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Brian May: “O show vai continuar”

O astro do Queen fala da ansiedade com a volta das turnês após a pandemia e reflete sobre o legado de Freddie Mercury, que morreu há trinta anos

Apresentado por Atualizado em 13 ago 2021, 12h28 - Publicado em 13 ago 2021, 06h00
O guitarrista Brian May -
O guitarrista Brian May – (Reprodução/Instagram)

Se não fosse pela cabeleira excêntrica, o britânico Brian May, de 74 anos, não chamaria atenção do público. Tímido e discreto, o guitarrista ficava à sombra da estrela absoluta do Queen — Freddie Mercury. Mas, se o icônico vocalista personificava a banda que vendeu 300 milhões de discos, May sempre foi a alma musical do Queen. São de sua autoria hits como We Will Rock You, The Show Must Go on e I Want It All. Após a morte de Mercury, de aids, em 1991, May, junto com o colega Roger Taylor, levou adiante a tradição de megashows do Queen. Agora, o guitarrista relança seu segundo álbum-­solo, Back to the Light (Universal), feito no período de luto de Mercury. O que poucos sabem: além de roqueiro, May é ph.D. em astrofísica pelo prestigioso Imperial College e, desde 2015, colaborador da Nasa. Em entrevista por vídeo feita de sua casa, em Londres, ele fala sobre o desejo de tocar após a pandemia, lembra os últimos momentos de Mercury e reflete sobre envelhecer no rock’n’roll.

O Queen sempre arrastou multidões aos estádios. Com o avanço da vacinação, os shows vão voltar? A música ao vivo vai voltar, sim, e viveremos um momento explosivo e monumental. As pessoas estão famintas por isso — e nós também, é claro. Mas a guerra contra o vírus não acabou. Ainda não é a hora de relaxar, pois temos a ameaça da variante delta. Se Deus quiser, contudo, logo poderemos retomar a vida de onde paramos. Tenho certeza de que haverá um nível de energia extra e um influxo maciço de euforia nas pessoas e artistas. Não importa o que tocarmos, só por estarmos lá, já será incrível. Nem sei se meu corpo vai aguentar.

O senhor está relançando seu segundo álbum-solo, Back to the Light, gravado um ano após a morte de Freddie Mercury, em 1991. Esse disco foi a forma que encontrou, na época, para lidar com o luto? Não tenho dúvidas de que sim. Eu mergulhei em uma espécie de negação sobre o Queen por um longo tempo. Na época, dizia que não queria ser mais o Queen. Foi um processo de luto falar sobre a escuridão e a tristeza, mas o disco foi também uma forma de reencontrar a luz, como diz o título. Com ele, reencontrei o otimismo e a alegria da vida, ainda que tenha sido um momento muito difícil de viver.

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Com o relançamento, o álbum finalmente ficará disponível em streaming, uma tecnologia impensável naqueles tempos. Fazer rock se tornou menos manual e agora é um processo quase automatizado? Definitivamente, há uma tendência de usar demais a tecnologia hoje em dia. Mas, no rock, vejo uma reação a isso. O (grupo americano) Foo Fighters fez algumas gravações analógicas, e minha amiga Arielle (jovem guitarrista) aposta nisso também. As pessoas gostam de voltar às velhas técnicas, à velha escola, sem cliques. Eu gosto disso, sinto falta. Para mim, é difícil entender algumas das músicas de hoje, que considero mecânicas.

O rock sempre foi ligado a uma energia juvenil, e sua geração personificou isso. Aquela energia ainda existe ou migrou para outros ritmos musicais? A energia estará sempre aí. No início, o rock era a voz da juventude. Hoje é uma voz universal e atravessa as barreiras de geração, idade, raça, cor, enfim, tudo. Eu me sinto orgulhoso de ver que o rock amadureceu. Absolutamente, me sinto bem por fazer parte dele também.

“Os shows vão voltar, sim, e viveremos um momento explosivo e monumental. A guerra contra o vírus não acabou, mas, se Deus quiser, logo poderemos retomar a vida”

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Se Freddie Mercury estivesse vivo, o Queen estaria na estrada, tal como os Rolling Stones estão até hoje? Tenho certeza de que sim, e estou convicto de que estaríamos gravando coisas novas. Sim, a nave-mãe ainda estaria na ativa. Iríamos fazer nossos trabalhos-solo, mas o Queen estaria vivo e voando alto. Estou absolutamente certo disso. Tínhamos um ótimo relacionamento. Não era fácil, mas a sinergia criativa era incrível. Seria impossível não estarmos juntos se Freddie ainda estivesse aqui.

Como foi seu último encontro com Freedie Mercury? Ele estava confinado numa cama. Mostrava-se triste por não poder se levantar e olhar o jardim pela janela. Levamos uma fita do Quanto Mais Idiota Melhor, do Mike Myers. Ele assistiu ao filme e sorriu. Conversamos sobre várias coisas e, de repente, ele disse: “Brian, você não precisa me entreter, você não precisa ficar conversando comigo. Estou muito feliz só por você estar aqui. Podemos aproveitar este momento. Não sinta que precisa fazer nada por mim”. Isso foi muito inspirador. Freddie sabia que não tinha muito tempo e estava feliz apenas por compartilhar os momentos de uma forma espiritual. Estava em paz.

Em nenhum momento, afinal, o sofrimento da aids o deprimiu? Nunca o ouvi reclamar. Alguns dias depois recebemos o telefonema avisando que Freddie tinha morrido. Embora soubéssemos que isso aconteceria, não conseguíamos acreditar. E, de repente, era isso. Eu, John (Deacon) e Roger (Taylor) estávamos juntos e nos sentamos em uma sala e ligamos a TV. Foi simplesmente alucinante. Nosso mundo foi destruído de uma hora para outra. Embora devêssemos estar preparados, o fato é que não estávamos.

