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Prisão de Bolsonaro não seria ‘útil para o país’, diz Temer

Ex-presidente afirma que colocar Bolsonaro na cadeia pode vitimizá-lo, elogia Lula e critica esforço para a reabilitação de Dilma Rousseff

Apresentado por Atualizado em 3 dez 2023, 16h15 - Publicado em 1 set 2023, 06h00

Pouco mais de quatro anos após ser preso pela Polícia Federal, quando saía de sua casa, o ex-presidente Michel Temer diz que o encarceramento preventivo de ex-chefes da República não faz bem ao Brasil. Para ele, que sequer foi denunciado, a possibilidade de isso ocorrer novamente, agora com Jair Bolsonaro, deveria ser evitada porque “não é útil para o país” e pode ter o efeito de criar empatia com o ex-presidente. “Você o vitimiza”, afirma ele. Desde que deixou o Palácio do Planalto, o emedebista passa a maior parte do dia em seu escritório, no Itaim, bairro nobre da capital paulista, onde recebe políticos, colegas do mundo jurídico e clientes. Sua maior (e mais rentável) atuação tem sido no fornecimento de pareceres judiciais, sobretudo na área do direito constitucional.

Aos 82 anos, Temer defende a pacificação política e quase nada o faz mudar o tom de suas palavras. Uma exceção é ao ser questionado sobre a tese de que houve golpe no impeachment de Dilma Rousseff, como querem fazer crer os apoiadores da petista, principalmente após o arquivamento de uma ação sobre as pedaladas fiscais. “Não houve exame de mérito. O impeachment, se foi golpe, foi de sorte”, ironiza. Sobre Lula, Temer avalia que a gestão “está tomando rumo” depois de um começo tumultuado e elogia Fernando Haddad, que considera “uma grata surpresa”. Confira a entrevista a seguir.

Em 2018, a Secretaria-Geral da Presidência, sob sua gestão, listou presentes considerados personalíssimos que poderiam ficar em posse do presidente, mas a medida foi revogada por Jair Bolsonaro, que agora se vê investigado por conta da venda de joias recebidas em viagens oficiais. Como o senhor avalia esse episódio? É uma coisa a ser decidida pelo Judiciário. Realmente, houve várias tentativas de se disciplinar os recebimentos de presentes, isso não vem de agora. Quando houve uma pequena disciplinação, em 2018, ela foi revogada em 2021. É um tema complicado. Não é fácil distinguir uma coisa da outra.

O que o senhor fez com os presentes que ganhou? Recebeu muitas joias? Eu recebia determinadas medalhas, condecorações. Nunca recebi relógios caros ou joias. Botei o meu acervo em uma faculdade em Itu (SP). Não quis montar instituto, pois envolve gastos. Em Itu tem o memorial Michel Temer.

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O fato de um presidente ter vendido joias no exterior (um relógio Rolex foi comercializado em novembro de 2022) não seria antiético? Bolsonaro partiu da concepção de que são objetos pessoais. Em sendo pessoais, poderia ficar com eles ou vendê-los.

Acredita que Bolsonaro possa ser preso em razão dessa investigação ou mesmo de outros processos? Não digo se convém (a prisão) ou não. Eu não acho útil. Ao prender um ex-presidente, em vez de produzir efeitos negativos, você o vitimiza. Não é útil para o país. Temos no Brasil uma radicalização de ambos os lados. São palavras, gestos, momentos que levam a nação a uma intranquilidade.

“Bolsonaro partiu da concepção de que são objetos pessoais. Em sendo pessoais, poderia ficar com eles ou vendê-los. É um tema complicado. Não é fácil distinguir uma coisa da outra”

O senhor chegou a ser preso, Lula ficou quase dois anos na Polícia Federal em Curitiba e Bolsonaro pode ser o próximo, assim como Fernando Collor, já condenado pelo Supremo. Independentemente da individualidade de cada caso, como é possível esse tipo de histórico? Eu não fui preso, fui sequestrado. Não havia indiciamento, denúncia, nem uma representação. E o juiz (Marcelo Bretas) fez o que fez. Se viesse a mim para que eu comparecesse, é claro que iria. Eles me esperaram sair de casa, me pegaram na rua, com fuzil, para sequestrar. Acho que era preciso verificar uma determinação sobre os presidentes da República. Isso não significa que quem tenha praticado maiores excessos de corrupção não possa ser detido. Mas deveria haver uma legislação que previsse um tratamento adequado à figura do ex-presidente.

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Como poderia ser isso? Enquanto não houver condenação, as prisões preventivas são muito questionadas. É preciso tomar certo cuidado com isso.

Por falar em Justiça, o que achou da primeira indicação de Lula ao STF, a do ministro Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente? Acha justas as críticas que ele vem recebendo após votos como o contrário à descriminalização da maconha? Eu conheço bem o Zanin e tenho grande admiração por ele. Sei que quando ele toma decisões, tanto na advocacia quanto no Supremo, está pautado pelo sistema normativo. Nesse caso, na interpretação, há convicções. Isso não deve impressionar a ele e nem a mim.

O senhor foi pego de surpresa com as posições tidas como conservadoras que Zanin demonstrou até agora? Acha que Lula se surpreendeu? Não acredito. O Lula, quando nomeou, sabia das posições do Zanin. Não creio que tenha se surpreendido. Alguns setores da sociedade é que se surpreenderam.

