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A trincheira da fé

Bolsonaro avança no Nordeste com o apoio dos evangélicos. Para analistas, seu prestígio no grupo religioso cresceu depois dos protestos #elenão

Por Eduardo Gonçalves, de Maceió
Atualizado em 5 out 2018, 07h00 - Publicado em 5 out 2018, 07h00

Para penetrar no Nordeste, Jair Bolsonaro encontrou sua trincheira — e ela passa pelas dezenas de milhares de templos evangélicos existentes na região. Segundo a última pesquisa do Ibope, o candidato do PSL subiu de 34% para 43% nas intenções de voto entre o grupo religioso, enquanto o petista Fernando Haddad oscilou para baixo, de 17% para 16%. O Nordeste abriga 23% de toda a população evangélica no Brasil, de acordo com o Datafolha. Tradicional reduto petista, a região deu 60% de seus votos a Dilma Rousseff nas eleições de 2014 e, em agosto, registrava o mesmo índice de intenção de voto para o ex-­presidente Lula.

Os primeiros sinais de que Bolsonaro poderia incursionar pela cidadela agora legada a Haddad foram dados em setembro, na Expo Cristã, o maior evento evangélico da América Latina. O encontro ocorreu em São Paulo, em 27 de setembro. Durante uma apresentação musical, o cantor Davi Sacer, da Igreja Renascer, bradou do palco: “Dia 7, não se esqueçam!”. Em seguida, bateu continência para a plateia, uma referência ao passado militar de Bolsonaro. Pouco antes, Geraldo Alckmin (PSDB-SP) havia discursado no local. Deixou o salão sob vaias e gritos de “Bolsonaro”.

O engajamento de pastores na candidatura do deputado começou a ficar explícito nas últimas semanas e se acentuou diante da iminência do fracasso da candidatura de Alckmin, que, ao aliar-se com o PRB, tinha conseguido o apoio — formal — dos pastores. No sábado 29, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, bispo Edir Macedo — que já apoiou Collor, FHC, Lula e Dilma —, defendeu o voto em Bolsonaro em sua página no Facebook. No mesmo dia, Estevam e Sonia Hernandes, da Renascer, publicaram um vídeo em que sinalizam com as mãos o número 17, de Bolsonaro, enquanto cantam o Hino Nacional. O presidente da Assembleia de Deus, pastor José Wellington, durante um culto no centro de São Paulo, colocou a imagem do candidato do PSL no telão e conclamou os fiéis a “não deixar o Brasil cair na mão da esquerda”. Juntas, as três denominações têm mais de 20 milhões de membros, que entoam a defesa de cinco “contras” chancelados por Bolsonaro: aborto, casamento gay, “ideologia” de gênero, descriminalização das drogas e taxação de igrejas.

Embora as principais lideranças evangélicas tenham fincado base em São Paulo, suas mensagens irradiam-se rapidamente para o resto do país. “Não cito o nome de Bolsonaro, mas oriento os meus membros a votar de forma consciente e falo sobre os perigos da esquerda”, diz o pastor Ronaldo Cadena, da Igreja Presbiteriana Castelo Forte, em Maceió. A popularidade do candidato é visível na cidade. No centro comerical, camisetas com o rosto de Bolsonaro e frases dele estão em quase todas as lojas de roupas. “No começo da eleição, a gente vendia camiseta do Lula. Iam umas cinquenta por dia. Mas aí as vendas foram caindo e a gente começou a lançar a do Bolsonaro. Saem mais de 100 por dia”, disse Juliana Patricia de Oliveira, de 21 anos, gerente da loja Atacadão Paraíba, que tem cinco filiais na capital de Alagoas.

O vendedor ambulante de DVDs piratas João Carlos Júnior, de 32 anos, evangélico da Assembleia de Deus e ex-­eleitor de Lula, explicou por que desta vez votará no deputado. “É o único que vai pôr ordem neste país.” Para Júnior, se Haddad ganhar, “as escolas vão estimular as crianças a ser bolacheiras (termo pejorativo para homossexuais)”. Parece uma versão atualizada do boato de 1989, quando se dizia que Lula, se eleito, tomaria um dormitório de cada casa para abrigar um sem-teto. Ainda segundo o vendedor, “não vão deixar chamar menino de menino e menina de menina. Por isso, todo mundo que é da igreja vota no Bolsonaro”. Alagoas é o único estado do Nordeste onde o candidato do PSL aparece em empate técnico com Haddad. Lá, em agosto, Lula tinha 53% das intenções de voto.

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“Bolsolula” - Beneficiária do Bolsa Família, Júlia sempre votou no PT. Hoje, teme a violência e virou “bolsonarista roxa” (Emiliano Capozoli/.)

