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“Nunca tive medo”, diz Carlos Lupi, após bronca pública de Lula

O ministro da Previdência Social, do PDT, admite ter feito anúncios à revelia de Fernando Haddad, mas não se arrepende — e avisa que seguirá em frente

Apresentado por Atualizado em 31 mar 2023, 10h10 - Publicado em 31 mar 2023, 06h00

Em março, Lula deu uma bronca pública em alguns de seus ministros. “Toda e qualquer posição, qualquer genialidade que alguém possa ter, é importante que, antes de anunciar, faça uma reunião com a Casa Civil”, disse Lula. Sobrou para Márcio França, ministro dos Portos e Aeroportos, que divulgara um programa de venda de passagens aéreas a 200 reais. Sobraria também para Carlos Lupi, da Previdência Social, que celebrou a redução dos juros dos empréstimos consignados de 2,14% para 1,7% ao mês, antes do bater de martelo oficial (na semana passada, o índice subiu para 1,97%). Os consignados são créditos com taxas mais baixas porque as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento. Lupi, indicação do PDT, esteve à frente de um outro ministério, o do Trabalho e Emprego, no fim do segundo mandato de Lula. Ele falou com VEJA em Brasília.

O senhor é um dos gênios a que se refere Lula? Ele parece não ter gostado do anúncio da queda dos juros de consignados a pensionistas do INSS. Não percebi isso. Eu já tinha falado com ele. Você perguntou para ele (Lula) se ele não gostou? A única coisa que ele disse é que eu deveria ter falado com a Fazenda. Isso quer dizer que a Fazenda contou a versão dela. Na lei, o Conselho da Previdência é um órgão autônomo. Com três representantes patronais, três aposentados, três centrais sindicais, e seis do governo. E, claro, troquei os do governo anterior, não ia deixar o pessoal do Bolsonaro. Todo mundo dizia: isso aí tem que baixar mesmo, inclusive o Rui Costa (ministro-chefe da Casa Civil).

O senhor não consultou o mercado financeiro, os bancos? Tive duas reuniões com a Febraban. Depois com o Rodrigo Maia, que agora preside a Confederação Nacional das Instituições Financeiras, cinco diretores da Febraban, o presidente do INSS. Eu disse: “Vou baixar os juros”. Aí ele (Rodrigo Maia) me convidou para jantarmos naquela noite, às vésperas de tomar a decisão. Eu perguntei assim: “Gente, como vocês dormem?”. A resposta: “É o mercado”. Gente, pelo amor de Deus, você ter 8 milhões de reais de 300 000 pessoas que resultam em mais ou menos 44 milhões de reais em empréstimos? O risco do banco é zero. Eles disseram: “Mas o risco é a morte”. Então não é só beneficiário da Previdência que morre…

Pode-se intuir que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não gostou da iniciativa…  Isso, sim, de fato. Eu liguei para ele, depois de estar com o presidente dias antes. Disse: “Estou ligando por dever de lealdade, vou baixar os juros dos consignados”. Ele retrucou: “Toma cuidado aí, porque os bancos podem deixar de emprestar”.

A sinalização de Haddad não serviu de alerta, indício de que a decisão cairia mal? Ele não foi taxativo. Mas há um aspecto positivo: abrimos a discussão. Os bancos não admitiam juros abaixo de 2%. Mas deixei claro com os bancos que, sem acordo, arbitraríamos uma faixa que seria fechada.

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“Eu vou pedir desculpa por ajudar a base do meu governo, que é pobre? Eu tenho a consciência absolutamente tranquila. Mas confesso que me surpreendi. Banco é muito poderoso”

O senhor tem alguma outra queda de braço com os bancos? Sabemos que há ao menos 400 000 “pastinhas” atuando nesse meio-campo da concessão de empréstimos de bancos para aposentados. São intermediários, como despachantes. Recebem em média 10%, alguns 15%, do valor do consignado. Os bancos não querem cortar esses intermediários. É uma parte vulnerável da sociedade. O sindicato está nos criticando muito, espalhando que vamos acabar com a categoria.

Depois de tanta confusão, não é o caso de pedir desculpas? Vou pedir desculpa por ajudar a base do meu governo, que é pobre? Tenho a consciência tranquila, mas entendo que a preocupação da Fazenda é também com outros fatores, com o arcabouço fiscal. Banco é muito poderoso. Mas confesso que me surpreendi. Não imaginei que o sistema bancário faria tanta articulação. Isso eu quero confessar aqui, a ponto do meu Banco do Brasil e da minha Caixa aderirem dois dias depois (as duas instituições suspenderam as linhas de consignados; decidiram retomá-las com a nova taxa, de 1,97%).

Teria feito de outro modo? Se tivesse a informação de que a Caixa e o Banco do Brasil mudariam de ideia, com certeza. O sistema financeiro veio como um buldogue contra mim. Acha que sou contra bancos. Sou contra os abusos dos bancos. Todo mundo concorda com redução de juros, mas o mercado é poderoso e perigoso.

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Em algum momento passou por sua cabeça perder o cargo depois da bronca? Não, não tive medo, nunca tive. É sentimento que eu não tenho. Quem tem medo de bravo não sai nem de casa. Quem tem medo não faz nada na vida. O máximo que pode acontecer é eu ser ex, e eu já fui. O conselho decidiu por doze a três, e a decisão foi publicada no dia seguinte. Qual jogo os bancos fizeram? “Não vou mais emprestar.” Para comprar um carro, os juros são de 1,03%. Não acredito. Só os juros dos consignados podem ser altos? Eu tenho dificuldade de entender. Mas de repente o problema sou eu.

