisivo, mas um dos pouquíssimos pontos em que todos estariam de acordo, talvez o único, é que nunca se viu na história deste país uma disputa política que deixasse tanta gente à beira de um ataque de nervos. Um ou outro dinossauro que estava vivo nas eleições de Getúlio Vargas, em 1950, Juscelino Kubitschek, em 1955, ou Jânio Quadros, em 1960, certamente dirá: “Não, não me lembro de ninguém, na época, que tenha tido algum surto de neurastenia tão desesperado por causa de eleição como esses que a gente vê hoje todo santo dia”.

Depois disso, houve sete eleições seguidas para presidente — a que elegeu Fernando Collor, as duas de Fernando Henrique, mais as duas de Lula e, enfim, as duas de Dilma Rous­seff. Saiu muita faísca, é claro, houve muito bate-boca e xingatório, e muita mãe acabou sendo posta no meio, mas em geral foi mais gritaria de torcida do que briga com fuzil AK-47 no alto do morro. Nem Dilma foi capaz de gerar a ira radioativa que explode agora do Oiapoque ao Chuí por causa de Jair Bolsonaro e Fernando Had­dad — e olhem que Dilma não é fácil, em matéria de despertar os instintos mais primitivos do eleitorado, como poderia dizer o ex-deputado Roberto Jefferson. E antes disso, em momentos remotos da nossa história política, será que não teria havido alguma campanha tão enfurecida quanto a atual? Antes disso, para falar a verdade, não havia eleições que pudessem ser realmente chamadas de eleições; o New York Times ou o Le Monde de hoje jamais aceitariam, por exemplo, a eleição de um Campos Salles ou a de um Washington Luís. Mais atrás no tempo, então, já se começa a falar no Regente Feijó ou em José Bonifácio — e aí é que ninguém sabe mesmo de absolutamente nada.

“As brigas hoje emigraram com mala e cuia para o meio dos eleitores”

O fato é que estamos vivendo momentos sem precedentes de “nervosia” — palavra de uso antigo, mas muito precisa, para descrever essa atmosfera de irritabilidade, impa­ciên­cia e hostilidade geral que se levanta hoje em dia a cada vez que o cidadão diz que vai votar em Bolsonaro ou em Haddad. Em geral, as brigas de campanha costumam limitar-se aos próprios candidatos. Hoje emigraram com mala e cuia para o meio de uma boa parte dos eleitores. É entre eles, e não nos palanques ou “debates” na televisão, que está havendo agora derramamento de sangue — inclusive de sangue mesmo. Não é preciso, para acender a banana de dinamite, gritar “Mito!” no meio de um ajuntamento petista, ou vir com um “Lula Livre!” na comissão de frente de um bloco bolsonarista. O desastre, nesta campanha de 2018, pode acontecer no aconchego do próprio lar. Você diz que vai votar num ou no outro, e dali a pouco está formado um barraco rancoroso em sua casa, com a súbita troca de ofensas, palavras malvadas e ressurreição de velhos ressentimentos, no que deveria ser um churrascão inofensivo de domingo. Amigos se desentendem feio com velhos amigos. Há brigas de pais com filhos, de irmãos com irmãos, de mulher com marido. Familiares rompem relações, colegas de trabalho viram as costas uns para os outros e se fecham nas próprias trincheiras. Falar de política, em suma, virou um perigo.

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Os rompantes mais curiosos de neurose se multiplicam por todos os lados. Uma senhora foi notada no Facebook fazendo um anúncio aflito: “Hoje eu tive de dar um bloque na minha tia de 78 anos!”. Uma jornalista-­celebridade de São Paulo denunciou em seu jornal, com a gravidade reservada às notícias de grande impacto, que tinham sido feitas pichações racistas no banheiro de um colégio chique — isso mesmo, rabiscaram a parede do toalete da moçada. Quem jamais ouviu falar de uma coisa dessas? A dona de um restaurante paulistano teve a ideia de exibir na internet uma foto, tirada junto com a sua equipe, mostrando o dedo do meio para os bolsonaristas. Amizades intensas formadas nas redes sociais explodem antes que as pessoas tenham tido tempo de se conhecer. Lulistas são chamados de esquerdopatas. Quem vota em Bolsonaro é fascista — embora 80% dos que fazem essa acusação não tenham a menor ideia do que estão falando. Não optar nem por um nem por outro, então — não seria uma defesa? Esqueça. Nesse caso você será acusado de “isentão”, e muita gente fica irritadíssima quando é chamada de “isentão”. O ambiente deveria estar bem mais calmo, pois até a véspera da eleição todas as “pesquisas” garantiam a mesma coisa: Bolsonaro perderia para qualquer outro candidato no segundo turno. Mas está dando o contrário. Aí vira nervosia pura.

 

Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2018, edição nº 2605

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