O mototaxista Peixoto da Silva dos Santos, de 35 anos, amigo de Júnior, concorda com sua escolha eleitoral. “Bolsonaro é o único ficha-limpa. Deu no Fantástico”, afirmou, esclarecendo que não assistiu ao programa da TV Globo mas recebeu, via WhatsApp, um vídeo que o reproduzia. Foi também por meio do aplicativo que, há um mês, o advogado Mario Peixoto, de 60 anos, tomou conhecimento da candidatura de Bolsonaro e aderiu. “Entrei num grupo. Não sei quem me convidou nem de onde veio, mas é por aqui que eu acompanho o Jair”, disse. No grupo Direita Bolsonaro Maceió, cada novo membro recebe a incumbência de criar outro grupo com amigos e conhecidos.

Na última semana de setembro, as intenções de voto em Bolsonaro aumentaram 4 pontos no Nordeste. Segundo os diretores do Datafolha, Mauro Paulino e Alessandro Janoni, a subida refletiu uma “reação conservadora e antipetista”, que afetou todas as faixas do eleitorado e foi, ao menos em parte, impulsionada pelos protestos “#elenão”, convocados contra Bolsonaro nos principais centros urbanos do país. “As manifestações conseguiram aglutinar todos os evangélicos em torno de Bolsonaro”, diz Robson Rodovalho, presidente da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil.

Há ainda outra peculiaridade da região que favoreceu a penetração do deputado entre os eleitores. Os estados do Nordeste tiveram as maiores altas do país nos índices de homicídio nos últimos dez anos. Em algumas capitais, o crescimento foi de mais de 60%, segundo o último Atlas da Violência. Na zona rural de Garanhuns, em Pernambuco, cidade do ex-presidente Lula, Júlia Isaac de Macedo, de 27 anos, conta que sempre votou em Lula. Ela é beneficiária do Bolsa Família, do Minha Casa, Minha Vida e do Água para Todos, programas implementados durante a gestão do ex-­presidente e a de sua sucessora, Dilma Rousseff. Júlia e o marido sempre apoiaram candidatos do PT nas eleições, assim como boa parte de sua família e vizinhança. Neste pleito, no entanto, ela mudou de ideia. Vai de Bolsonaro por causa do medo dos bandidos. De dois anos para cá, a região onde ela mora começou a ser alvo de assaltos de quadrilhas de menores. Ela conta que eles aparecem à noite e, à mão armada, ameaçam famílias para levar motos, celulares e televisores. Júlia tinha planos de estudar medicina à noite, mas desistiu por receio de fazer o percurso mal iluminado, de terra, da sua casa à universidade. “O que adianta a gente ter uma casa, uma ajuda do governo, se não pode sair à noite, tranquila? Eu não quero esmola. Quero oportunidade”, disse ela, que vê em Bolsonaro a solução para a insegurança no local. Afirma ser favorável à possibilidade de andar armada e ao “fim da impunidade” para menores infratores.

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GUERRILHA - Incentivados por grupos de WhatsApp, apoiadores de Bolsonaro fazem propaganda do candidato em Garanhuns (Emiliano Capozoli/.)

A preocupação com a segurança também pesou para o empresário e advogado Temisthon Medeiros Júnior, de 40 anos, na hora de decidir o seu voto por Bolsonaro. “De uns tempos para cá, a gente não pode nem mais andar na rua de noite”, disse ele, que trancou à chave o escritório para receber a reportagem de VEJA. Passou a guardar uma pistola na gaveta desde 2016, quando um funcionário demitido começou a ameaçá-lo de morte. Medeiros fez dinheiro como diretor jurídico de uma usina de açúcar e álcool que fechou as portas em 2016 por causa da crise econômica — ele foi um dos 3 000 funcionários mandados embora. Restabeleceu-se com a compra de um posto de gasolina. Em seu novo local de trabalho, Medeiros contratou um artista para fazer um mural gigante com o rosto de Bolsonaro. Orgulha-se de ter gastado 2 000 reais na obra.

Durante a visita de VEJA, diversas pessoas se postaram em frente ao mural para tirar selfies. No último mês, Medeiros também tirou do próprio bolso 600 reais para impulsionar posts de Bolsonaro no Facebook. Agiu assim, ele faz questão de frisar, por “livre e espontânea vontade”. “No passado, só famílias bem consolidadas e estudadas chegavam ao poder. Eram médicos, advogados, jornalistas. Aí eles foram se afastando da política e os bandidos entraram no lugar. Agora, estamos voltando. Falam que a culpa é dos pobres, que são manipulados, mas fomos nós que não nos engajamos”, diz.

Desde a redemocratização, todos os candidatos que venceram a eleição presidencial tiveram votação majoritária no Nordeste. Pelas mãos dos evangélicos, e com a ajuda do medo provocado pela dramática ascensão da criminalidade no país, Bolsonaro agora quer entrar para o clube.

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Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2018, edição nº 2603

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