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Ronaldo Caiado: “O agro quer paz”

O governador de Goiás reconhece que o setor não pode mais avançar sem olhar para o meio ambiente e critica o MST por desrespeitar as leis do campo

Por Ricardo Ferraz, Lucas Mathias Atualizado em 4 jun 2024, 10h24 - Publicado em 4 ago 2023, 06h00
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  • Durante mais de quatro décadas de estrada política, por cinco vezes deputado federal e uma senador, o governador em segundo mandato de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), sempre deu voz aos interesses do agronegócio, o que o projetou nacionalmente na década de 80. Filho de agropecuarista e médico de formação, ele era então presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e agitava a bandeira antirreforma agrária. Dali saltou à arena eleitoral, concorrendo à Presidência na eleição de 1989, na qual travou altos embates com Lula — um duelo que, segundo ele, não deixou feridas. Apoiador de Jair Bolsonaro, com algumas colisões pelo caminho, Caiado, aos 73 anos, defende um ponto de equilíbrio entre o olhar ambiental e a economia. “O agro está puxando o PIB e precisa de condições para seguir prosperando”, disse ele a VEJA, nesta entrevista em que critica do MST à União Europeia e fala da dor trazida pela perda de um dos quatro filhos, morto subitamente aos 40 anos.

    O governo está tentando se reaproximar do agronegócio e anunciou o maior Plano Safra da história. Como entende esse movimento? Estão apostando no que dá certo. A agropecuária contribuiu com 159 bilhões de dólares nas exportações brasileiras no ano passado e é o único setor com chances de ser competitivo no cenário internacional. Lula fez suas reflexões. Compreendeu que não vale a pena ir para o confronto e travar uma desnecessária queda de braço em uma área da economia que caminha tão bem e só quer paz.

    Por que o setor tem tanta resistência a Lula e ao PT? O permanente apoio do PT ao Movimento Sem Terra dificulta as coisas. Imagine eu ficar na porta de sua casa dizendo que vou invadi-la. Você certamente não se sentirá tranquilo. Agora, o MST não tem figura jurídica. Não sei quem é o responsável pelo estatuto nem quem responde por seus atos. Por isso, não cabe sequer perder tempo falando deles.

    O senhor é contra a reforma agrária? Se a conversa não girar em torno de invasão, mas de promover a reforma com desapropriações ancoradas na lei, não vejo problema algum. Não é o Zé ou a Maria que vão dizer “olha, eu vou fazer uma reforma agrária aqui nesse município e invadir essa propriedade”. Isso deve transcorrer no campo das normas preestabelecidas, à base de uma política eficiente de inclusão dos assentados, para que tenham oportunidades. Na maioria das vezes, você chega à terra e o cidadão está sem luz elétrica, sem água e sem acesso à cidade. Assim, não funciona.

    Suas divergências com o PT estão postas de lado? Uma coisa é o processo eleitoral, a outra é o governo, que exige uma parceria constante. Entendo que o presidente está em seu terceiro mandato e sabe muito bem que não é o caso de ficar entrando em rota de colisão. Quem não lembra, lá atrás, de meus debates com Lula, quando eu era presidente da UDR? E quando disputamos a Presidência da República, em 1989? Esse tempo ficou para trás.

    “Ambientalistas de butique ficam dizendo por aí que não pode nada. Mas o cidadão necessita de alternativas para viver. O governo deve dar subsídio para manter a floresta de pé”

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    Restou alguma ferida do passado? Nenhuma. Lula e eu sempre tivemos posições antagônicas, mas de forma respeitosa. Naquela época, não havia marqueteiro, cada um fazia sua campanha, e o debate era mais livre. Nada que saía dali, porém, era de ordem pessoal.

    Recentemente, o senhor elogiou o presidente e afirmou que “nas políticas públicas vamos continuar abraçados”. O que quis dizer com isso? Foi na ocasião de uma visita a Goiás do ministro da Justiça, Flávio Dino, que veio entregar viaturas e caminhonetes para reforçar o programa de proteção às mulheres. Agradeci e usei a imagem do abraço. Você há de convir que eu sou homem educado, cortês, que sabe receber as pessoas. Não sou grosseiro nem tenho medo de patrulhamento. Já estive com o presidente duas vezes, em reuniões com os governadores.

    Há três ministros na Esplanada que vieram da cota do União Brasil. O que acha de a sigla integrar o governo? O partido esteve presente também no governo de Bolsonaro, ocupando três ministérios de relevância. Nem por isso votava junto em todos os temas que vinham à pauta, compondo uma base uniforme. Faz parte da política. Não cabe a mim falar pelos deputados e senadores que lá estão. Cada um deve analisar a sua realidade.

    Não é contraditório que uma ala do União Brasil integre o governo e a outra se mantenha na oposição? Não acontece apenas com o União Brasil. Sempre há num partido discussões internas e tendências diferentes. Não existe algo como uma legenda homogênea em que todo mundo concorda com tudo. Essa esquizofrenia faz parte do sistema político brasileiro e garanto que não há dose de Gardenal que arrefeça isso.