O senhor foi responsável pela indicação de Alexandre de Moraes ao STF, ministro que vem sendo muito cobrado por um suposto excesso em suas decisões. O senhor se arrepende de tê-lo levado ao Supremo? O Alexandre tomou posições também pautadas pelo sistema normativo. É um grande constitucionalista, o conheço há muito tempo. Ele faz questão de cumprir a Constituição. A crítica é natural, mas não tem significado técnico-jurídico, tem significado político. As decisões são acertadas.

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Não há então excesso de poder? Não creio que haja. Coube a ele uma função em um momento da vida pública, que foi comandar as eleições, muito conflituosas. Foi obrigado a tomar uma série de decisões. Não há excesso da parte dele. Em um ou outro caso pode ter havido alguma demasia. Mas ele é cumpridor rigoroso das leis.

Onde pode ter havido demasia? Não saberia dizer, pois não conheço os atos que praticou. Ele foi muito duro em um determinado momento para permitir a realização das eleições. Foi duro contra quem estava contraditando o sistema democrático. Mas, ao longo do tempo, ele tem amenizado. Liberou vários empresários, faz acordo com aqueles que invadiram as sedes dos Três Poderes. Está amenizando positivamente as ações que tomou, corretas em um dado momento, mas que não podem perdurar para sempre.

Em 2021, o senhor intermediou uma conversa entre Moraes e Bolsonaro depois que o presidente fez discursos golpistas no 7 de Setembro. Apesar do bom relacionamento que tinha com Bolsonaro, por que se declarou neutro na eleição, mesmo sendo atacado por Lula e o PT? Eu ocupo a posição de ex-presidente. Em face dos conflitos existentes, que levaram a uma radicalização de posições, achei mais oportuno manter-me neutro. Quanto ao 7 de Setembro, fiz o que mais fiz na vida: mediação. O momento era dramático para o país, poderia até gerar um conflito civil. Fui chamado e ajudei a mediar o conflito.

O recente avanço de investigações contra militares externou uma grande preocupação no comando das Forças Armadas de que os inquéritos respinguem na instituição. Eles têm razão em se preocupar? Não creio que estejam preocupados. Eles têm noção de nacionalidade e cidadania extraordinária. São cumpridores do texto constitucional. Quando alguém desvia desse texto, eles não apoiam. Vejo que há notícias que podem preocupá-los, mas individualmente (quem é investigado), não corporativamente.

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Quem deve ser o sucessor de Bolsonaro no eleitorado de direita e centro-direita? Há muitos pré-candidatos, fica difícil definir agora. Estou impressionado com a safra de governadores. O Helder Barbalho (Pará), por exemplo, está fazendo um trabalho extraordinário pela economia verde. E todos os demais pregam a pacificação do país. Quem sabe até a próxima eleição surja um bom nome.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que foi diretor do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) no seu governo, pode ser um desses nomes? Parece que ele não quer ser candidato a presidente. Quando muito, poderá tentar a reeleição. Eu o conheço bem, prestou um serviço inestimável. E está fazendo um governo muito bem reconhecido.

“Alexandre de Moraes está amenizando positivamente as ações que tomou, corretas em determinado momento, mas que não podem perdurar para sempre”

Como o senhor avalia a gestão Lula? Há uma certa tendência de cada governo de querer destruir os anteriores. Todos os presidentes cumpriram seus papéis, de Sarney a Bolsonaro. Desde o início do atual governo, falam em revogar a reforma trabalhista, mas até agora nada foi feito. Pega a reforma do ensino médio, a única coisa que falam é em aumentar a carga horária de matemática e português. O teto de gastos, no meu governo, era aplicar a inflação do ano anterior para o novo Orçamento. Agora é inflação mais um percentual da receita líquida. É uma mera adaptação, mas não quer se falar em teto. “O teto caiu.” Mentira, o teto agora é outro, simplesmente. Lamento que a pregação tenha sido essa. Não pode contestar o que foi útil ao país.

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O que tem achado da condução da economia sob Lula? O ministro Fernando Haddad (Fazenda) está me surpreendendo. Ele pautou-se por uma regração econômica que pretende manter a possibilidade de redução da dívida pública. Comecei com um déficit de 179 bilhões de reais e entreguei com 119 bilhões de reais. Nos anos seguintes, chegou a quase 60 bilhões de reais. Isso foi fruto do teto de gastos.

Com a Justiça arquivando o caso das pedaladas fiscais, cresceu nos ambientes petistas a tese de que Dilma Rousseff foi vítima de golpe. Foi? Lamento, porque percebo que as pessoas não se aprofundam nos temas. Essa sentença do TRF1 apenas levou em conta uma decisão do Supremo que determinou que, caso alguém tenha sido responsabilizado politicamente, não há razão para o mesmo fato ser apenado em outro tribunal. Não houve exame de mérito. O que há é uma narrativa de que ela foi absolvida.

O que acha de Lula ter dito que Dilma deveria ser recompensada? Ela já foi recompensada, ele a mandou para chefiar o banco do Brics. Lamento que o presidente e outros façam uma revisão verbal, que mencionem que ela não praticou tal ato. Isso é para produzir a tese do golpe, que não foi golpe coisa nenhuma. O impeachment, se foi golpe, foi de sorte. Significou várias reformatações que foram feitas no nosso governo. É pregação política na qual o povo não acredita.

Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857

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