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Diretor da PF rebate críticas sobre perseguições políticas: “Sem razão”

Paulo Maiurino também afirma que alguns delegados usam cargo para se promover, ganhar visibilidade e ingressar na política

Apresentado por Atualizado em 14 jan 2022, 09h25 - Publicado em 14 jan 2022, 06h00
Paulo Maiurino, diretor-geral da Polícia Federal -
Paulo Maiurino, diretor-geral da Polícia Federal – (Sergio Dutti/VEJA)

Há 23 anos nos quadros da Polícia Federal, o delegado Paulo Maiurino está no meio de um fogo cruzado. Egresso da chefia da segurança do Supremo Tribunal Federal, ele é acusado por grupos da própria corporação de promover perseguições políticas e exonerações em série de investigadores não alinhados com o governo, o que rechaça com veemência. No cargo há nove meses, o terceiro diretor-geral da PF na gestão Bolsonaro não é o primeiro e certamente não será o último ocupante do cargo a sofrer esse bombardeio. Insinuações como essas recaem naturalmente sobre os ocupantes de cargos escolhidos diretamente pelo presidente da República. Na PF, elas ganham uma dimensão ainda maior diante dos poderosos interesses que cercam muitos dos casos em apuração. O delegado sabe bem o que isso significa e conhece a receita para se afastar das pressões. Em 2006, ele fazia parte do grupo que investigou o mensalão, o primeiro grande escândalo de corrupção do governo Lula. “Fizemos tudo que precisava ser feito sem alarde”, diz. Nesta entrevista a VEJA, Maiurino também critica a espetacularização das operações, fala sobre a segurança dos candidatos na eleição e conta qual é o maior desafio da polícia atualmente.

Delegados têm acusado a gestão do senhor de perseguição política e de os afastar de cargos por fazerem oposição ao governo Bolsonaro. Como responde a isso? Isso é uma narrativa que não tem a menor razão de ser. Tem uma patota de encapuzados que ficou por anos em chefia de cargos comissionados, postos que incrementam o salário, e que agora usa a imprensa para tentar voltar a esses cargos, como se aqui houvesse feudos. Quando chega uma nova gestão, é natural haver trocas e entrar novas equipes, seja por afinidade operacional, seja pelas prioridades do diretor-geral dentro da concepção dele de polícia. As minhas trocas foram em número menor do que em gestões passadas.

O fato de um determinado delegado expressar publicamente uma orientação política é critério de remoção? No exercício de cargo público e dentro de inquérito não se pode fazer manifestação política. Não é possível dissociar o cargo público ocupado com o de cidadão. Veja o caso do ex-superintendente do Amazonas, por exemplo (delegado Alexandre Saraiva). Ele era alinhado ao governo, foi cotado para ser ministro do Meio Ambiente, superintendente no Rio e esteve em novembro de 2020 em uma live do presidente. A partir do momento em que perdeu a condição de superintendente começou a virar um crítico do governo. Isso é patente e nem é desejável. Dizem que trocar o superintendente afeta a investigação. Como? Qual? Aponte. Desafio um delegado que tenha recebido alguma ordem para deixar de fazer ou fazer alguma investigação.

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O caso do Amazonas não é uma demonstração de que há algum tipo de politização na Polícia Federal? É inconcebível que agentes públicos, de qualquer instituição, e não apenas da Polícia Federal, usem de suas atribuições legais e de investigações criminais para interesse pessoal, para virarem celebridades nas redes sociais e na mídia, para monetizar no YouTube, para dar palestras às vezes remuneradas e para se lançar na política. Isso não pode ser tolerado.

Em que medida o ex-ministro Sergio Moro contribuiu com as suspeitas de politização da PF ao acusar o presidente de ter tentado interferir na polícia? A Polícia Federal não pode ser instrumento de disputa política, eleitoral ou ideológica. O inquérito derivado das acusações do ex-ministro Moro está tramitando. No meu período nunca recebi nenhum pedido do presidente, seja para tirar ou colocar um delegado. Aliás, ele nunca me pediu nada. Aqueles que querem impor essa narrativa têm de apresentar um fato concreto, porque senão a gente vai ficar na fofoca, e isso é ruim para a sociedade e para a polícia.