E o ministro Márcio França, que também foi criticado por Lula ao anunciar a diminuição dos preços das passagens de avião a certos grupos, sem antes consultar o Planalto, fez a coisa certa? Olha, querida, eu acho sempre bom reduzir passagem aérea. É justo isso. “Ah, mas porque tem o preço do querosene…” Mas será que é só o querosene? Hoje está mais fácil ir de Fortaleza a Portugal do que do Rio para Brasília.

Mas pode um ministro tomar uma decisão sem antes falar com o presidente, sem antes medir os custos? Nessa parte, ele está mexendo diretamente com a economia. É muito mais forte do que eu fiz, que levei ao conselho. Para isso existe o conselho.

Mas, afinal, o senhor conversou com o presidente depois do episódio? Não. Não teve ligação nenhuma dele, nem minha. No mérito, acho que ele faria o mesmo que eu.

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Mas, ministro, o impacto econômico da iniciativa parecia evidente… Qual impacto econômico pode ter um empréstimo direcionado para quem tem a garantia do salário? Zero. Só tem impacto qualquer tipo de linha de crédito que tenha risco.

Não é o que dizem os bancos… Aí é a ganância de querer ganhar mais.

A França, que pode servir de espelho para o Brasil em futuro próximo, quebraria sem a reforma da Previdência. Lá, o presidente Emmanuel Macron resolveu avançar na marra, sem passar pelo Congresso, por meio de decreto. O senhor teria coragem de fazer o mesmo? Na verdade a economia francesa é outra coisa, né? Outra cultura completamente distinta e a população achou ruim aumentar de 62 para 64 anos a idade de aposentadoria. Sendo que a qualidade de vida lá é melhor e o povo vive mais. No Brasil, quando o marido morre, a mulher fica com apenas 60% de pensão. O que melhora na vida que justifique reduzir o salário? Em nome das contas públicas é justo isso? Qualquer que seja o governo, dá um monte de isenção para grandes grupos. As grandes fortunas não pagam nada. E vamos achar que a solução é cortar de aposentadorias e pensões?

No Brasil, então, o senhor acha que a solução seria reduzir a idade da aposentadoria, a caminho do rombo previdenciário? Defendo a regionalização da idade de aposentadorias. A expectativa de vida é diferente entre nordestinos, moradores do Sudeste, do Sul, Centro-Oeste. Na Região Sul há lugares cuja expectativa de vida é como na Europa. Defendo a redução, mas com faixas de idades diferentes para cada região.

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O Boletim Estatístico da Previdência fala em um buraco de 261,2 bilhões de reais da Previdência. Como equacionar essa questão? Sei que no ano passado foram em média 300 bilhões de reais em gastos anuais com a Previdência e 300 bilhões de reais em juros da dívida interna e externa. Cada um escolhe seu público-alvo, a quem atender.

Mas o rombo é inegável… Falar de rombo é criar um dogma, um estigma. Não estamos dando esmola. Estamos dando a aposentados e pensionistas.

“Acho absurdo presidente do Banco Central ter mandato. Eles têm visão ortodoxa da economia. Não ouvem ninguém. Parece conclave de papa. Ali ninguém é santo”

Com as dificuldades que o governo vem enfrentando no Congresso, como imagina que será a reação dos parlamentares a uma eventual nova reforma da Previdência? Não haverá tempo hábil para apresentar neste ano, tem que discutir com a sociedade. Algum resultado, só a partir do ano que vem. Somos um governo de centro-esquerda. E o Lula precisa ter maioria. Não é simples. Temos aquela experiência do governo que não foi exitosa, que tivemos com a Dilma, e não podemos repetir aquela experiência. Temos um governo em que a política social é de esquerda e a política econômica é de centro. Além de um Congresso que não é ideológico.

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A reforma da Previdência criada para os militares na gestão do ex-presidente Bolsonaro foi adequada? Dessa eu não cuido, graças a Deus. Já brigo com banqueiro, com o mercado, agora você quer que eu brigue com militar? Eles têm algumas diferenças sobre os civis, são carreiras de Estado, costumam ter dedicação exclusiva. Mas ali é uma categoria que tem armas.

O senhor defende a autonomia do Banco Central? Acho absurdo presidente do Banco Central ter mandato. Teria que coincidir com mandato do presidente eleito. Porque aí cria uma política econômica dissociada da voz das urnas. Aí no fim do ano o Bolsonaro fez a mudança para esse camarada até o fim de 2024. É como se tivesse ministros de Estado com mandato também. Eles têm visão ortodoxa da economia. Não ouvem ninguém. Parece conclave de papa. Quem são eles para fazer isso com a sociedade brasileira? Ali ninguém é santo. O Banco Central é o conclave do Brasil.

O senhor, como ministro, se nomeou como membro auxiliar do Conselho Fiscal do Serviço Social do Comércio. Isso garante que, além de seu salário na pasta, de cerca de 39 000 reais, ganhe 4 000 a mais por encontro do colegiado. Sua presença é mesmo essencial no conselho? O Conselho Fiscal é tripartite, o presidente é indicado pela CUT, há representante do INSS, dos ministérios do Trabalho, de Gestão. O INSS não tinha presidente, só tinha eu nomeado como ministro. Por isso ocupei o cargo. Isso aconteceu em outros governos. Só quem não pode é o Lupi…

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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