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Em 2021, completam-se trinta anos da morte de Freddie Mercury. Naquela época, a homossexualidade no rock ainda era um tabu. O Queen ajudou a quebrar o preconceito? Com certeza. O show-tributo de 1992 fez uma grande diferença para a comunidade gay. Fazemos questão de manter a memória de Freddie viva e desde então contribuímos com instituições que lutam contra a aids ao redor do mundo.

O fato de Freddie Mercury ser gay em uma banda com integrantes heterossexuais foi problema algum dia? Nunca nos preocupamos com o fato de Freddie ser gay ou não. O que importava eram a música, a paixão e a amizade. Isso é que fazia a diferença. Acredito que cada criatura na Terra é digna de respeito. Não vejo razão para supor que os seres humanos sejam a espécie mais importante do planeta. Se um alienígena chegasse aqui, ele não acharia que fizemos um bom trabalho. Vou viver e morrer pela ideia de que todos, independentemente de sexo ou raça, são dignos de respeito.

Adam Lambert, atualmente nos vocais do Queen, é abertamente gay. Percebe diferenças entre o tratamento dado a ele por parte dos fãs e da mídia? Hoje as coisas são bem diferentes. Freddie nunca escondeu que era gay, era muito claro nas entrevistas. Mas o Adam vai além. Ele é um ativista, e isso é uma parte muito importante do trabalho dele. Às vezes, eu digo para o Adam: “Você tem de se concentrar apenas na música”. E ele responde: “Não, não, não, eu sou um guerreiro”. Eu respeito isso, é claro. Mas, quando estamos no palco, somos uma banda e somos uma força coesa.

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Três anos após o lançamento do filme Bohemian Rhapsody, que ganhou quatro Oscar, o senhor diria que aquela cinebiografia ajudou a conquistar novos fãs para o Queen? É claro que sim. Muitas pessoas que foram ver aquele filme não sabiam quem nós éramos, e saíram sentindo que nos conheciam. O filme prestou um grande serviço. Há muita verdade espiritual nele. Acharam que era um filme sobre Freddie, mas na verdade era sobre o Queen. Isso fez uma ótima ponte para uma nova geração.

O Queen tocou no Rock in Rio duas vezes: em 1985, com Freddie Mercury, e em 2015, com Lambert. Nas duas vezes, o público cantou em coro os versos de Love of My Life. Qual foi o sentimento ao ouvir aquela multidão? Foi muito emocionante. Nossos idiomas e culturas são bastante diferentes, e foi impressionante ver todas aquelas pessoas cantando nossa música em nossa língua, com tanta paixão. Criamos um grande vínculo. Love of My Life nunca foi cantada assim na Europa ou nos Estados Unidos. Mas na América do Sul, por causa do Rock in Rio e também de nossa passagem pela Argentina, ela se tornou uma das maiores coisas da história do Queen. Para nós, foi algo que nunca se poderá esquecer.

As pessoas o reconhecem como ídolo do rock, mas o senhor também é ph.D. em astrofísica. Como foi retornar aos estudos depois de tantos anos? Eu precisava fechar um círculo. Minha tese estava 95% concluída quando fui tocar com aquela banda chamada Queen. Sempre achei uma coisa terrível não ter conseguido terminar. Anos depois, o astrônomo britânico Patrick Moore, que inspirou gerações no Reino Unido, me incentivou a terminar o doutorado. À época, eu estava escrevendo uma biografia sobre ele. Retornei ao Imperial College de Londres, onde eu havia começado meus estudos trinta anos antes, para finalmente concluí-los. Adoro a exploração espacial. Tenho esses dois lados na minha vida que são incrivelmente distintos: a música e a astrofísica.

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“Nunca nos preocupamos com o fato de Freddie (Mercury) ser gay ou não. O que importava eram a música, a paixão e a amizade. Acredito que cada criatura na Terra é digna de respeito”

Um dos pais da astronomia, Galileu Galilei, foi uma vítima do negacionismo no século XVII. Como avalia os novos tempos de negacionismo e ataque à ciência? Minha grande preocupação é com a verdade. Ela é a grande vítima do século XXI. É muito difícil encontrar a verdade agora, e muito fácil contar uma mentira de maneira convincente. Isso me incomoda sobremaneira. Também é muito difícil ter nossa liberdade de expressão, porque as pessoas vão atacar e destruir você se discordarem do seu ponto de vista.

O que o senhor aprendeu com a astrofísica de útil para a música, e vice-versa? Na nossa composição ‘39 (do álbum A Night at the Opera, de 1975), creio que há algo da Teoria da Relatividade, de Einstein. Mas a verdadeira influência é na forma como cada uma dessas áreas interferiu em meu jeito de pensar. O processo de descoberta e de abrir a mente para entender o universo não é tão diferente da sensação que a música provoca em nós. Acredito que o objetivo da minha vida é ser o mais completo possível.

É curioso imaginar que uma estrela do rock colaborou com a Nasa. Como foi a experiência? Para mim, é um sonho que se tornou realidade. Sempre quis as duas coisas, o rock’n’roll e a ciência. E todo mundo me dizia: “Você não pode ser um artista e um cientista. Não é possível”. Hoje, me sinto muito feliz e orgulhoso em ter provado que essa união é possível. Adoro fazer pequenos projetos com as equipes da Nasa e da Agência Espacial Europeia. Eu faço as estatísticas, é um trabalho que me empolga. E valorizo muito meu relacionamento com essas pessoas, como a equipe da New Horizons, que trabalhou na sonda enviada a Plutão. E elas gostam da música do Queen, o que é ótimo. Penso que levei algo diferente para a vida delas.

Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751

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