“É inconcebível que agentes públicos usem de suas atribuições e de investigações para interesse pessoal, para virarem celebridades, para monetizar no YouTube, para dar palestras remuneradas e para se lançar na política”

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Para evitar riscos de politização, o senhor é a favor de um mandato para o diretor-geral da PF? Tenho dúvidas. O diretor-geral é escolhido pelo presidente da República, o que significa que, indiretamente, a população faz essa opção por meio do presidente. Se conferirmos um mandato e a lista tríplice, por exemplo, o poder do eleitor, ainda que indireto, será transferido para uma corporação. Se tiver mandato, o diretor-geral também pode discordar de um tema como a política de segurança pública do governo eleito e gerar um impasse institucional. Hoje já existe autonomia. Quando falam que estão querendo ferir a autonomia da PF, deve-se apontar em qual investigação houve pressão, porque, se um dia isso acontecer, é um crime grave.

O senhor referenda a declaração do presidente de que neste governo não tem corrupção? Não posso dizer que tem ou não tem corrupção no governo federal. O que aporta na Polícia Federal nós investigamos. A PF há vinte anos vem se estruturando para enfrentar o crime organizado e o crime de colarinho-branco. O criminoso sabe que, se praticar um crime hoje, mais cedo ou mais tarde, vai receber a visita da Polícia Federal. O crime de corrupção ostensivo, como o que aconteceu quando eu atuei no inquérito dos Correios (que deu início ao escândalo do mensalão), está mais difícil de acontecer. Mas a corrupção nunca vai acabar.

O caso Adélio foi reaberto, e o presidente Bolsonaro continua convencido de que a polícia falhou e que há um mandante para o atentado. Uma parte da investigação ficou suspensa por causa do ingresso de uma ação pela OAB, que entendia que o advogado do Adélio não poderia ter sido investigado. É esse ponto que nós vamos tentar elucidar. Nós temos que nos basear nos autos, nas provas que foram colhidas. Não tem como fugir do teor da investigação. O resto são conjecturas que podem ser criadas.

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O senhor vislumbra que algo similar aconteça com candidatos a presidente em 2022? Temos visto o país de forma muito polarizada, mas os órgãos de segurança estão atentos a esse tipo de ataque. Os treinamentos são frequentes, e nossa expertise é antiga. O atentado contra Jair Bolsonaro em 2018 ensinou que se deve manter um afastamento da multidão quando se é um candidato. A grande dificuldade que temos com os políticos na época de campanha é que cumpram as nossas orientações, porque eles querem ficar no meio do povo. É uma atividade bem complicada a segurança dignitária.

O país esteve à beira de uma ruptura nas manifestações do 7 de Setembro, quando o presidente Bolsonaro atacou o STF? As instituições são sólidas no Brasil. O pessoal bate muito tambor por pouca coisa. As forças de segurança estavam preparadas para impedir qualquer tentativa de invasão do STF, por exemplo. A polarização faz com que algumas pessoas que não são tão equilibradas como o homem médio possam eventualmente praticar um crime mais grave. A polícia tem de proteger a sociedade desses tresloucados. Mas existe mais bravata do que qualquer outra coisa.

Mas já foram descobertos planos de ataque mais estruturados contra o STF. Fui segurança do STF em 2019 e 2020, e na deep web colocaram a planta do tribunal todo e perguntaram: “Quem está disposto a atacar o Supremo?”. Houve outro que perguntou: “Quanto tempo para a polícia, se acionada, chegar ao STF? Quantos agentes têm no STF?”. Ninguém respondeu, mas poderia ter havido uma troca de informações. A gente nunca conseguiu identificar os responsáveis pelas mensagens.

