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A ocupação fantasma dos sem-teto em SP

Relatório da PM atesta que invasão no terreno próximo ao Itaquerão fica 'quase totalmente desocupada' à noite. Ministério Público constatou a presença de cerca de vinte pessoas – mas o MTST diz ter 2.000 famílias

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 jun 2014, 07h21

Nos últimos meses, o chamado Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a versão urbana do MST, transformou-se em uma pedra no sapato dos paulistanos. Não pelas bandeiras vermelhas estendidas em janelas de propriedades privadas invadidas, mas pelas passeatas diárias que impedem o trânsito em avenidas importantes e pelos diversos acampamentos que interditam calçadas e vias públicas da maior cidade do país. Atualmente, o principal pleito do movimento é a aprovação do Plano Diretor Estratégico (PDE), cujo texto beneficiará quatro invasões. Emparedado, o prefeito Fernando Haddad (PT) impeliu os sem-teto contra os vereadores. Na semana passada, o MTST avisou que invadirá um imóvel por semana se a Câmara Municipal não atender seu desejo. Até agora, os vereadores não cederam. Mas quando analisaram o texto pela primeira vez, os sem-teto arrebentaram as vidraças da Câmara e montaram barricadas de fogo nas ruas.

As invasões de propriedades privadas viraram rotina em São Paulo, mas uma delas causou preocupação especial às autoridades. Antes do início da Copa do Mundo no Brasil, os sem-teto tomaram um terreno de 150.000 metros quadrados, a três quilômetros do estádio do Itaquerão, palco de jogos e entregue à administração da Fifa até o término do Mundial de futebol. A “ocupação”, como o líder do MTST, Guilherme Boulos, chama quando finca sua bandeira em área privada, foi batizada de Copa do Povo. No local, o movimento informou ter instalado 2.000 famílias e abriu guerra com os proprietários da área, a incorporadora Viver S.A., e a prefeitura. Um documento da Polícia Militar, anexado ao inquérito civil do Ministério Público de São Paulo, entretanto, desmonta a versão dos sem-teto. O laudo, obtido pelo site de VEJA, aponta que a ocupação é fantasma. “Vale salientar que a observação da ocupação durante o período noturno permite atestar que a área fica quase que totalmente desocupada, permanecendo apenas algumas pessoas cuidando do acampamento”, diz o relatório assinado pelo tenente coronel da PM Marcelo Cortez Ramos de Paula, no dia 22 de maio – dezenove dias depois da invasão. Os sem-teto só aparecem durante o dia quando são alertados que autoridades vão vistoriar o local.

Os promotores de Habitação e Urbanismo também atestaram que o número de invasores “não chega nem perto” das 2.000 famílias. Segundo o termo de diligência de uma visita, também incluído no inquérito, foi verificada a “presença de vinte pessoas na entrada da ocupação”. O promotor Marcus Vinicius Monteiro dos Santos afirmou que “visivelmente o número de pessoas é muito inferior ao propalado pelo movimento”. No mesmo dia da visita, os promotores divulgaram uma nota: “A resistência dos líderes da ocupação em permitir que o poder público municipal, por meio da Secretaria Municipal de Habitação, realize a identificação e qualificação das famílias que ocupam a área, só serve para reforçar a dúvida da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo sobre o número real de ocupantes divulgado pelo MTST”.

A multiplicação fictícia de famílias não foi o único dado que chamou a atenção: os promotores também constataram que os líderes do MTST impediram a prefeitura de cadastrar os sem-teto em programas de habitação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), do governo estadual. O motivo? O comando do MTST tem sua própria lista e organiza a fila de espera de beneficiários dos programas habitacionais. E a lista é justamente a forma como o líder do MTST exerce domínio sobre seus comandados: há planilhas contabilizando a presença diária de cada integrante em acampamentos e invasões – uma espécie de lista de chamada. Logo, quem participa ativamente dos atos do MTST, passa na frente na fila de espera.

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“Há mais de 130.000 pessoas esperando por uma casa, algumas há mais de dez anos. Nós estamos defendendo todas as pessoas que não possuem um teto, e não apenas um grupo. O estranho é que não vejo essa mobilização toda das autoridades para resolver os problemas de moradia. Agora para atender ao desejo dos invasores…”, questiona o promotor Marcus Vinicius Monteiro dos Santos.

Tapete vermelho – Recentemente, o prefeito Fernando Haddad resolveu afagar o MTST: firmou um compromisso para transformar a área invadida nas cercanias do Itaquerão em uma “zona especial de interesse social (ZEI)” no texto do novo Plano Diretor. Hoje, o terreno é classificado como zona industrial (ZI). A alteração só beneficiará um interessado: o MTST. A emenda a um projeto de lei para mudar o zoneamento da área já foi enviada por Haddad para votação na Câmara. O Ministério Público informou que, se for aprovada, ingressará com uma ação de inconstitucionalidade.

“Alterações pontuais de zoneamento que favorecem determinados grupos de interesse são, em princípio, inconstitucionais por não atenderem aos interesses da cidade como um todo”, disse o promotor Marcus Vinicius Monteiro dos Santos. Segundo ele, as mudanças de zoneamento devem ser debatidas na revisão da lei de uso e ocupação do solo.

Transtornos – Segundo documentos anexados ao inquérito, a invasão tem causado transtornos moradores da região e também pode poluir áreas de preservação ambiental. Em ofícios enviados à Promotoria, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) reportou que o estacionamento de veículos em frente ao terreno está prejudicando a circulação e a parada de ônibus. Mais: a companhia já emitiu cem multas de trânsito quando os sem-teto decidem ir até o terreno.

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Na área ambiental, foi verificada a presença de cinco mananciais no terreno. Apesar de não ser uma reserva ambiental, a área é classificada como “zona de amortecimento”, sujeita a normas e restrições específicas – o terreno é vizinho ao Parque do Carmo, que mantém um dos maiores trechos de Mata Atlântica da cidade. Segundo o Ministério Público, mesmo se for destinada à habitação, a área não pode ser completamente construída.

Imóvel – A propriedade invadida tem 150.000 metros quadrados e pertence à incorporadora Viver S. A. O terreno, adquirido em 2008, era vigiado por uma empresa de segurança particular. “Desde a aquisição, a requerente [Viver S.A] exerce a posse direta dos imóveis, enquanto trabalha no desenvolvimento do empreendimento que será construído no local. (…) Para garantir o isolamento da área e banir a atividade de eventuais invasores, desde a aquisição a requerente mantém a ronda de segurança do local através de empresa especializada, arcando com o pagamento de aproximadamente 8.000 reais mensais”, relata a ação de reintegração de posse na Justiça.

Na ação, a empresa também questiona as motivações políticas do MTST em invadir uma propriedade situada a alguns quilômetros do estádio do Itaquerão. “Não há dúvidas de que a área foi escolhida em razão da proximidade com o estádio de abertura da Copa do Mundo e para servir de palco político para as demandas dos movimentos que passaram a apoiá-las”, informa o documento.

A empresa relata que, no dia da invasão – a madrugada de 3 de maio -, os vigias tiveram a “integridade física ameaçada”. O terreno foi cercado por setenta carros e caminhões, com centenas de pessoas, inclusive crianças. No dia seguinte, os líderes do MTST usaram um carro de som para convocar moradores de favelas próximas a montar barracos no terreno. Os laudos do inquérito mostram que a estratégia de Guilherme Boulos não convenceu os moradores da região. Mas o aliado Fernando Haddad sim.

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