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Flávio Dino: “Temos de agir rápido”

O senador eleito, cotado para ministro da Justiça de Lula, afirma que o novo governo irá atuar pela conciliação do país

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 11h16 - Publicado em 18 nov 2022, 06h00
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  • Recém-eleito senador pelo Maranhão com 63% dos votos, o ex-governador Flávio Dino (PSB) é hoje um dos mais influentes conselheiros do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e cotado para ser o ministro da Justiça no terceiro mandato do petista. Enquanto o martelo não é batido, o ex-juiz federal defende, como membro da equipe de transição, a ideia de que o futuro governo atue rapidamente tanto para conter as manifestações bolsonaristas contra o resultado da eleição quanto para implantar medidas que tenham impacto imediato nas condições de vida da população. Entre os principais gestos a ser feitos, Dino defende o fortalecimento da frente ampla que possibilitou a vitória eleitoral sobre Jair Bolsonaro, a garantia de que os investimentos sociais virão acompanhados de responsabilidade fiscal e o desarmamento do país “literal e simbolicamente”. “O pluralismo político faz bem ao país”, afirma.

    O terceiro mandato de Lula não deverá ter a tradicional lua de mel de 100 dias concedida a novos governantes. As cobranças começarão em 1º de janeiro, ao contrário do que aconteceu na primeira gestão do PT, em 2003. Como a equipe da transição está lidando com isso? Certamente temos uma configuração política no Brasil diversa da que existia há vinte anos, na transição de Fernando Henrique Cardoso para Lula. Naquela época havia uma harmonia, e mesmo os que discordavam da vitória de Lula entendiam que ela fazia parte do legítimo jogo democrático. Agora, temos alguns setores políticos, sociais, empresariais e institucionais que não querem aceitar o resultado das eleições e fazem um combate ilegal e criminoso em relação ao novo governo. Temos um nível de destruição institucional muito maior do que havia em 2003. Vamos ter de agir rapidamente no sentido de adotar ações para garantir a ordem democrática e também medidas que melhorem a vida do povo, que está exausto depois de anos de dificuldades econômicas e sociais.

    Que tipo de medidas? A primeira delas diz respeito ao cumprimento da lei por todos. Há pessoas que estão praticando, de forma flagrante, crimes tipificados no Código Penal. É um dever do atual governo enfrentar a situação, mas se até o dia 1º de janeiro isso não ocorrer, a nova gestão terá de atuar para, por exemplo, colocar fim aos cercos ilegais aos quartéis do Exército. O primeiro passo é garantir as leis. Precisamos criar uma espécie de catequese democrática.

    “Não temos uma transição igual à de Fernando Henrique Cardoso para Lula em 2002. Lá o diálogo era mais fácil. Mas a lei tem de ser cumprida. A transição não é um favor, é um dever”

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    Como está indo o processo de transição? Estamos nos passos iniciais, alguns grupos se reunindo e outros ainda se organizando. É um período curto e é preciso fazer o diagnóstico das áreas de governo e propor algumas medidas. Não conseguiremos dar conta de tudo, pois são praticamente apenas trinta dias de trabalho. O que nos cabe tem sido feito. O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin tem conduzido os diálogos com as áreas de governo e com certeza teremos um conjunto de diagnósticos e de propostas para apresentar ao presidente Lula. A transição possível está sendo feita, em um ambiente muito conflituoso por parte do governo atual. É o que temos.

    A quais conflitos o senhor se refere? Não temos uma passagem de governo igual à de FHC para Lula em 2002. Lá o diálogo era mais fácil. Mas a lei tem de ser cumprida. A transição não é um favor, é um dever. Apesar da má vontade de um ou outro (do atual governo), o processo será cumprido.

    Que tipo de má vontade vocês encontram? No momento em que temos um presidente recluso há duas semanas, houve uma estranha tentativa de ocupação do prédio de transição pelos agentes do general Augusto Heleno, que não se notabiliza pela educação e pelo bom senso. Muito recentemente, ele deu declaração desejando uma doença grave ao presidente Lula. Felizmente, ele não tem credibilidade.

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    Lula terá dificuldade para acomodar tantos aliados no governo? Ele tem dito que todos que ajudaram a ganhar a eleição vão ajudar a governar. Isso se refere certamente às ideias de cada partido, mas também das pessoas. Não tivemos a vitória de um ou dois partidos, mas de uma frente ampla.

    Na campanha, Lula disse que quer criar o Ministério da Segurança Pública, o que provocaria o esvaziamento da pasta da Justiça. Na transição, os dois temas estão com o mesmo grupo. Como vai ficar, afinal? A minha posição é conhecida e deriva da minha atuação como juiz criminal durante doze anos. Não existe política pública de segurança se você fracionar a atuação dos instrumentos que são imprescindíveis. Eu me refiro ao Judiciário, à polícia, ao Ministério Público. Se vai cuidar de segurança na Amazônia, por exemplo, tem de levar em conta essas e outras instituições. Quanto maior a integração, melhor. Mas, obviamente, qualquer que seja a decisão, será por mim executada da melhor forma, porque cabe a Lula definir o organograma da Esplanada.

    O senhor já fala como ministro da Justiça. O convite foi feito e aceito? Não houve nem sondagem. Participo da transição, com outros colegas. A decisão do presidente Lula deverá sair somente em dezembro. Quando digo que vou colaborar, pode ser como integrante do governo ou como senador.