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O Ministério da Saúde e até o site da PF foram alvos de hackers. Nosso maior desafio hoje são os crimes cibernéticos. Nas próximas semanas vamos lançar uma força-tarefa liderada pela Polícia Federal junto com o setor privado, que permitirá o compartilhamento de dados e informações em tempo real, sobretudo os ataques que entes privados e públicos estejam sofrendo naquele momento. A ideia é que essa força-tarefa trabalhe 24 horas por dia, sete dias por semana. Já temos uma estrutura física pronta em Brasília para acolher as empresas que têm interesse de integrar essa força-tarefa com uma cláusula de confidencialidade.

Por que é tão difícil identificar os autores desses crimes digitais? Antes, o perfil desse criminoso era de um jovem que invadia bancos de dados muitas vezes apenas como desafio. Com o passar do tempo, percebemos que, presos, alguns desses hackers ficavam no mesmo ambiente de líderes de organizações criminosas, que se aproximaram e passaram a se associar a eles para fazer ataques. Instauramos 1 282 inquéritos policiais por crime cibernético nos últimos meses e solucionamos 92,8%. Esse ataque no Ministério da Saúde, que atingiu outros órgãos, não foi a pior invasão.

Qual foi a pior? A pior foi a do STJ (em novembro de 2020), que ficou dezoito dias fora do ar. Por sorte, eles tinham um backup em disco e conseguiram recuperar os processos. A cada dia fica mais difícil identificar esses hackers devido à facilidade que eles têm de se movimentar pelo mundo, maquiando os IPs ou se sediando em países que não têm acordo de troca de informações com o Brasil.

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Como o senhor quer ter a gestão lembrada na PF? Quando há a exposição precoce de uma autoridade pública investigada, isso pode ter sucesso na mídia e gerar a falsa sensação de combate ao crime, mas algumas dessas investigações mostrarão fragilidades, serão arquivadas e causarão um sentimento de frustração e descrédito. As investigações tratam da liberdade de pessoas, da vida financeira de empresas e não podemos permitir que direitos fundamentais sejam atacados e feridos. Resgatar a moral de uma pessoa inocente que teve sua reputação assassinada é praticamente impossível. Gostaria de ser lembrado como o diretor em cujo período a Polícia Federal combateu a corrupção com eficácia, sem fazer barulho desnecessário. Tudo isso sem atingir direitos de quem quer que seja.

“Não foi só o ex-ministro Ciro Gomes quem reclamou. Outras pessoas também fizeram queixas publicamente. Reafirmamos que não houve qualquer interferência política neste ou em qualquer outro caso”

Recentemente a PF deflagrou uma operação contra o pré-candidato Ciro Gomes com pedidos de busca e quebra de sigilos por fatos supostamente cometidos entre 2010 e 2013. Isso não é espetacularização? Não foi só o ex-ministro Ciro Gomes quem reclamou. Outras pessoas também fizeram queixas publicamente. Reafirmamos que não houve qualquer interferência política do governo neste ou em qualquer outro caso. A direção da PF estabelece as diretrizes gerais das ações policiais, mas não pode e não deve interferir no conteúdo das investigações. Cada delegado tem sua autonomia e, consequentemente, responsabilidade pelo que faz ou deixa de fazer.

As delações premiadas foram um sintoma do que o senhor chama de espetacularização? Tenho uma proposta de aperfeiçoamento legal para as delações. Acredito que, quando a colheita das informações for feita pelo Ministério Público, a Polícia Federal deveria obrigatoriamente emitir um parecer sobre essa colaboração antes de o juiz competente homologá-la ou não. E vice-versa. Com isso teríamos um grande avanço, melhoraríamos a qualidade da delação e evitaríamos o uso político.

O senhor identificou esses exageros na Lava-Jato? A Lava-Jato foi mais uma das importantes operações da Polícia Federal, com seus erros e acertos, mas há mais de duas décadas a PF vem realizando grandes operações. Alguns casos, derivados dela, ainda estão em andamento na Justiça. Portanto, não me cabe emitir juízo de valor sobre eventuais erros ou acertos das investigações. De qualquer forma, é bom lembrar que a PF tem um longo histórico de combate à corrupção que não começa e nem termina com a Lava-Jato.

Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772

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