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    Mundo afora, se discute como fazer girar a economia sem ferir o meio ambiente. O Brasil está fazendo a lição de casa? Acho que o Brasil está na direção certa. Outro dia, uma respeitada professora da faculdade de Lisboa desancou os brasileiros num seminário do qual participei em Portugal, criticando a postura ambiental do país. Perguntei a ela se as propriedades de lá chegam perto do que se vê na Amazônia, onde há até 80% de reservas. Passo pelos rios da Europa e só vejo concretagem na margem, sem nenhuma mata. Temos o código florestal mais moderno do planeta, algo que nunca foi implantado na Ásia, na União Europeia ou nos Estados Unidos. Precisamos de pessoas qualificadas no Itamaraty para discutir esses assuntos no cenário internacional.

    Os dados de desmatamento seguem elevados. O agro está mesmo disposto a pôr em prática a cartilha ambiental que o senhor elogia? Há uma lei e quem não respeitá-la deve ser punido, multado e impedido de acessar o crédito rural. Dito isso, é bom lembrar que mais de 30 milhões de brasileiros moram na região amazônica e todo esse patrimônio ecológico precisa ter um valor financeiro. Ambientalistas de butique ficam dizendo por aí que não pode nada. Mas o cidadão necessita de alternativas para viver. O governo deveria dar subsídio para manter a floresta de pé.

    Há risco de a União Europeia apresentar sanções aos produtos agrícolas brasileiros, justamente em razão das questões ambientais. Eles estão certos? Não. O europeu se reúne e, de repente, decide que tudo o que foi desmatado a partir de dezembro de 2020 é ilegal. Não podem impor um marco temporal, sendo que eles próprios não deixaram nenhuma árvore em pé. A verdade é que a União Europeia não faz um acordo comercial com o Mercosul porque sabe que não tem condições de competir com o Brasil. Para tudo, exigem uma certificadora. O custo disso para o produtor rural é gigantesco.

    Estão demonizando o agro brasileiro? Claro que sempre aparece alguém para dar uma versão fake news para o que acontece no campo. O fato é que, enquanto o Brasil cresceu 2,9% no ano passado, em Goiás o avanço foi de 6,6%. Há algumas décadas, ninguém imaginava que o cerrado pudesse produzir um grão de soja nem engordar boi. Mas aí a Embrapa pesquisou, desenvolveu a semente e hoje exportamos para todo mundo. Agora, veja a indústria brasileira. Desde Juscelino Kubitschek constroem-se carros no país, mas não fomos capazes de fazer um veículo para brigar no mercado internacional.

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    Por que o senhor se opôs à reforma tributária? O projeto aprovado na Câmara fere de morte o pacto federativo, que é uma cláusula pétrea da Constituição e dá aos estados autonomia de arrecadação e de gestão dos recursos. Criaram uma comissão federativa para fazer a redistribuição do dinheiro e definir quais estados deverão receber os fundos de compensação e de desenvolvimento regional. Para mim, é uma excrescência que concentra ainda mais o poder em Brasília.

    O senhor defende a manutenção da guerra fiscal? Guerra fiscal é um termo pejorativo que só existe no Brasil. Nos Estados Unidos, empregam a mesma prática, mas lá chamam de competição nos impostos. O Texas oferece um tributo menor do que o da Califórnia, e as empresas vão para lá por esse incentivo. Isso é política de desenvolvimento. Na minha avaliação, a reforma tributária tal como apresentaram serve à Confederação Nacional da Indústria e ao grupo das exportadoras, não à população. Mas, sim, precisamos de uma mudança aí para dar impulso à economia.

    Com Bolsonaro inelegível, como avalia a força do bolsonarismo? Mesmo com Bolsonaro proibido de sair candidato, não se pode retirar dele a capacidade de mobilizar milhões de pessoas. Pouquíssimos líderes no país têm tamanho poder de transferência de votos.

    “A perda de um filho é um fato que você não consegue superar, não passa. Cada lugar que eu olho me traz uma lembrança. Uma morte dessas tira um pouco da beleza da vida”

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    Como anda sua relação com Bolsonaro? Não o considero meu amigo, mas um aliado. Não significa que eu seja submisso. Não sou vaquinha de presépio nem estou aqui para dizer amém. Não concordo com ele em relação à desconfiança sobre a urna eletrônica nem sobre as vacinas da Covid. Sou médico e acredito na ciência.

    Um relatório da Abin mostra que os atos de 8 de janeiro contaram com apoio de produtores rurais. Desaprova a conduta deles? O ministro Alexandre de Moraes está cuidando para que essas pessoas respondam por seus atos. Como governador, não admito qualquer espécie de invasão ou destruição de prédio público. Critico essa postura da mesma forma que fiz quando o Congresso foi invadido pelo MST. Democracia exige cumprimento de regra.

    Para as eleições presidenciais de 2026, fala-se muito nos nomes dos governadores de Minas, Romeu Zema, e de São Paulo, Tarcísio de Freitas, para representar a direita. Considera boas apostas? São duas pessoas extremamente credenciadas. O Brasil terá oportunidade de avaliar uma nova safra de governadores, que se colocarão como candidatos. São Paulo e Minas, claro, contam com uma posição de arranque diferenciada, por serem os maiores colégios eleitorais do país.

    Cogita correr por fora? Não vou pular etapas agora. Mas não descarto a possibilidade.

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    Como tem lidado com a ausência de seu filho, morto subitamente em 2022, aos 40 anos? É um fato que você simplesmente não consegue superar, não passa. Cada lugar que eu olho me traz uma lembrança. Mergulhei firme no trabalho, sabendo que meu filho está me ajudando lá de cima. Uma morte dessas tira um pouco a beleza da vida.

    Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853

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