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    Entre as prioridades da segurança pública estão a revogação dos decretos pró-armas e a “desbolsonarização” da Polícia Rodoviária Federal? Há um tema fundamental que é a governança federativa do sistema de segurança. É preciso que haja uma parceria maior entre União, estados e municípios para que os índices de violência diminuam. E estamos fazendo o estudo de leis, decretos e portarias sobre armas. A diretriz do presidente Lula é garantir o restabelecimento do que havia antes. Armas, infelizmente, devem existir, mas nas mãos certas. É perigoso e eticamente errado ter uma generalização do uso de arma de fogo (leia a reportagem na pág. 22).

    O mercado reagiu mal às declarações de Lula sobre questões econômicas, em particular a responsabilidade fiscal, que ele relativizou ao dizer que irá priorizar investimentos sociais. Como o senhor viu esse episódio? Responsabilidade fiscal verdadeira só existe com a responsabilidade social. E vice-versa. Não podemos deixar de priorizar investimentos sociais porque é contrário à responsabilidade fiscal. Por outro lado, você não pode estabelecer uma gastança descontrolada porque, dentro de poucos meses e anos, não conseguirá financiar esses investimentos. Esse é o equilíbrio que Lula conseguiu nos seus governos e será isso que ele irá fazer novamente. O que vimos, lamentavelmente, foi uma distorção do que ele falou e um extremismo de alguns setores, que viram uma janela de oportunidade até para realizar lucros. E isso não é bom.

    O teto de gastos não será mesmo adotado? Ele já não vem sendo adotado pelo atual governo. Pegue os anos de 2020, 2021 e 2022. Houve sucessivas emendas constitucionais para criar exceções ao teto. Isso é uma âncora fiscal verdadeira? Claro que não. Estamos fazendo a continuidade desse regime de excepcionalidade fiscal no que se refere ao teto. É claro que a nova equipe econômica, quando for anunciada e tomar posse, vai cuidar do fundamental, de que haja responsabilidade fiscal. O que temos hoje é um teto de gastos oco, de faz de conta. Precisamos restabelecer a verdade e a credibilidade. Aqueles que não gritaram contra a PEC Kamikaze, que turbinou uma série de benefícios sociais a menos de três meses das eleições, têm de esperar a equipe econômica tomar posse. Claro que haverá responsabilidade fiscal, mas não cobrem a manutenção daquilo que não existe.

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    Quase três semanas depois de perder a eleição, Bolsonaro quase não apareceu em público. Por que o senhor acha que ele está fazendo isso? Bolsonaro é uma pessoa que tem dificuldade de lidar com controles e rejeições. Às vezes até a psicanálise pode ajudar. Ele é uma pessoa muito intolerante, muito raivosa. Esse traço de personalidade tem levado a um apagão. O governo já era escasso e precário, mas até os símbolos de poder da gestão, como as lives e o cercadinho, deixaram de existir. Ele é um déspota e não está aceitando a derrota.

    “O que temos hoje é um teto de gastos oco, de faz de conta. Claro que haverá responsabilidade fiscal, mas não cobrem a manutenção daquilo que não existe”

    Qual é o futuro do bolsonarismo? Basta olhar aquele que ele imita o tempo inteiro, o ex-presidente americano Donald Trump. Um ator de baixa qualidade de um filme ruim. Até as frases são as mesmas, o jeito de agredir a imprensa. Trump fez oposição, tentou o golpe e está buscando voltar. Bolsonaro tentará voltar, vai manter uma base radicalizada. Mas creio que ele vai reduzir de tamanho.

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    Qual liderança da direita poderia ocupar o espaço dele? Espero que a frente ampla em torno de Lula consiga viabilizar o espaço social para que outras forças, ainda que liberais e conservadoras, possam se afirmar. O pluralismo político faz bem ao país. O que faz mal é o extremismo, que tenta destruir a democracia. Há lideranças eleitas que celebram a fidelidade aos cânones democráticos e espero que consigam crescer. E com isso a gente isola o extremismo golpista, nocivo ao Brasil. Temos governadores como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Eduardo Leite e Raquel Lyra, além da senadora Simone Tebet, que não são de esquerda, mas são democratas.

    O Congresso saiu mais à direita das urnas. Como será a oposição a Lula no Parlamento? O Senado será mais bolsonarista. Eu creio que teremos oposição dura, barulhenta, extremista, porém minoritária. Eu não vejo um cenário de Lula com minoria na Câmara e no Senado. Espero que tenha bom senso e o ambiente extremista das ruas não chegue a contaminar o ambiente parlamentar. As pessoas têm direito a defender suas ideias, por mais exóticas que sejam, porém, dentro das regras democráticas.

    Quais gestos Lula pode fazer para tentar apaziguar o clima de país conflagrado? Manter a frente ampla. No momento em que ele assegura esse conceito, dá a prova de que queremos fazer um governo inclusivo, plural, que funcione e não seja unilateralista. Esse é o principal gesto. Agora, é preciso dizer que esperamos sinalizações dos outros. Só é possível fazer uma concertação nacional se os convidados aceitarem o convite que Lula tem feito. Esperamos uma deposição de armas, literal e simbolicamente.

    Lula diz que seu governo será de transição, de apenas quatro anos. Qual é o desenho eleitoral para 2026? Esse debate não é útil. Não se tem os contornos do que será o Brasil em quatro anos. Cada dia com sua agonia.

    Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816

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